quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Argentina: INSTRUÇÕES PARA PREPARAR PANELAÇO

“Povo” no Cacerolazo, contra a restrição à compra de dólares

“O ato de 8 de novembro que vem sendo convocado pelas redes sociais é organizado em minúcias (a recomendação de vestuário, por exemplo, tem por objetivo impedir imagens de senhoras e senhores elegantes batendo panelas de grife), e faz parte de uma polarização cada vez mais aguda insuflada tanto por grandes conglomerados do agronegócio, dos grandes grupos de comunicação, dos segmentos mais conservadores da Igreja Católica e dos setores mais recalcitrantes da direita mais radical.

O artigo é de Eric Nepomuceno

Conforme 2012 se encaminha para a reta final, aumenta a tensa polarização vivida na Argentina – e valentemente insuflada pelos grandes grupos da comunicação, acastelados ao redor dos jornais Clarín e La Nación – entre partidários e adversários do governo da presidente Cristina Kirchner e, principalmente, entre os que apoiam e os que criticam o projeto de país implantado a partir de 2003, com a chegada ao poder do falecido presidente Néstor Kirchner e levado adiante pela sua viúva.

A guerra aberta travada entre o grupo Clarín e o governo tem data para o embate decisivo, que poderá ser o derradeiro: 7 de dezembro, a primeira sexta-feira do mês. Nesse dia, e a menos que até lá a Justiça mude de ideia e de rumo, expira a liminar concedida ao grupo, que deverá cumprir o que determina a Lei de Meios, aprovada pelo Congresso por maioria absoluta, com amplo apoio inclusive da oposição. Ou seja: terá de ‘desenvestir’, eufemismo para se desfazer de parte substancial de suas licenças para cumprir o que estabelece a nova legislação. A lei estabelece limite máximo de 24 licenças de rádio e canais de televisão a cabo. Atualmente, o grupo Clarín detém 270, controla 47% do mercado, e delas obtém 70% de sua receita. É compreensível que tenha anunciado que não cumprirá a lei.

Antes do 7 de dezembro, porém, há outra data anunciada para mais um confronto aberto entre seguidores e críticos do governo: a quinta-feira, 8 de novembro. Para esse dia, está sendo convocado, pelas redes sociais – que na Argentina têm grande peso específico –, uma nova manifestação nas ruas de Buenos Aires e das principais cidades do país, tendo como foco central a Praça de Maio e a Casa Rosada, sede do governo.

Até agora, e sobretudo a partir do panelaço ocorrido em setembro e que reuniu mais de 200 mil manifestantes em todo o país (dos quais, pelo menos, a metade em Buenos Aires), defendia-se a tese de que se tratava de ‘manifestações espontâneas’, como se não fosse algo milimetricamente organizado. Já não tem mais jeito de se defender essa versão: um muito bem azeitado mecanismo de difusão e preparação divulgado pela internet mostra que a coisa é muito bem organizada. Tanto é assim que existe recomendação, até mesmo, para o tipo de roupa a ser usada (camiseta branca, calças escuras, tênis ou sapatos confortáveis) e instruções claras para as palavras de ordem.

E é aí que o suflê ameaça desandar no forno. Há quem proponha que se grite ‘Basta às drogas’ e quem queira reivindicar ‘Educação sexual para a juventude’, quem defenda um sonoro ‘Basta de querer doutrinar nossos filhos’, quem reivindique ‘Basta de impunidade’, sem se referir exatamente a qual. Não há nenhuma recomendação para temas que sobressaíram no panelaço do dia 13 de setembro, como a reivindicação ao 'direito de comprar dólares'.

Outras recomendações são interessantes, como a de não falar com a imprensa, para evitar ‘que os meios oficialistas’ desvirtuem as declarações espontâneas dos manifestantes, ou a de evitar ‘protagonismos pessoais’, referência direta a Yamil Santoro, que teve a peregrina ideia de participar do ato de setembro totalmente nu. Foi preso, é claro, mas usufruiu um momento fugaz de fama.

Os partidos políticos insistem em querer se manter à margem, mas trata-se de tentativa frustrada. O PRO, do prefeito de Buenos Aires e potencial candidato às eleições presidenciais de 2015, Mauricio Macri, pretende não aparecer, mas em muitas das páginas de internet e das redes sociais que convocam o ‘ato espontâneo’ algumas de suas estrelas são especialmente enfáticas.

Tudo isso seria curioso e pitoresco, se não fosse possível uma constatação nítida: o ato é organizado em minúcias (a recomendação de vestuário, por exemplo, tem por objetivo impedir imagens de senhoras e senhores elegantes batendo panelas de grife enquanto reclamam contra sabe-se lá o quê), é parte de uma polarização cada vez mais aguda insuflada tanto por grandes conglomerados do agronegócio, dos grandes grupos de comunicação, dos segmentos mais conservadores da Igreja Católica e dos setores mais recalcitrantes da direita mais radical, os mesmos que protestam com veemência contra a aplicação da Justiça aos responsáveis e aos cúmplices do terrorismo de Estado implantado durante a mais recente ditadura militar (1976-1983) que sacudiu o país.

Cristina Kirchner enfrenta uma série de problemas, a começar pela forte desaceleração da economia e da crescente dificuldade para obter divisas e honrar seus compromissos em dólares, para não mencionar uma inflação galopante que seu governo teima, de maneira tão torpe como obstinada, em negar. Numa população extremamente politizada, o risco de exacerbar tensões é muito alto, e essa polarização tem se acentuado nitidamente este ano.

Depois do panelaço anunciado com antecipação e organizado em detalhes, resta ver qual será a reação do governo. Haverá um intervalo curto de tempo –um mês – até a grande batalha contra o grupo que controla, praticamente em regime de monopólio, os meios de comunicação do país. Ou seja: há muita tensão, e tensão enorme, no ar.”

FONTE: escrito por Eric Nepomuceno no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21177) [Imagem do Google e sua legenda adicionadas por este blog ‘democracia&política’].

Nenhum comentário:

Postar um comentário