sexta-feira, 1 de junho de 2012

A ESTIGMATIZAÇÃO DO IRÃ


“Dos resultados da recente reunião da OTAN, o mais intrigante foi a postura dos Estados Unidos e da Europa frente ao Irã. A possibilidade de novas negociações visando à retirada de embargos comerciais como contrapartida à demonstração de que Teerã não estaria preparando arsenal nuclear aparentemente contradiz a "tendência [i.é., vontade de haver pretexto para ataque e tomada do petrróleo iraniano] das potências ocidentais.

Por Manuel Domingos Neto, no jornal “O Povo”

Nos últimos anos, a expectativa de uma intervenção militar no país que sobrou da antiga Pérsia foi sistematicamente alimentada. O regime político foi estigmatizado e a opinião pública ocidental preparada para assistir a mais uma carnificina em nome de sua “segurança”. Oficiais estadunidenses declararam que o planejamento das operações estaria pronto, contando, inclusive, com o apavorante artefato MOAB (Massive Ordnance Air Blast), apelidado de “mãe de todas as bombas” devido a sua capacidade de destruir tudo num raio de um quilômetro e atingir instalações subterrâneas onde estariam concentrados os trabalhos visando à fabricação da arma nuclear iraniana. O orçamento do governo estadunidense enviado para análise do Congresso prevê gastos com operações marítimas e aéreas e o estacionamento de navios de guerra nas cercanias do Irã.

Não é fácil compreender os sinais oferecidos em Chicago. A retórica empregada em reuniões desse tipo compreende simulações de sedução, ameaças, intimidação e chantagem nem sempre perceptíveis para os próprios participantes. O eventual abrandamento das tensões com a República Islâmica atenderia às ponderações da Rússia e da China, que não cessam de demonstrar a ampliação permanente de suas capacidades militares e atuam cientes das fragilidades econômicas da Europa e dos Estados Unidos? Enquanto a China amplia sua presença econômica mundial, moderniza aceleradamente sua força armada e multiplica sua capacidade de intervenção no oceano Pacífico, a Rússia acaba de testar um míssil balístico intercontinental de quinta geração, com melhores chances de driblar os instrumentos de defesa aérea, pondo em xeque a tentativa estadunidense de estabelecer um escudo antimíssil na Europa.

Desgastado com as intervenções no Afeganistão e no Iraque e com dificuldade para dividir as despesas da OTAN com os aliados europeus, os Estados Unidos estariam vacilando quanto à abertura de uma nova frente de batalha?

Seja como for, é inequívoca a habilidade da estratégia de defesa iraniana. Ao longo dos séculos, os dirigentes desse país, situado numa das áreas mais tensionadas do planeta, desenvolveram extraordinária capacidade de jogar potências superiores umas contra as outras.

Assim ocorreu durante as disputas entre os antigos impérios russo e otomano. O velho império britânico ocupou espaços em torno do Irã, mas não logrou sua ocupação, entre outras coisas devido ao relevo altamente desfavorável aos invasores. Durante a guerra fria, o Estado iraniano flutuou feito um tapete persa entre os polos do poder. O governo do xá, visto como grande aliado dos Estados Unidos, competia com a Arábia Saudita e nunca desistiu de deter a bomba nuclear; a rigor, jamais se “alinhou” efetivamente a uma grande força estratégica. O Irã, mesmo quando encarou uma guerra de oito anos com o Iraque, na qual foram vitimados cerca de um milhão de iranianos, evitou comprometer sua autonomia.

Alguns especialistas consideram que a República Islâmica incentivou astuciosamente os Estados Unidos a liquidarem Saddam Hussein na intenção de livrar-se de seu mais incômodo inimigo. Em seguida, os aiatolás buscaram por todos os meios estimular a resistência de segmentos iraquianos contra a ocupação norte-americana. Hoje, o governo iraniano usa sua influência sobre o país vizinho para desestabilizar governantes fabricados pelos articulistas do Pentágono.

Em política, não é raro a astúcia sobrepor-se a força. Quaisquer que sejam os desdobramentos da reunião da OTAN e o terror disseminado pela “mãe de todas as bombas”, a impressão que passa é de que os governantes iranianos, cientes de suas fragilidades no campo militar, manobram sutilmente, escorados numa experiência centenária de defesa estratégica.

Ao insistirem em não abrir a caixa preta de seu programa nuclear [até agora comprovadamente para fins pacíficos] e na agressividade do discurso contra Israel [este sim, impunemente armado com bombas atômicas], os iranianos levam apreensão aos que se engalfinham na disputa pelo seu petróleo do Golfo. Quanto mais tensionados os adversários, melhores as possibilidades do tapete voador da diplomacia dos aiatolás, que não difere tanto, em seus fundamentos, da diplomacia dos xás de outras épocas.”

FONTE: escrito por Manuel Domingos Neto, no jornal “O Povo”. O autor é professor da Universidade Federal Fluminense; coordenador do “Observatório das Nacionalidades”. Artigo transcrito no portal “Vermelho”  (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=184620&id_secao=10) [Imagem do Google e trechos entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].

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