Camila Tulmin
“Três das principais lideranças mundiais - Barack Obama, Angela Merkel e David Cameron - já anunciaram que não irão ao Rio de Janeiro. O que significa isso? Em entrevista à “Carta Maior”, Camila Tulmin, diretora do “International Institute for Enviroment and Development”, fala sobre o que é possível esperar da Rio+20. "Diferentemente da cúpula do Rio em 1992, a atual cúpula já não é um projeto do G8, mas, sim, está marcada pela agenda dos países em desenvolvimento e pobres. A Rio+20 tem que responder aos interesses e prioridades desses países", defende.
A reportagem é de Marcelo Justo, de Londres
As cúpulas das Nações Unidas costumam mesclar objetivos louváveis com magros resultados. Vinte anos depois da “Cúpula da Terra de 1992”, está claro que aquela assombrosa aparição de uma consciência global climática não produziu a mudança que se esperava. A situação é particularmente crítica hoje que os líderes mundiais parecem demasiado ocupados com a crise [econômica] para ter um olhar mais estratégico. Barack Obama, Angela Merkel e David Cameron já anunciaram que não irão ao Rio de Janeiro: o desenvolvimento sustentável figura apenas em seus discursos.
Com esse panorama de fundo, os “Objetivos do Milênio de Desenvolvimento Sustentável para 2015” parecem cada vez mais inatingíveis. “Carta Maior” conversou com Camila Tulmin, diretora do “International Institute for Enviroment and Development”, uma ONG com sede em Londres, sobre as perspectivas da Rio+20.
--Você irá ao Rio. Quais suas expectativas em relação à cúpula?
Não temos grandes esperanças no processo oficial. Acredito que obteremos acordos para avançar nos próximos três anos na direção das metas de desenvolvimento sustentável de 2015. Seria importante ter metas quantificáveis que nos permitam medir e comparar os distintos países. Mas, na verdade, temos mais esperanças com o que se passará fora da agenda oficial. Acreditamos que a interação de grupos da sociedade civil permitirá avanços sobre esse tema.
--No dia 6 de junho, o “Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente” divulgou um informe no qual estimava que só ocorreram progressos significativos em quatro dos 90 objetivos ambientais firmados nos últimos 40 anos. Não é um panorama alentador.
Na “Cúpula da Terra de 1992” houve certa ingenuidade porque se pensou que bastava reunir os governos para solucionar o problema. Agora, há mais consciência das dificuldades. Precisamos nos concentrar na economia real. Precisamos que as empresas e suas estruturas de preços reflitam os custos ambientais, de modo que esses fiquem incorporados, tanto no custo de produção como no de consumo. Assim, poderemos avançar na direção de um desenvolvimento sustentável.
Uma maneira de fazer isso é acabar com subsídios e impostos que estão distorcendo o custo ambiental de determinadas formas de produção. Hoje, temos cerca de 600 bilhões de dólares por ano em subsídios a combustíveis fósseis. Se esses subsídios fossem eliminados, já não seria tão econômico produzir dessa maneira. E, se esse dinheiro fosse investido em formas não poluentes, o impacto seria muito claro.
--Um dos problemas é que se necessita de um período de transição durante o qual as sociedades precisam seguir funcionando. Há alguém que esteja fazendo o que você propõe?
Há alguns movimentos incipientes nessa direção. Na União Europeia, temos o regime de comércio de direitos de emissão de gases causadores de efeito estufa. Estes regimes de direitos de emissão estão sendo utilizados em vários países. A China está trabalhando com sete desses regimes em nível local, incentivando a adoção de energias limpas. No G20, esse tema também está sendo discutido.
--A atual crise econômica não é o clima ideal para avançar nesse terreno.
Quando a economia mundial está em expansão, tampouco é bom momento porque as coisas andam bem e há menor inclinação para mudanças. Uma vantagem de estar em crise é que ela pode estimular as pessoas a buscar modelos alternativos. No Reino Unido, por exemplo, há muitas empresas que estão procurando investir somas significativas que estavam imobilizadas. O governo deveria oferecer alternativas políticas de longo prazo para o investimento desses fundos.
É preciso mistura correta entre o que propõe o governo e o que o setor privado pode aportar. O problema é que, no momento, os governos escutam mais os interesses que seguem a lógica do modelo econômico do século XX. Nos Estados Unidos, isso é muito claro com o peso que tem o lobby petroleiro e do gás. Esses setores não querem mudança. Nesse sentido, tanto Barack Obama como David Cameron têm que enfrentar clima político hostil, que considera essas cúpulas da ONU como perda de tempo e até uma espécie de atalho disfarçado na direção do socialismo. Angela Merkel tem melhores credenciais verdes, mas está enfrentando a pior crise do projeto europeu desde seu lançamento há 60 anos.
--Você acredita que os países em desenvolvimento têm, em certo sentido, vantagem para avançar nesse caminho?
Diferentemente da cúpula do Rio em 1992, a atual cúpula já não é um projeto do G8, mas, sim, está marcada pela agenda dos países em desenvolvimento e pobres. Como têm menor infraestrutura e interesses econômicos em disputa, esses países estão mais abertos à inovação e ao investimento para desenvolver o transporte, a energia e a habitação de modo sustentável. A China é um caso interessante. Por um lado, é o país com maiores emissões do planeta e, por outro, converteu-se no líder na busca de energia limpa com massivo plano de investimentos que colocou o país na liderança da tecnologia de painéis solares. A Rio+20 tem que responder aos interesses e prioridades desses países. Necessitamos de transição controlada para a passagem a uma economia verde na próxima década.”
FONTE: reportagem de Marcelo Justo, de Londres, publicada no site “Carta Maior” com tradução de Katarina Peixoto (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20328).
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