segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

IMAGENS DISTORCIDAS [PELA MÍDIA]

No mês passado, ocorreu em Caracas, na Venezuela, um fato capaz de dar à América Latina e ao Caribe a primeira oportunidade real de romper com as dominações externas mantidas sobre o continente há mais de 500 anos. Alguém soube disso através da TV?

Por Laurindo Lalo Leal Filho

A maioria dos brasileiros só se informa pela televisão e, quase sempre, fica mal informado. Todos os dias, as emissoras selecionam e transmitem inúmeras notícias de fatos ocorridos no Brasil e no mundo, mas o que não bate com seus interesses comerciais e políticos fica fora. A desinformação, no entanto, acontece também no que é mostrado. As notícias veiculadas são organizadas e editadas segundo os mesmos interesses.

Há dois exemplos significativos.

Um, de mais de vinte anos, só agora revelado. Trata-se do famoso debate Lula-Collor de 1989. Sabia-se que ele havia sido editado para ser exibido no Jornal Nacional, da Rede Globo, de forma a ressaltar os melhores momentos de Collor e os piores de Lula. Sua exibição, dessa forma, às vésperas das eleições, influenciou grande número de eleitores, conforme mostraram pesquisas na época.

A manipulação não ficou só ai. José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, um dos principais executivos da Globo naquela ocasião, revelou, em entrevista recente, a dimensão real do episódio. O debate não foi manipulado apenas na edição levada ao ar. Os truques começaram bem antes, uma vez que, segundo o próprio Boni, a emissora “tomou partido” e “produziu” o debate para beneficiar o então candidato alagoano.

Eu achei que a briga do Collor com o Lula nos debates estava desigual, porque o Lula era o povo e o Collor era a autoridade. Então, nós conseguimos tirar a gravata do Collor, botar um pouco de suor, com uma 'glicerinazinha', e colocamos as pastas todas que estavam ali, com supostas denúncias contra o Lula. Mas as pastas estavam inteiramente vazias ou com papéis em branco", revela Boni.

Se você acha que isso é coisa do passado e não acontece mais está enganado. No mês passado, ocorreu em Caracas, na Venezuela, um fato capaz de dar à América Latina e ao Caribe a primeira oportunidade real de romper com as dominações externas mantidas sobre o continente há mais de 500 anos.

Foi criada a CELAC, “Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos”, reunindo 33 países da região, deixando fora os Estados Unidos e o Canadá que sempre dominaram a OEA, a “Organização dos Estados Americanos”, até então a principal organização multilateral do continente, chamada com muita propriedade de “ministério das colônias” pelo então presidente de Cuba, Fidel Castro.

Trata-se de um grito de libertação dos países situados ao sul dos Estados Unidos. Dois séculos depois do rompimento dessas nações com as metrópoles espanhola e portuguesa, inicia-se, agora, uma luta conjunta em busca da autodeterminação política e econômica, livre das imposições dos impérios modernos.

A CELAC definiu, como um dos seus princípios básicos, a defesa das democracias nos países-membros. Se, em algum deles, a ordem institucional for rompida, a expulsão é imediata. Medida que busca evitar a repetição de fatos recentes como o golpe de Estado que depôs o presidente de Honduras, Manuel Zelaya, em 2009, e a tentativa frustrada de tomar o poder através da força no Equador em setembro de 2010.

Alguém soube disso através da TV? Não que a televisão brasileira não estivesse lá. Estava, mas não para mostrar a dimensão histórica do que ocorria em Caracas. Tudo que era importante foi escondido e, para não perder a viagem, o Jornal Nacional colocou no ar o questionamento feito à presidenta Dilma Roussef sobre uma declaração de amor divulgada, no Brasil, por um ministro em vias de demissão. Surpresa, Dilma foi gentil e respondeu à pergunta descabida e fora de lugar. Ao telespectador, restou receber informação supérflua em prejuízo do essencial.

O caso revela que as distorções ocorridas em torno do debate presidencial de 1989 não são exceções. Ao contrário, trata-se de prática comum, embora menos perceptível. A TV acaba fazendo como o mágico que chama a atenção para o lenço enquanto, sem o público perceber, tira o pombo da cartola, na feliz imagem do sociólogo francês Pierre Bourdieu. Infelizmente, assistimos a essa mágica todos os dias no telejornalismo brasileiro.”

FONTE: escrito por Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo, jornalista e professor de Jornalismo da ECA-USP. Publicado originalmente na edição de janeiro da “Revista do Brasil” e transcrito no portal “Vermelho”  (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=173582&id_secao=6). [imagens do Google adicionadas por este blog ‘democracia&política’].

4 comentários:

  1. Excelente postagem Maria Tereza, complemento-a com Beto Almeida, que, para mim, é uma referência nesta questão.

    05/12/2011: A Celac e os Cem Anos de Cooperação

    Muitas medidas já estão em andamento pavimentando o caminho para que nascesse a Celac: Mercosur, Alba, Unasur, Petrocaribe, Petrosul, Banco do Sul, Telesur etc. Tudo isto soma. Mas, a marca fundamental é que 33 estados decidem unir-se sem pedir licença aos EUA e projetam o futuro pela via de um caminho de independência.

    Por Beto Almeida

    A TV brasileira continua centralizando suas atenções na cobertura da crise do capitalismo na Europa, o que significa, na prática, sonegar ao povo brasileiro uma informação objetiva, necessária e de importância histórica para a humanidade como é a criação da CELAC (Comunidade dos Estados da América Latina e Caribe), ocorrida em 2 e 3 em Caracas. Assisti o evento em transmissão da Telesur, retransmitida aqui em Brasília pela TV Cidade Livre, o canal comunitário da capital.

    A Celac nasce com desafios amplos, com uma pauta concreta e com um caminho já percorrido por meio das medidas que vêm sendo implementadas e que convergem para a integração de América Latina. A Celac nasce sem as presenças dos EUA e Canadá, países que apostam na desintegração e rapina, como prova o crime recente de demolição da Líbia.

    Nada têm a fazer na Celac. Que fiquem com a moribunda OEA, um laboratório de maldades colonialistas que sempre operou a favor das ditaduras que marcaram em sangue e submissão a América Latina e o Caribe.

    ÍNTEGRA no link abaixo:

    http://www.cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=5339

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    Essa é uma das minhas favorita.

    21/03/2011: Líbia, Obama, Dilma e o exemplo de Tancredo

    Se bem já não estamos mais na etapa em que um chanceler brasileiro chegava a agachar-se para retirar os sapatos em obediência a um guardinha de alfândega nos EUA, há sinais confusos sobre a necessária e imperativa continuidade, com mais consolidação e audácia, da política externa elaborada e praticada durante o governo Lula. Seja porque todas as sanções ou ações militares delas decorrentes que os EUA arrancam no grito do Conselho de Segurança da ONU jamais deixaram de ser, de verdade, nada menos que agressões armadas contra povos e governos que têm posição de independência em relação à Casa Branca.

    Por Beto Almeida

    Foi um ultraje, um abuso, um desrespeito total ao povo brasileiro o fato de Obama ter usado o território brasileiro, e mais precisamente as dependências do Palácio do Planalto, durante audiência com a Presidenta Dilma, para dar as ordens de ataque com mísseis à Líbia!

    Não merece, em absoluto, o Prêmio Nobel da Paz, mas o da guerra!

    Mas, o episódio, mais um para a coleção de atitudes desrespeitosas com o povo brasileiro que dirigentes dos EUA praticaram - a mais grave de todas o Golpe de 1964, organizado a partir da Casa Branca que o pop star não mencionou - nos faz reviver um outro episódio.

    Eleito pelo Colégio Eleitoral, Tancredo Neves vez um giro por diversos países para comunicar a nova fase da política no Brasil a partir de 1985. O primeiro visitado foi os Estados Unidos. Recebido por Ronald Reagan, que na época sustentava criminosa agressão contra a Nicarágua por meio de sabotagens e de apoio a grupos terroristas chamados de “contras”, Tancredo ouve com paciência o presidente estadunidense discorrer sobre América Latina e, praticamente, solicitar ou assediar apoio brasileiro contra a Nicarágua Sandinista, por ele chamada de “expansão comunista-terrorista na região”.

    ÍNTEGRA no link abaixo:

    http://cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17574&editoria_id=6

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  2. Probus,
    Ótimos textos você indicou.
    Já os coletei para futura postagem.
    Obrigada
    Maria Tereza

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  3. Recentemente, estive em La Paz, Bolívia, e pude testemunhar o que a postagem expõe. Na TV a cabo da capital boliviana, pelo menos, há os mais diversos canais, CNN inclusive, mas também há um canal de TV cubano no qual estava sendo transmitida entrevista com o governador (?!) do Banco Central Cubano,que expunha a crise econômico-financeira iniciada em 2008 e se estende até o momento.
    De qualquer maneira, independentemente de termos ou não o referido canal, mereceríamos ter a oportunidade de ouvir uma outra opinião a respeito do assunto.

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  4. Fluxo,
    Você vivenciou conceito importante em comunicação. Apesar de a Bolívia também estar à mercê dos canais e correntes de informação selecionados pelos poucos grandes conglomerados internacionais que dominam a mídia, bastou um canal diferente, o cubano, para você perceber sensível ampliação do seu conhecimento. Esse é um dos muitos aspectos que mostram a necessidade de regulação da mídia no Brasil.
    Maria Tereza

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