domingo, 29 de abril de 2012

NOVO VAZAMENTO DAS CONVERSAS DE “NEGÓCIOS” DE DEMÓSTENES COM CACHOEIRA

Carlinhos Cachoeiras e senador Demóstenes Torres (DEM)

O vazamento do inquérito contra o senador Demóstenes Torres lançou novas luzes sobre as relações do parlamentar com o esquema de Carlinhos Cachoeiras, a construtora Delta, agentes públicos e jornalistas.


Após o vazamento, jornalistas e blogueiros dissecaram as transcrições das escutas telefônicas feitas entre integrantes do esquema. Conversas envolvem o ministro do STF, Gilmar Mendes, indicam tentativa de desestabilizar o governo Dilma. As articulações com a revista “Veja” são uma constante.

Por Najla Passos, na “Carta Maior”

O vazamento do inquérito contra o senador Demóstenes Torres (ex-DEM), na noite de sexta (28), momentos após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowsky, autorizar seu repasse à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Congresso Nacional, colocou fim à onda de vazamentos seletivos que vinha ocorrendo na grande mídia e lançou novas luzes sobre as relações do parlamentar com o esquema de Carlinhos Cachoeiras, a construtora Delta, agentes públicos e veículos da imprensa.

Em uma espécie de cobertura colaborativa descentralizada e espontânea, dezenas de jornalistas e blogueiros dissecaram, em algumas horas, o conteúdo das centenas de páginas de transcrições de escutas telefônicas feitas com autorização judicial entre os principais membros da quadrilha de Carlinhos cachoeira. O resultado é nova percepção sobre quem é, e como agia e quem eram os parceiros do senador que fez carreira com um discurso pesado de combate à corrupção e ao crime organizado.

As denúncias apontam, por exemplo, que Demóstenes teria atuado em conjunto com o ministro do STF, Gilmar Mendes, para levar à corte máxima uma ação bilionária envolvendo a companhia Energética de Goiás. E que a quadrilha à qual está vinculado atuou para derrubar, no ano passado, a cúpula do Ministério dos Transportes.

Impressionam, especialmente, as articulações sistemáticas entre Demóstenes, Cachoeira e a revista Veja, para a publicação de matérias de interesse do crime organizado.

ACUSAÇÕES CONTRA DEMÓSTENES

No pedido de investigação encaminhado ao STF, o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, aponta graves indícios da prática, pelo senador, de crimes de corrupção passiva, prevaricação e advocacia administrativa. “Constatou-se que o Senador Demóstenes Torres mantém estreitos vínculos com Carlos Cachoeira, de natureza pessoal e, também, de natureza profissional. Os contatos telefônicos entre eles são praticamente diários, sucedidos, muitos deles, de encontros para tratar de assuntos que não poderiam ser conversados por telefone. O conteúdo das conversas revela graves indícios de que o parlamentar valia-se do seu cargo para viabilizar interesses econômicos comuns com Carlos Cachoeira”, afirma Gurgel.

De acordo com o procurador-geral, “são vários os contextos de ação do Parlamentar em benefício da Delta, existindo até a suspeita, extraída de diálogos interceptados, que ele seria sócio oculto da empresa”. Exemplo são diálogos captados entre os dias 12 e 13 de julho de 2010, nos quais Demóstenes é flagrado cuidando de assuntos da Delta com o Governo do Estado de Goiás. Pelos diálogos captados entre o contraventor Carlinhos Cachoeira e o então diretor da Delta para o Centro-Oeste, Cláudio Abreu, a empresa estaria tendo dificuldade na condução de um contrato em razão de o Governo ter dado preferência à Queiroz Galvão e à Odebrecht, que, por isso, “queriam comandar o processo”:

CARLINHOS: (..) me escuta, não é melhor a DELTA sair fora desse trem não, ô
CLAUDIO ?: Nós tamo fazendo média com DELTA ai, eu não tenho compromisso nenhum com DELTA, não,
CLÁUDIO: Que que é que você tá falando? O que que é?
CARLINHOS: Eu não tenho compromisso nenhum com DELTA, cara, eu pego e tiramos a DELTA, fala com o MARCONI ele pega e tira a DELTA, sem problema nenhum, você deixa esse HERALDO aí tomar conta do nossos negócios (INAUDÍVEL) eu tiro a DELTA, entendeu ? Não tenho compromisso nenhum com DELTA, tenho compromisso com você, com DELTA não tenho nenhum, entendeu ?
CLÁUDIO: Uai, eu não tô entendendo, não tô entendendo porque você tá falando isso aí, sinceridade, cara.
CARLINHOS: (INAUDÍVEL) ele ia cobrar pedágio do pessoal, já não aconteceu, depende se o pessoal for, nós somos os últimos, já tem o pessoal da ODEBRECH mandando, todo mundo mandando e a gente aqui escutando, por quê ? Porque você põe o HERALDO incompetente lá, entendeu ? E o que que eu tô fazendo com DELTA, cara? (...)
CLÁUDIO: (..) o cliente ai que colocou a ODEBRECH e a GALVÃO, cara, na história, você sabe ( ...) agora os caras tão botando as manguinhas de fora, achando, achando que, como o cliente botou eles, agora eles mandam igual a nós, só que nós já falamos, o parceiro aí do lado aí, já me falaram que ele falou uma cagada, que não podia ter falado o nome do DEMÓSTENES, ele falou o nome do DEMÓSTENES na reunião, então nós estávamos falando que o dono do negócio é um sócio oculto, aí foi e falou que era o DEMÓSTENES o dono do negócio aí é f., né, amigo?”

São muitas as evidências de que Demóstenes recebia, sistematicamente, dinheiro da quadrilha. Conforme consta no inquérito, em diálogo no dia 22/3/2011, às 11:18 horas, entre Carlos Cachoeira e Cláudio Abreu, ainda não degravado, “é expressamente referido que o valor de um milhão foi depositado na conta do Senador Demóstenes e que o valor total repassado para o Parlamentar foi de R$ 3.100.000,00 (três milhões e cem mil reais)”.

Há outras gravações que falam em repasses menores, presentes, compras de vinhos caros e até foguetes para a comemoração da formatura da esposa de Demóstenes. A denúncia mais grave já levantada até o momento é a que trata do repasse dos R$ 3,1 milhões. O procurador já pediu a quebra de sigilo bancário do senador, do então superintendente regional da Delta no Centro-Oeste, Cláudio Abreu, de Cachoeira e seus principais comparsas para aprofundar as investigações.

Confira trecho do diálogo entre Claudio Abreu e Geovani (comparsa de Cachoeira), no dia 22/3/2011:

CLÁUDIO ABREU: Geovani
GEOVANI: Pode falar
CLÁDIO ABREU: Eu tô vendo aqui o que pagou em fevereiro aqui, pagou pra você 5.530. Era pra você colocar 4.977. Tá faltando aqui um saldo de 1.171, mais o 1 milhão que é aquele trem lá pra trás. Aquele lá é que vocês já usaram que o CARLINHOS reteve. Então, você tá me devendo 2.172 aqui na minha conta cara! O 1 (um milhão) que o CARLINHOS tá usando mais esse 1.172
GEOVANI: Então, mais tem aqueles 600 e o 173 ué, que "mandô" eu passar!
CLÁDIO ABREU: Eu já descontei Dr. É 1.972.000,00 menos 801.000,00. Você descontou aqui 600 mais 173, mais duas de 20 do JOÃO, mais uma de 20 para um rapaz ai, dá 801. É 1.972 menos 800, vai ficar 1.171.
GEOVANI: Justamente, menos um (um milhão) que ele tá usando
CLÁDIO ABREU: Menos um não, cara. Esse menos um é lá pra trás. Você já descontou ele rapaz. Você tá doido. Agora vai descontar mais um milhão.
GEOVANI: Não moço. Não descontou não. Esse um ele tá usando já faz dias já uai. Você sabe disso?
CLÁUDIO ABREU: Eu sei amigo, esse um ele tá usando desde outubro do ano passado. Foi das contas do ano passado cara, que ele reteve 1.000.000,00 (um milhão) e não devolveu! Agora esse aí, foi que eu paguei pra vocês agora em fevereiro.
GEOVANI: Não, CLÁUDIO. É um seguinte: aquele 1.000.000,00 (um milhão) que descontou aquela vez é outro. Ele tá usando 1.000,000,00 desse agora. Por isso que toda vez tá dando essa divergência
CLÁUDIO ABREU: Então ele segurou 2.000.000,00?

O assunto continuou no dia seguinte, entre Cláudio e o próprio Cachoeira:

CARLINHOS: Fala, CLAUDIO!
CLAUDIO: Eu to com os meninos aqui e eles mataram aqui, mesmo. É aquilo que eu falei, CARLINHOS... É Um milhão do Professor, que você pediu pra mim fazer... diluiu, já morreu. E mais um milhão que você reteve aí que é coisa particular sua... que é o que você tem que passar pra mim. O GEOVANI tá me passando aqui agora.
CARLINHOS: Que eu retive?... O quê que eu retive?
CLAUDIO: Um milhão que ele tá falando aqui, uai! Um milhão do DEMÓSTENES morreu! Aquele lá ficou na minha conta. E um milhão que você reteve em Dezembro.... É... ele falou que você tinha falado comigo... eu não lembro dessa conversa sua comigo, não. Mas você não precisa falar comigo.
CARLINHOS: Vai cagar, CLAUDIO. Você tá brincando, né? Vai cagar!.. Eu precisava falar com você agora à tarde. Vai ter um tempinho pra mim ou não?
CLAUDIO: O "Vai cagar" tá no viva-voz aqui. O GEOVANI vai falar procê porque é ele que tá me mostrando as contas aqui, uê. Sou eu não!
CARLINHOS: Vai tomar banho, rapaz! Só porque eu vou te entregar naquele negócio do Copacabana Palace?
CLAUDIO: Ah, vai tomar no c., CARLINHO! Cê tá onde? Os meninos ficaram aqui. Agora que eu fui atender eles aqui. Ele tá me passando aqui um negócio aqui... é.... desse um milhão que você reteve aqui. Não é aquele do DEMÓSTENES que você já torrou, não. É o outro.
CARLINHOS: É... vai cagar!”

O procurador também afirma que “o senador Demóstenes, valendo-se do prestígio do cargo, intermediou interesses de Carlos Cachoeira perante a Procuradoria-Geral de Justiça de Goiás, chefiada por seu irmão, Benedito Torres”, como revela gravação de 16/5/2011:

CARLINHOS - doutor
DEMOSTENES - fala professor, você me ligou? você me ligou, professor?
CARLINHOS - liguei, você falou com seu irmão?
DEMOSTENES - de novo não, vou encontrar com ele pessoalmente
CARLINHOS - hã tá, deixa de falar, lá no DAE de Anapólis tem aquela empresa de carros lá que é prestadora de serviços, e lá só pode indústria ...e aquele malandro, aquele malandro daquele cara lá do (..) industrial ta ganhando um milhão dele, para dar vinte alqueires para ele lá, o cara tá até com o BALDIA, o BALDIA vai por o Ministério Público, mas você podia adiantar aí, precisava de uma entrevista com o promotor lá do jornal do BOTINA dizendo que vai entrar com o processo entendeu, sobre desse caso aí.
DEMOSTENES - é aquele negócio da GABARNO né?
CARLINHOS - exatamente, precisava designar um promotor pra ler isso aí
DEMOSTENES - na hora, é o de ANAPÓLIS, ôoooo e também é o seguinte, o problema é que o BICA ,eu to sabendo dessa história, fez um acordo com o tal de JOÃO FURTADO lá, pro JOÃO tomar conta dos casos, isso não pode acontecer né, não falei nada pra ele, (..) tem que, tem que ver aí, era melhor chamar o BICA que o BICA resolve esse trem
CARLINHOS - resolve nada, tem que atropelar ele, ele tá na mão do JOÃO, quem manda nele é o JOÃO e o JOÃO tá ganhando dinheiro também, tem que ser via Ministério Público, entendeu
DEMOSTENES - então vamo fazer, pode deixar que eu tomo conta disso então, falo, é vou ver como que faz isso, deixa isso aí é por minha conta então que vou resolver, mas o BICA tem que ficar, tem que ficar é, vou procurar, vou encontrar com meu irmão agora na hora do almoço, agora nos vamos almoçar juntos e vou falar essa questão com ele falo.
CARLINHOS - manda ele lá designar um promotor pra entrar com uma ação contra isso aí, porque isso aí é parte do Ministério Público municipal, entendeu, não precisa nem fica sabendo.
DEMOSTENES - é verdade, pode entrar por lá, pode entrar aqui também contra ato (....)
CARLINHOS - exatamente, tá bom, um abraço
DEMOSTENES - então o negócio é esse, o trem lá é comércio e lá é reservado só para indústria, né?
CARLINHOS - pra ter ideia, onde eles estão lá hoje atrapalha o trânsito inteiro e dez empregos que só gera é prestadora de serviços e lá é indústria pô, entendeu, e agora com o acordo com o (..) vão dar vinte alqueires de terra que o Estado comprou a quatrocentos mil reais pra dá pra eles, pra gerar mais dez empregos
DEMOSTENES – não, ok, deixa isso comigo,falo
CARLINHOS - um abraço, doutor obrigado
DEMOSTENES - um abraço, tchau.”

FONTE: reportagem de Najla Passos, na “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20049). [Imagem do google adicionada por este blog ‘democracia&política’].

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