sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

CAÇAS DE COMBATE AÉREO PARA O BRASIL: O QUE A HISTÓRIA TEM A DIZER

F-8 Gloster Meteor

EMBORA A AQUISIÇÃO DOS NOVOS CAÇAS SE ORIENTE POR UMA DECISÃO DE GOVERNO, A FAB PRECISA DEFINIR O QUE PRETENDE: É COMPRA OU ABSORÇÃO TECNOLÓGICA?

Em 1953, a FAB começou a usar o jato Gloster Meteor, chamados na FAB de F-7 e F-8, inaugurando a 'Era das Turbinas' e aposentando os caças P-47 Thunderbolt e Curtiss P-40. Na foto o F-8. Vieram desmontados em troca de algodão e montados na Fábrica do Galeão-RJ.

Nam et ipsa scientia potestas est [Conhecimento é poder]

CAÇAS DE COMBATE AÉREO PARA O BRASIL: O QUE A HISTÓRIA TEM A DIZER

Por Fernanda Corrêa, historiadora, estrategista e pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense.

“A transferência de tecnologia tem sido condição sine qua non para que o Brasil feche parceria estratégica na área de Defesa. Em 2009, Brasil e França fecharam parceria estratégica para aquisição de quatro submarinos convencionais e da plataforma-navio para o futuro submarino de propulsão nuclear da Marinha do Brasil.

Muito se tem noticiado sobre as negociações da Força Aérea Brasileira para aquisição de 36 caças de combate. Em 2010, um suposto relatório da FAB vazou a informação de que a Força optaria pelo Gripen da empresa sueca SAAB. Em dezembro de 2012, a revista “Isto É” anunciou o vazamento da informação de que o F-18 Super Hornet, da empresa estadunidense Boeing, seria o favorito da FAB. Aponta-se que os quesitos custo e atendimento das necessidades da Força privilegiam o modelo de caça Super Hornet em relação ao Gripen e ao caça Rafale, da empresa francesa Dassault.

COMPRA OU ABSORÇÃO DE TECNOLOGIA?

O desenvolvimento nacional tem sido o ponto fundamental de discussão no Governo Federal para tomadas de decisão na área de Defesa. Segundo a revista “Isto É”, pelos documentos vazados, a Boeing teria se comprometido com a Embraer a entregar o maior conjunto de “offsets” já oferecido pelos EUA a qualquer país não membro da OTAN. Além de prometer ingresso do Brasil a mercados inacessíveis na área de Defesa, previa a construção conjunta de aviões de treinamento militar para pilotos que poderão, inclusive, serem vendidos para países da América Latina, e o desenvolvimento de um jato de emprego multifuncional de quinta geração que poderia ser comercializado mundialmente. A Boeing se comprometeria, também, a abrir um centro tecnológico em território brasileiro.

Embora a aquisição dos novos caças se oriente por uma decisão de Governo, a FAB precisa definir o que pretende: é compra ou absorção tecnológica? Se for compra, que se opte pela oferta mais barata; porém, se os quesitos absorção de tecnologia e mercado de exportação pesarem em mesmo nível que o quesito custo, a oferta mais barata pode, futuramente, sair mais cara.

Essa é uma questão fundamental que precisa ser analisada pelos tomadores de decisão: se as ousadas promessas da Boeing não são apenas parte da estratégia política dos Estados Unidos para tirar os franceses das negociações na área de Defesa com o Brasil.

A História está aí para quem quiser consultá-la. É preciso que os órgãos competentes tenham sensibilidade nessas questões antes da tomada de decisão para a aquisição dos caças.

Embora tal proposta estadunidense se mostre interessante e alinhada aos interesses brasileiros, é de suma importância que as autoridades políticas e de defesa analisem a história dos programas de cooperação tecnológica da FAB e avaliem se o que ela tem a dizer, se alinham com as promessas ou se confrontam com os interesses políticos e/ou econômicos dos EUA.

EXPERIÊNCIA DA FAB EM PROGRAMAS DE AQUISIÇÃO TECNOLÓGICA

AMX

Em 1978, as empresas italianas Aeritalia e Macchi se envolveram em um consórcio para desenvolver aeronaves de caça. Esse consórcio denominou-se Aeritalia Macchi Experimental (AMX). Buscava-se, em plena era dos caças multifuncionais de alto desempenho, desenvolver caças de ataque leve, que seriam empregados em missões de interdição, apoio aéreo aproximado e reconhecimento. Essas empresas acreditavam que caças como o F-16, Tornado, Jaguar e Mirage F1, aeronaves multifuncionais de alto desempenho, eram muito sofisticadas para missões secundárias de apoio aéreo aproximado tático em um cenário de conflito europeu. Desejavam, assim, desenvolver caças que, além de dispor de capacidade para operar em altas velocidades subsônicas à baixa altitude em qualquer horário do dia e se deslocassem de bases militares pouco aparelhadas e pistas danificadas, dispusessem também de baixa assinatura em infravermelho e capacidade autodefesa propiciada por mísseis ar-ar, sistemas de contramedidas eletrônicas e canhões integrados.

Em 1979, a FAB convocou essas empresas, interessada no seu projeto inovador de caça para um cenário de conflito sul-americano. Em 1980, a FAB decidiu participar do consórcio italiano e envolver a Embraer na construção de caças e na aquisição de ‘know how’ para construção de aviões militares modernos. Ressalva-se que não era a primeira vez que a Embraer era envolvida em programas de aquisição de tecnologia de defesa com a Itália. Em 1971, a Embraer já se envolvera no programa de cooperação com a empresa italiana Aermarcchi para o desenvolvimento da aeronave Xavante. A fim de desenvolver um caça leve subsônico, a Embraer investiu cerca de 29% nesse consórcio, enquanto que a Aermarcchi investiu cerca de 24% e a Aeritalia cerca de 46,3%.

Os caças AMX italianos receberam capacete DASH 4 e bombas guiadas a IR Opher da empresa israelense Elbit, rádio M3AR (Série 6000) da subsidiária alemã Rohde & Schwarz, bombas guiadas a laser GBU-16 Paveway II da estadunidense Raytheon e canhões M-61 A1 de 20 mm com 6 canos giratórios da estadunidense General Electric.

Já no desenvolvimento dos caças brasileiros, além da Embraer, que criou uma subsidiária para atender as necessidades do programa de cooperação, a Embraer Divisão de Equipamentos, a FAB também envolveu as empresas brasileiras Mectron, Eletromecânica Celma e Aeroeletrônica no programa de cooperação.

Em 1986, iniciou-se a produção inicial em série de 30 AMX, dos quais 21 caças ficaram com as empresas italianas e 9 caças ficaram com a FAB. Dos seis protótipos, dois vieram para o Brasil. Calculou-se, na época, que o custo médio de cada aeronave para a FAB chegou a ser de aproximadamente U$50 milhões, inclusos os gastos de engenharia e desenvolvimento. Criticava-se, tanto no Brasil quanto na Itália, os custos, atrasos no desenvolvimento do programa e a eficiência de emprego desses caças.

ELEMENTOS DE ANÁLISE PARA OS TOMADORES DE DECISÃO:

Buscarei elencar aqui alguns elementos de análise apontados pela História para que tomemos como lição para os futuros programas de cooperação tecnológica na área de Defesa:

(1) Quando os brasileiros decidiram participar do consórcio, os empresários italianos já estavam engajados no desenvolvimento de um caça de ataque com escopo já praticamente definido.

(2) A pouca experiência da FAB em participar de programas de cooperação com alta tecnologia agregada conduziu a Força acreditar que, após a assinatura do Memorando de Entendimento (MOU), não haveria maiores resistências em modificar o escopo do projeto de caça.

(3) As inúmeras alterações pedidas pela FAB durante o desenvolvimento do programa de cooperação e os atrasos nos repasses financeiros elevaram exageradamente os custos da aeronave.

(4) Nesse período crítico da década de 1990, as linhas de montagem se encontravam praticamente paralisadas por falta de peças.

(5) As entregas dos AMX se iniciaram em outubro de 1989 e só se encerraram em 1999. O contingenciamento orçamentário da FAB foi o principal motivo para a demora na entrega das unidades.

(6) Apenas o quarto e o sexto protótipos eram brasileiros. O quarto protótipo realizou seu primeiro voo em espaço aéreo brasileiro em outubro de 1985, em São José dos Campos, em São Paulo, O sexto protótipo realizou seu primeiro voo no Brasil, em dezembro de 1986. O único piloto de teste brasileiro foi Luiz Cabral, funcionário da Embraer. Embora o Brasil já contasse com pilotos de teste com qualificação para ensaios em voo no exterior, como o major-aviador Aldo Vieira da Rosa (pioneiro nessa área), o major-aviador José Mariotto Ferreira e o engenheiro Michel Cury, a FAB não dispunha de um centro especializado em qualificação para ensaio em voo em território nacional. Somente em 1986, o Comando-Geral de Tecnologia Aeroespacial (CTA), em São José dos Campos, criou o curso de ensaios em voo para formar pilotos e engenheiros qualificados em planejar, executar e gerenciar atividades de ensaios em voos experimentais. Apesar de, desde 1987, o CTA formar pilotos de testes, somente em 2004 esse curso obteve reconhecimento da “Society of Experimental Test Pilots” (SETP), tornando o Brasil o único país na América do Sul a ter esse curso reconhecido internacionalmente.

(7) Ao longo das décadas de 1980 e 1990, o Brasil sofria uma grave crise econômica. Em função do delicado período político que o País experimentava, a Defesa tinha importância secundária na agenda governamental. Com orçamento contingenciado pelas oscilações da política e da economia nacional, a Embraer foi forçada a demitir 3.994 funcionários só em 1990. Aproximadamente 30% do quadro de funcionários da empresa foram demitidos. Nos anos seguintes, mais funcionários foram demitidos pela empresa.

(8) A Embraer acreditava que o AMX seria um sucesso de exportação na América do Sul. O custo desse modelo de caça tornou-se muito caro para o período de crise da época. Embora com ênfase em ataques ar-superfície, os jatos de treinamento militar britânicos Hawk tiveram maior êxito comercial do que os caças AMX. O único país que se mostrou interessado em adquirir 12 unidades do AMX foi a Venezuela. No entanto, por pressão dos Estados Unidos, a Embraer ficou impedida de vender os caças para aquele país.

(9) A Embraer desenvolveu as asas e profundores, tomadas de ar, cabides, trens de pouso, tanques de combustível, pallet de reconhecimento, motores Rolls-Royce Spey Mk 807 sob licença e instalação de canhões nacionais. Ressalva-se que os EUA vetaram o fornecimento dos canhões M-61 A1 de 20 mm com 6 canos giratórios(sistema Gatling), da GE para os caças da Embraer.

(10) Por último, acredita-se que, embora o AMX tenha inovado a FAB em conceitos operacionais, a instável e isolada burocracia interna da Embraer, mesmo após a privatização, não criou uma política de valorização de recursos humanos estratégicos; o que permitiu que engenheiros e pilotos que participaram de grandes programas de cooperação tecnológica da FAB tivessem sua mão de obra absorvida pelo mercado mundial, abandonassem a área de Defesa ou fossem absorvidos por outras empresas nacionais. Após a privatização da empresa, em dezembro de 1994, a Embraer concentrou seu trabalho na aviação regional e na constituição de parcerias empresariais internacionais, como a EADS, a Dassault, a Thales e a Snecma. Na área de Defesa, apesar do sucesso dos jatos de treinamento militar Super Tucanos, o fato de essa aeronave dispor de componentes estadunidenses acarreta sua comercialização estar sujeita aos interesses dos EUA, como já mencionado.

RUMO AO DOMÍNIO TECNOLÓGICO PARA PRODUÇÃO DE CAÇAS

Em função desses elementos de análise citados no programa de cooperação AMX, acredita-se que o Brasil perdeu excelente oportunidade de absorver o conhecimento necessário para construir sozinho um avião de caça de superioridade aérea. É fundamental que os gestores dos contratos tecnológicos da FAB e das empresas brasileiras se conscientizem que, somente após definido o projeto de caça desejado, sejam fechados os contratos com a empresa internacional escolhida. Isso reduzirá o tempo de desenvolvimento e de entrega das aeronaves e, principalmente, reduzirá os custos de investimento no Programa de Cooperação Tecnológica.

Importante considerar que o reduzido avanço na capacitação técnica nacional, tanto na FAB quanto nas indústrias envolvidas, deve ser relativizado. Embora as empresas envolvidas não sejam capazes, ainda hoje, de produzir sozinhas algumas das tecnologias absorvidas do Consórcio AMX, como as bombas guiadas a laser, é importante considerar os avanços tecnológicos de bombas guiadas que os futuros caças da FAB podem dispor a partir das indústrias nacionais.

O desenvolvimento da bomba guiada por sistemas de navegação inercial e por GPS nacional, a SMKB, é o retrato da capacidade de inovação das indústrias brasileiras. Essa bomba guiada está sendo produzida por meio da união das empresas brasileiras “Britanite Defence Systems” (agora chamada EAQ, membro do grupo SDS “Synergy Defesa & Segurança”), com a Mectron, atual “Organizações Odebrecht”, desde novembro de 2009. Enquanto a EAQ se encarrega do projeto, dos componentes mecânicos e pela comercialização, a Mectron se encarrega de desenvolver os conjuntos e subconjuntos eletrônicos, como o sistema de guiagem dessas bombas.

De baixo para cima: F-18, Gripen e Rafale

Se o desenvolvimento tecnológico brasileiro é prioritário na decisão da aquisição dos caças para a FAB, diante da história, o que devemos sempre nos perguntar é até que ponto vai o interesse dos EUA em manter as suas promessas, se já, em muitos outros momentos da história, impediram esse desenvolvimento. Nesse quesito, ao que parece, tanto o Gripen quanto o Rafale atendem às necessidades da indústria nacional. Como já discutido, se exportar também faz parte dos objetivos futuros da Embraer, nem a Boeing nem a SAAB, a qual também conta com tecnologia estadunidense, lhe propiciará isso. Haja visto, como já mencionado, os canhões da GE para a Embraer e os Super Tucanos para a Venezuela, vetados pelos EUA. A comercialização de tecnologias com participação dos EUA sempre está condicionada à política desse País.

Conclui-se que a FAB deve escolher um caça que lhe permitirá dominar todo o ciclo tecnológico. A inovação tecnológica será garantida com a combinação do que os engenheiros e técnicos brasileiros já absorveram de outros programas de cooperação tecnológicos com o que aprenderá se envolvendo nesse novo projeto de caça. Nada impede que a FAB tenha um modelo de caça próprio e que, paralelamente, a Embraer desenvolva outro modelo de caça de combate voltado para exportação.

O alto custo de investimento numa aeronave pode ser recompensado tanto por meio dos “offsets” recebidos pelas indústrias nacionais quanto por meio da própria exportação das aeronaves. É importante ressalvar que, se os nossos técnicos e engenheiros não são capazes de acompanhar o nível tecnológico de aeronaves de quinta geração, é preferível que a FAB adquira uma aeronave de tecnologia mais antiga, a qual os engenheiros e técnicos brasileiros tenham condições de acompanhar e desenvolver. Caso contrário, o custo de uma aquisição tecnológica sairá ainda mais caro para os cofres públicos.

A França, além de dominar tecnologias estratégicas na área de Defesa, tem se comprometido política, militar e estrategicamente, em contribuir com a maior projeção brasileira no sistema internacional. Como afirmou o primeiro-ministro francês Georges Clemenceau (1841-1929), “a guerra é um assunto muito importante para ser deixado a cargo dos Generais”. Não cabe aqui julgar se o Rafale permitirá ou não a Embraer absorver a capacidade de desenvolver sozinha novos caças de combate aéreo no futuro, mas desconsiderar a história é torná-la cíclica.

Que os tomadores de decisão considerem questões como as que foram expostas ao fecharem o grande acordo para a aquisição de 36 caças para a FAB. Lembrem-se de que, no total dos 120 caças de combate aéreo necessários para a Força, previstos na Estratégia Nacional de Defesa, um dia, num futuro muito próximo, teremos que ser capazes de projetar, construir, operar e manter os nossos próprios caças.”

[P.S.: além do que vem sendo publicado na imprensa nacional e estrangeira, este blog 'democraciapolítica' não tem conhecimento dos milhares de detalhes dos estudos técnicos conduzidos pela FAB para permitir a melhor escolha do caça para o projeto FX-2. Há muitos fatores que influem na decisão: operacionais, logísticos, "offset", preço etc. Notei, no artigo acima, sutil tendência a privilegiar a solução francesa (Rafale). Não endosso, nem opino qual seria a melhor ].

FONTE: escrito por Fernanda Corrêa, historiadora, estrategista e pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense. Artigo publicado no site “DefesaNet”  (http://www.defesanet.com.br/fx2/noticia/8952/DEFESA-EM-DEBATE---Cacas-de-Combate-Aereo-para-o-Brasil---o-que-a-Historia-tem-a-dizer). [Imagens do Google adicionadas por este blog ‘democracia&política’].

3 comentários:

  1. Só esqueceram um detalhe,a hora de voo do rafale é o dobro e o preço de compra tb,em relaçaõ ao F-18!1

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  3. Não sou especialista na área e, por vezes, leio um ou outro artigo sobre o assunto, contudo, arriscarei a dar um palpite. Talvez, o Brasil com essas protelações todas venha, no fim, dar preferência ao projeto russo do Sukhoi-35, considerando que em projetos executados junto com a China este país obteve êxito em projetar aviões de seu interesse, evidenciando uma efetiva transferência de tecnologia. Vamos esperar para ver qual será a solução brasileira.

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