domingo, 26 de fevereiro de 2012

UMA SAÍDA PARA A PALESTINA

Após 1999 (último mapa à direita), continuou a invasão, o confisco e a ocupação dos territórios palestinos(em verde) por Israel com apoio dos EUA. Hoje, ainda continua e quase nada resta.

Advogado que assessorou equipe palestina em negociações com Israel sugere a Mahmoud Abbas que afirme a existência e a realidade do Estado da Palestina de várias maneiras, por meio de uma sucessão constante de manifestações de independência, construindo um recorde tangível de sucessos.

Por Baby Siqueira Abrão

Depois da fracassada tentativa de ver seu país elevado a Estado-membro das Nações Unidas, os palestinos perderam a animação que os levava às ruas de cidades e vilas entre meados de setembro e dezembro – fatídico mês em que o Conselho de Segurança da ONU declarou-se incapaz de chegar a um consenso sobre o caso – no ano passado.

Foi preciso que 2011 acabasse para que um pequeno otimismo, aquele que se instala nas pessoas todo começo de ano, voltasse a dar sinais de vida. Campanhas conjuntas com ativistas internacionais estimulam um pouco a disposição dos palestinos, como a “Marcha Global para Jerusalém” (prevista para 30 de março, “Dia da Terra Palestina”), o “Bem-vindo à Palestina” (evento que procura furar o bloqueio israelense à entrada de estrangeiros na Cisjordânia, marcado para abril), o “Dia Internacional de Ação pela Abertura da Shuhada Street” (Rua dos Mártires, em Hebron, fechada por Israel depois do massacre de 1994, quando o grupo de Baruch Goldstein, extremista judeu, matou 29 muçulmanos e feriu 125 na mesquita Ibrahim; 20-25 de fevereiro) e a “Semana Contra o Apartheid” (evento mundial com datas variadas; na Palestina, entre 12 e 19 de março).

A agenda para 2012, cheia de manifestações significativas, objetiva chamar a atenção do planeta para a escalada de violência do governo e dos colonos extremistas israelenses contra os palestinos e seus bens. Se no ano passado o número de ataques, o confisco de terras, as demolições de casas e as prisões a que os sionistas submeteram os palestinos foi recorde, 2012 não ficará atrás. Diariamente, as notícias sobre esses tipos de ação comprovam que as autoridades sionistas avançam rapidamente em seu projeto de tomar toda a Palestina histórica para transformá-la na “Grande Israel”.

Esses fatos e a crônica situação de Gaza, agora enfrentando sua mais série crise de energia – a única grande central elétrica da faixa costeira está parada por falta de combustível – e com sobrevoos diários da Força Aérea Israelense, com ataques frequentes, levaram palestinos e seus apoiadores internacionais a sério impasse. Na impossibilidade de negociar no campo diplomático com Israel, irredutível em seus planos de conquista e colonização, e uma das maiores potências bélicas do planeta [com gigantesco apoio financeiro dos EUA para as FFAA Israelenses (± US 3 bilhões/ano)], o que fazer? Realizar passeatas não violentas toda semana até que não reste mais um único espaço para marchar? Enfrentar o exército sionista com pedras?

O silêncio da Autoridade Palestina em relação à crítica situação vivida pelos palestinos, seu afastamento das bases populares, usadas como plataforma de apoio mas nunca consultadas seriamente nem chamadas a participar das grandes decisões, agravam ainda mais a crise conjuntural. Que fazer? Para onde ir?

Longe da Palestina, apoiadores também queimam neurônios em busca de soluções viáveis. Mas a falta de conhecimento da legislação e dos procedimentos diplomáticos internacionais, do sistema ONU, da prática das negociações não permite avanços. Até que um advogado especializado em direito internacional e conhecedor dos procedimentos da ONU e da diplomacia descobre uma saída e decide explicá-la numa carta aberta ao presidente da “Autoridade Nacional Palestina”, Mahmoud Abbas. Esse advogado chama-se John V. Whitebeck, consultor da ANP em negociações com Israel. Ao escolher tornar pública sua proposta, em vez de entregá-la pessoalmente a Abbas, Whitebeck faz o que já deveria ter sido feito há muito tempo: cria espaço para discussão aberta sobre o futuro da Palestina.

População, apoiadores, governos, legisladores, magistrados, movimentos sociais e organizações civis de ambos os lados têm agora uma esperança e um ponto de partida, materializados no documento elaborado por Whitebeck. É uma solução viável sob todos os aspectos. Esqueçam-se certos detalhes, como a citação de instituições combatidas pelos indignados do planeta, como FMI e Banco Mundial. O que interessa é o caminho sugerido, etapa por etapa, e a colocação do povo palestino como ator principal do destino de seu país – na proposta, é ele que decide se deseja viver lado a lado com Israel ou num único Estado para todos os que vivem no solo da Palestina histórica.

O documento ainda tem a vantagem de colocar contra a parede os que pretendem eternizar a ocupação e a militarização da Palestina [por Israel]. Caso essas pessoas insistam em suas posições, terão de arcar com responsabilidades mesmo sem querer assumi-las, além de enfrentar sanções e autossanções no caso de adiar ou impedir a realização de soluções concretas.

O documento de Whitebeck também pode ser utilizado para o debate da constituição do Estado único e democrático para toda a população de Palestina/Israel, que palestinos, israelenses e cidadãos do mundo recolocaram em pauta neste início de 2012.

Resolver uma questão que dura mais de uma centena de anos e que se torna mais complicada a cada dia não é nada fácil. Mas é possível. Basta que palestinos e israelenses – as pessoas, não seus governos – levem à prática política o antigo projeto de viver em paz uns com os outros.

A seguir, o texto de Whitebeck, em tradução minha. Originalmente publicado em  http://www.palestinechronicle.com/ em 22 de fevereiro de 2012:

CARTA ABERTA AO PRESIDENTE MAHMOUD ABBAS

Por John V. Whitbeck (*)

Caro presidente Abbas,


Houve euforia visível e audível na Assembléia Geral da ONU, em setembro, quando o senhor anunciou o pedido da Palestina para aderir às Nações Unidas, [bem como] na sede da UNESCO, em Paris, em outubro, quando a Palestina foi admitida como Estado-membro, e na UNESCO novamente, em dezembro, quando a bandeira palestina foi formalmente hasteada em sua presença (e na minha).

Desde então, nada ...

Entende-se que o senhor tenha acordado, com o Quarteto, o congelamento das iniciativas diplomáticas da Palestina até 26 de janeiro [de 2012] para permitir um esforço final a fim de iniciar negociações significativas com Israel. Previsivelmente, esse esforço falhou. No entanto, 26 de janeiro já passou. Ainda assim, nada ...

Compartilhei sua surpresa quando, com nove dos Estados do Conselho de Segurança da ONU já tendo dado o reconhecimento diplomático para o Estado da Palestina, o senhor não conseguiu nem mesmo arregimentar os nove votos afirmativos para a admissão da Palestina como Estado-membro, votos necessários para forçar os Estados Unidos a escolher entre um veto (irritando o mundo muçulmano e grande parte da humanidade) e uma abstenção (irritando Israel e seus apoiadores norte-americanos).

No entanto, embora a troca dos cinco membros não-permanentes do Conselho de Segurança, ocorrida em 1º. de janeiro de 2012, pareça não ter mudado a realidade de apenas oito votos afirmativos, isso não significa que não haja nada que a Palestina possa fazer, de modo construtivo, para recuperar a iniciativa e o momento positivo de setembro de 2011.

O senhor poderia recorrer de imediato à Assembléia Geral das Nações Unidas e obter uma votação esmagadora para atualizar o status da Palestina, de "entidade observadora" para "Estado observador". Os membros da ONU e da UNESCO são substancialmente os mesmos, e apenas 14 estados votaram contra a admissão da Palestina como Estado-membro da UNESCO.

Logicamente, até mesmo menos Estados devem se opor ao status de "Estado observador" da Palestina na ONU.


Imediatamente depois de a Palestina ter seu status de Estado confirmado na ONU, o senhor poderia fazer uma declaração formal – e histórica – que compreendesse ao menos os três elementos seguintes:

1. O anúncio da fusão ou da absorção da Autoridade Palestina no Estado da Palestina;

2. Um compromisso, pelo período de um ano, durante o qual o Estado da Palestina procuraria, de boa fé, alcançar acordo definitivo na base de “dois Estados” com o Estado de Israel, em todas as modalidades, para o fim da ocupação, assumindo e executando todas as funções, direitos e obrigações anteriormente assumidas e executadas pela Autoridade Palestina no âmbito dos acordos existentes entre a OLP e o Estado de Israel, incluindo a cooperação em segurança, caso o Estado de Israel esteja disposto a cooperar com o Estado da Palestina; e

3. Um compromisso do Estado da Palestina – no caso de um acordo definitivo com o Estado de Israel em todas as modalidades para o fim da ocupação com base na solução de “dois Estados” não seja alcançado nesse período de um ano – de consultar o povo palestino, por referendo, para saber se eles preferem continuar buscando o fim da ocupação por meio da partição, com um Estado palestino soberano em apenas 22% do território da Palestina histórica, ou se preferem, doravante, procurar os plenos direitos de cidadania em um único Estado democrático em toda a Palestina histórica, livre de toda discriminação baseada em etnia, religião ou origem, e com direitos iguais para todos.

Se ainda resta alguma esperança de as bases realmente aceitarem uma solução digna de dois Estados, apresentando a questão e a escolha tanto a Israel como a seus apoiadores ocidentais, deve-se estimular o mais intenso esforço imaginável para alcançá-la. Se, mesmo com a questão e a escolha apresentada desse modo, uma solução digna de “dois Estados” for impossível, a liderança e o povo palestinos, tendo agido de maneira razoável e responsável, estariam firmemente ancorados numa base moral alta, prontos para mudar seu objetivo para a única alternativa decente que lhes resta, com o máximo apoio imaginável do restante da humanidade.

Durante esse ano decisivo, o senhor também pode solicitar a admissão do Estado da Palestina, sucessivamente, a várias agências da ONU, escolhidas com mais cuidado, como a “Organização Mundial da Propriedade Intelectual”, a “Organização Mundial da Saúde” e a “Agência Internacional de Energia Atômica”, bem como ao “Tribunal Penal Internacional”, a “Corte Internacional de Justiça” e, potencialmente, ao “Fundo Monetário Internacional”, ao “Banco Mundial” e até mesmo à “Comunidade das Nações” [Commonwealth, no original], escolhendo os alvos que parecerem mais construtivos em termos práticos e estratégicos e nos quais o êxito [da solicitação de adesão] for altamente provável.

O senhor pode deixar o Conselho de Segurança esperando, sempre aberto para votação no momento de sua escolha, talvez depois de uma mudança de governo num dos Estados-membros. Nesse contexto, o senhor certamente deve ter notado que François Hollande, cotado nas pesquisas para se tornar o próximo presidente francês em maio, incluiu em seu livreto de campanha, "Minhas 60 Promessas para a França", o seguinte compromisso: "Vou apoiar o reconhecimento internacional do Estado palestino ".

Necessariamente, o senhor pararia de emitir passaportes pela "Autoridade Palestina" e começaria a emiti-los pelo "Estado da Palestina".

Ao proceder dessa maneira, o senhor afirmaria a existência e a realidade do Estado [da Palestina] de várias maneiras, por meio de uma sucessão constante de manifestações de independência, construindo um recorde tangível de "sucessos", evitando todo insucesso visível e mantendo a Palestina, e a imperativa necessidade de acabar com a ocupação, na "linha de frente" da atenção mundial.

Além disso, uma votação esmagadora na Assembleia Geral [da ONU] em apoio do status independente da Palestina, juntamente com uma sucessão constante de manifestações de soberania por meio de "fatos na prática" [no original, “facts on the ground”], tornariam mais difícil, para os membros do Conselho de Segurança, a resistência ou o bloqueio ao ingresso pleno da Palestina na ONU, no momento em que o senhor julgar oportuno buscá-lo.

Como sempre, desejo-lhe coragem e sabedoria para tomar a iniciativa e definir a agenda de modo a alcançar, finalmente, alguma medida de justiça e um futuro digno para o povo palestino.

Respeitosamente,


John V. Whitbeck
(*) Advogado internacional, assessorou a equipe palestina em negociações com Israel.”

FONTE: escrito por Baby Siqueira Abrão, jornalista, autora de diversos livros e pós-graduanda em Filosofia. Mora em Ramallah, Palestina, onde é correspondente do jornal “Brasil de Fato”. Artigo transcrito no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=5487) [imagens do google e trechos entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].

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