segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A LÓGICA DA LOUCURA

Pinochet e Videla

Por Emir Sader

Ha lógica na sua loucura.” (Shakespeare, em “Hamlet”)

“Entrevistas como a do ex-ditador argentino Jorge Videla à revista espanhola “Cambio 16” expressam momentos de sinceridade em que se reproduzem, de forma precisa, a lógica que levou aos regimes de terror que imperaram no cone sul latino-americano há poucas décadas.

Olhada desde agora, tudo parece uma loucura, da qual todos tratam de se distanciar, como se fosse expressão da loucura de alguns, que precisa ser reduzida ao passado e a alguns personagens particulares, uma parte dos quais processada e condenada. Teria sido “um momento ruim”, do qual os países teriam virado a página. Esquecer o passado, curar as feridas, voltar-se para o futuro – essa a proposta dos que protagonizaram aquela “loucura”.

Por isso, incomoda muito quando algum daqueles personagens que dirigiram, com representação deles, os regimes de terror, retomam a lógica que os uniu. A leitura da entrevista do Videla é muito saudável, porque reproduz a mesma lógica do bloco que se formou para dar o golpe e deu sustentação à ditadura militar. Bastaria mudar alguns nomes e circunstâncias concretas, para que se tivesse um documento adequado ao que aconteceu no Brasil. É o discurso que sobrevive em setores militares e civis saudosos dos tempos do terror contra a democracia e contra o povo. Escutemos o que disse Videla.

Na Argentina não há justiça, mas vingança, que é algo bem distinto.” “Houve uma assimetria total no tratamento das duas partes enfrentadas no conflito. Fomos acusados como responsáveis, simplesmente, de acontecimentos que não fomos nós que desencadeamos.”

Desqualificação da Justiça, como revanchismo, para o que eles têm que aparecer como salvadores providenciais de um pais à beira do abismo, com “vazio de poder”, dominado pelo caos. A Justiça os trataria de forma desigual, porque assumem agora a teoria dos “dois demônios”, dos dois bandos em guerra, buscando descaracterizar que foram os agentes do golpe militar, da ruptura da democracia e da instauração de uma ditadura do terror.

Relata Videla que o principal dirigente da oposição, Ricardo Balbin, do Partido Radical, lhe telefonava para incentivar que dessem o golpe. Nada diferente da UDN no Brasil e da Democracia Cristã de Eduardo Frei no Chile.

Os empresários também colaboraram e cooperaram conosco. Nosso próprio ministro da Economia, Alfredo Martinez de Hoz, era um homem conhecido da comunidade de empresários da Argentina e havia bom entendimento e contato com eles".

A Igreja cumpriu com o seu dever, foi prudente...” “Minha relação com a Igreja foi excelente, mantivemos relação muito cordial, sincera e aberta. Tínhamos, inclusive, capelães castrenses assistindo-nos e nunca se rompeu essa relação de colaboração e amizade.”

No Brasil, a Igreja Católica participou ativamente na mobilização para o golpe militar, com o qual romperia e teria papel muito importante na denúncia e na resistência à ditadura. Na Argentina, ao contrário, a Igreja continuou apoiando a ditadura, a ponto de mandarem capelães participarem dos vôos da morte, quando duas vezes por semana eram jogados ao mar presos políticos.

Foi um erro nosso aceitar e manter o termo de ‘desaparecidos’ digamos como ‘algo nebuloso’; em toda guerra há mortos , feridos, aleijados e desaparecidos , isto é, gente que não se sabe onde está. Isso é assim em toda guerra. Em qualquer circunstância do combate, aberto ou fechado, se produzem vitimas. Para nós, foi cômodo, então, aceitar o termo de ‘desaparecido’, encobridor de outras realidades (sic), mas foi um erro pelo que ainda estamos pagando e sofrendo muitos de nós. É um problema que pesa sobre nós e não podemos livrar-nos dele. Agora, já é tarde para mudar essa realidade. O problema é que não se sabe onde está o ‘desaparecido’, não temos resposta a essa questão. No entanto, já sabemos quem morreu e em que circunstâncias. Também, mais ou menos, quantos morreram, aí cada um que invente suas cifras.”

Essa a lógica da loucura das ditaduras militares, dos regimes militares, que uniu as elites dos países do cone sul, dirigidos pela alta oficialidade das FFAA, congregando grandes empresários, donos das grandes empresas dos meios de comunicação, com apoio dos EUA. Esse o discurso que os uniu, expresso de forma fria e articulada.”

FONTE: escrito pelo sociólogo e cientista político Emir Sader e publicado no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=894). [imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].

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