segunda-feira, 25 de junho de 2012

LUGO: A EXCEÇÃO OU O GOLPISMO AINDA LATEJAM NA AMÉRICA LATINA?



Por Saul Leblon

“O Senado paraguaio concluiu na sexta-feira (22) o enredo do golpe iniciado no dia anterior e aprovou, por 39 votos a favor e quatro contra, o 'impeachment' do presidente da República, Fernando Lugo.

De olho nas eleições de abril de 2013, a oligarquia, a Igreja e a mídia queriam a destituição do ex-bispo eleito em 2008, cuja base de apoio é maior no interior (40% da população vive no campo), sendo, porém, pouco organizada e pobre (30% está abaixo da linha da pobreza).

A pressa evidenciada no rito sumário da votação, questionável até do ponto de vista jurídico, tinha como objetivo impedir a mobilização desses contingentes dispersos, pouco contemplados por um Estado fraco, desprovido de receita fiscal e acossado por interesses poderosos. O torniquete histórico que levou à destituição de Lugo ainda expressa a realidade estrutural de boa parte da América Latina.

Quando o Parlamento concluiu a votação, havia do lado de fora pouco mais de dois mil manifestantes contrários ao golpe (número que dobrou à noite), mas vigiados por aparato repressivo de escala equivalente.

Lugo recebeu a notícia no Palácio de governo. A determinação dos golpistas ignorou solenemente a pressão internacional: dirigentes da UNASUL advertiram, pouco antes da votação, que o organismo poderá não reconhecer um governo resultante da ruptura democrática, então consumada.

Ex-bispo da linha progressista do catolicismo latino-americano, Lugo foi eleito em 2008 pelos extratos mais pobres que formam o grosso da população paraguaia. À frente de aparelho de Estado fraco, com receita fiscal inferior a 12% do PIB, seu governo transpirava a fragilidade de quem não conseguia atender às urgências da base social, mas tampouco desfrutava da complacência de uma oligarquia poderosa, sedimentada em 61 anos de poder 'colorado' --sendo que desses, 34 anos só de ditadura do general Stroessner.

Conflitos sociais insolúveis marcaram a presidência do religioso adepto da Teologia da Libertação que não reprimia os movimentos sociais, buscando canalizar suas demandas para um esforço de organização dos excluídos. Com a proximidade das eleições de abril de 2013, a oligarquia paraguaia decidiu implodir essa dinâmica incômoda. Antecipou a sua volta ao poder através de um atalho expresso: um impeachment golpista processado em 24 horas.

O torniquete enfrentado por Lugo, infelizmente, não representa exceção no cenário da América Latina. Estado fraco, baixa receita fiscal, desequilíbrios sociais explosivos (2% dos proprietários paraguaios tem 75% das terras), uma organização popular insuficiente, elites intransigentes (um programa similar ao “Bolsa Família” foi rejeitado pelo mesmo Congresso que derrubou o Presidente e resistiu ao ingresso da Venezuela no MERCOSUL) e uma mídia golpista formam um padrão ainda disseminado na AL. Um dia antes do do impeachment o jornal "Valor Econômico", de identidade insuspeita na defesa dos mercados, dedicou ao Paraguai uma coluna sugestivamente intitulada "O paraíso do Estado mínimo". Nela, arrola dados do torniquete fiscal/social/conservador que 24 horas depois asfixiaria a experiência de um governante avesso a esse redil histórico.

Com pequenos ajustes locais, versões semelhantes dessa sinuca feita de “Estado mínimo e exclusão social máxima” repetem-se na Bolívia, Guatemala, Honduras, Peru, El Salvador, Equador, Nicarágua etc.

A fragilidade das políticas públicas na América Latina --agravada pelo ciclo neoliberal,que ainda encontra defensores no Brasil demotucano-- é proporcional a esse engessamento, proveniente de carga fiscal média que não excede a 18% do PIB (ela alcança 35% no Brasil e vai a 40% na União Européia, pré-crise). Mesmo a receita disponível provém de uma base que acentua desigualdades em vez de corrigi-las: na média da região, mais de 50% da arrecadação é baseada em impostos indiretos, pagos de forma linear por toda população, com efeito socialmente nulo ou regressivo. Para efeito de comparação, na UE (pré-crise) 40% do resultado tributário origina-se de impostos diretos; o restante provém de tributos indiretos e segurança social.

Vincular a solução dos problemas sociais da AL a gradual evolução rumo a uma estrutura tributária mais justa equivale a apostar em uma reforma agrária ancorada em “acordo de cooperação pacífica entre latifundiários e trabalhadores sem-terra”. Enquanto se espera pelo milagre, o espaço para políticas sociais redistributivas persiste acanhado, ao passo que as tensões e a insatisfação popular crescem atiçando o apetite golpista.

Não por acaso, ao ser informado do andamento do 'impeachment' na sexta-feira, Rafael Correa, Presidente do Equador, ele mesmo vítima de tentativa golpista em setembro de 2010, preocupou-se: "Se isso for bem sucedido, abre precedente perigoso na região". A ver a capacidade de resistência do povo paraguaio e a reação internacional nas próximas horas.”

FONTE: escrito por Saul Leblon no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1018).

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