domingo, 25 de dezembro de 2011

AS BARBAS DO VIZINHO

O ditador argentino Jorge Videla e a "Roberto Marinho" do Clarin, Ernestina Noble, brindam pela compra da “Papel de Prensa S.A”

Por Brizola Neto

“Embora não haja qualquer sinal de que possamos ter por aqui qualquer arremedo de legislação que regule democraticamente as concessões públicas na área de comunicação – as concessões nada têm a ver com liberdade de imprensa ou de expressão – o jornal "O Globo", ontem, agiu daquela forma descrita no popular ditado de “colocar as barbas de molho, porque as do vizinho estão em chamas”.

O vizinho, no caso, é o “Clarín”, um conglomerado semelhante ao que é aqui a “Globo”, com TV, rádios, jornal, internet, produtoras de filmes e agência de notícias. E que, como a “Globo”, vicejou à sombra da ditadura, como um cogumelo, para relembrar a expressão usada por Leonel Brizola.

Ano passado, o Congresso argentino aprovou, e a presidenta Cristina Kirchner sancionou, a “Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual”, que estabelece regras para o concentradíssimo sistema de rádio e televisão no país. Para entendê-lo, é preciso saber que a televisão argentina é, basicamente, a cabo. Só em sete cidades, além de Buenos Aires, onde há cinco canais de TV aberta, há emissoras de recepção livre. A nova lei atacou de frente a concentração da propriedade nos meios de comunicação, estabeleceu parcelas mínimas de conteúdo nacional, de produção das próprias emissoras e de produtoras independentes, além de reservar um terço do espectro radioelétrico para organizações sem fins lucrativos.

É esse o fundo da ordem judicial que determinou a intervenção na “Cablevisión”, uma das empresas de TV a cabo -que é a TV de 70% dos argentinos. A reação do pessoal do grupo [“Clarín”] obrigou a Justiça a requerer garantias policiais, que não partiram, portanto, do Executivo.

A batalha se dá agora em torno da “Papel Prensa SA”, uma empresa criada por uma associação entre grupos privados e o Estado argentino. Durante a ditadura, as ações da empresa que pertenciam ao grupo “Graiver” – logo após a morte de seu líder David Graiver, num mal-explicado acidente de aviação- o controle da empresa foi transferido, por preço irrisório e depois de seus integrantes serem detidos sob acusação de colaborar com os Montoneros, para o “Clarín” e o “La Nacion”, unha e carne com o regime militar.

Independentemente das obscuridades do passado, os dois jornais se beneficiavam, até hoje, de duas vantagens que os demais não tinham. A primeira, compravam grandes quantidades [de papel de imprensa] antes de estabelecerem aumentos de preço; a segunda, recompravam seus encalhes quase ao preço de capa, revendendo-os para a empresa, com o fim de reciclagem.

Sexta-feira (23), o Senado argentino aprovou lei determinando que o comércio de papel de jornal é de interesse público. Isso não quis dizer estatizá-lo, desapropriando a empresa, mas que serão fixados preços únicos para a venda de papel a qualquer empresa, pelo mesmo preço, e o mesmo para a recompra para reciclagem.

É a isso que chamam de “atentado à liberdade de imprensa”.

Lá, como aqui, os privilégios obtidos com o convívio com o poder – especialmente com o poder autoritário – deixaram torta a boca da mídia. Não é novidade. Aqui, Samuel Wainer foi linchado pela imprensa por ter a “Última Hora” empréstimos no Banco do Brasil, embora todos – “Globo”, “Diários Associados” e até a “Tribuna da Imprensa” de Carlos Lacerda – os tivessem, e muito maiores.

É por isso que, mesmo com léguas a nos separar do que se passa na Argentina, o “Clarín” brasileiro reage com tanta violência.”

FONTE: escrito por Brizola Neto em seu blog “Tijolaço”  (http://www.tijolaco.com/as-barbas-do-vizinho/) [imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].

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