O APAGÃO QUE INCOMODA
“Com uma capacidade instalada de
361 MW, a Usina Hidrelétrica de Mauá, localizada no Paraná, inaugurou em
dezembro duas de suas cinco turbinas. Ela deve estar em pleno funcionamento até
o fim de janeiro.
Por Roberto Amaral
Afastada a ameaça de ‘apagão’ ou racionamento neste início de 2013, é
preciso ter presente que, se os problemas estruturais não forem atacados de
imediato, a crise de fornecimento de energia elétrica permanecerá rondando o
país na próxima década, a menos que, desgraçadamente, não nos reencontremos com
o crescimento econômico.
Como explicar as reincidentes crises de fornecimento de energia elétrica (lembram-se os leitores dos [gigantescos] apagões de
2000/2001 e da crise de 2008?), se o Brasil tem à sua disposição um dos
mais ricos conjuntos de fontes energéticas do mundo, constituído pelas
alternativas hidráulica, nuclear, petrolífera, eólica, solar e, até, do carvão,
além do etanol e da biomassa?
Ocorre que o sistema brasileiro é fundado, essencialmente, na energia produzida
pelas hidrelétricas (algo como 80% de
toda a produção nacional) contando com a complementaridade das
termoelétricas. A presença de fontes alternativas como a solar e a eólica (em
crescimento) é ainda irrelevante e assim permanecerá por muitos anos, e a
participação da fonte nuclear é irrisória, bloqueada por uma ignorância
fanática.
De fato, hoje e ainda por muito tempo, dependemos e dependeremos da energia
fornecida pelas hidrelétricas; dependemos, portanto, do regime das chuvas. A
propósito, todos os nossos reservatórios estão presentemente operando próximos
da linha de segurança, restando ao operador nacional a única alternativa
disponível: acionar as termelétricas. Assim, em face da crise hídrica, estão
operando todas as termelétricas, a um custo altíssimo, tanto financeiro quanto
ambiental. (Não há milagres: ao
pressionarmos um interruptor, a luz só se acenderá se houver geração e
transmissão de eletricidade…)
Mesmo a fonte hídrica, particularmente na Amazônia, já está ameaçada. Porque as
hidrelétricas, para serem construídas, dependem do humor de ambientalistas
articulados com o Ministério Público, sempre prontos a embargar os projetos de
engenharia (o caro leitor terá
acompanhado o noticiário acerca de Belo Monte?) que tirariam melhor
proveito das quedas d’água que a natureza nos aquinhoou. Por isso, as novas
hidrelétricas estão sendo projetadas para operar "a fio d’água", sem
reservatório. E o reservatório é o único meio de estocar combustível – água –,
para que as hidrelétricas operem nos períodos de estiagem.
Para que um sistema hídrico se autorregule, são necessários seis meses de
acumulação na capacidade de armazenamento, de forma a compensar os efeitos da
sazonalidade da precipitação pluviométrica, assim como a ocorrência de períodos
mais longos de seca. No Brasil, essa capacidade já foi de dois anos. No
entanto, devido ao forte crescimento do consumo de energia elétrica, o valor
hoje está em torno de 5,8 meses. A previsão tende a agravar-se, se levarmos em
conta que as novas usinas programadas para entrar em operação têm uma razão de
acumulação/produção de apenas dois meses, em decorrência daquelas exigências
ambientais que impõem rigorosos limites na área a ser alagada pelos respectivos
reservatórios.
Eis por que a crise das hidrelétricas se transforma em crise de todo o sistema,
e as termelétricas, de simplesmente complementares, transformaram-se em
essenciais. Reconheça-se, porém, que elas nos estão salvando do racionamento,
elas e o sistema nacional que interliga todas as redes.
O Brasil precisa construir um portfólio de fontes de energia, razoavelmente
equilibrado, o qual, sem descartar a hidrelétrica, compreenda, principalmente,
o crescimento da núcleoeletricidade e a redução do uso das fontes fósseis.
Impõe-se, para tanto, preliminarmente, o resgate do planejamento do setor
elétrico, deixado de lado por governantes seduzidos pelas “vantagens” do
mercado.
Essa diversificação de fontes é exigida por um cotidiano pontuado por apagões
ou ameaças de apagões, pelo
aquecimento global, pela poluição dos combustíveis fósseis e a constante
variação de seus preços no mercado internacional. Diversificação também imposta
pelas crescentes dificuldades – na sua
maioria artificiais e contrárias aos interesses nacionais –, que, sob os
mais diversos pretextos, vêm sistematicamente atrasando o programa hidrelétrico
brasileiro.
A mesma ignorância antipatriótica que obstaculiza a construção das
hidrelétricas é responsável pelo atraso da alternativa nuclear, que independe
do regime das chuvas e da importação de matéria-prima, pois possuímos uma das
maiores reservas de urânio do mundo e dominamos as técnicas de sua extração e
enriquecimento.
Por razões as mais diversas, tanto Angra I, projeto norte-americano da
Westinghouse, quanto Angra II, projeto alemão da Kraftwekunion, tiveram,
durante a construção, interrupções e retomadas, e só entraram em operação
comercial em 1985 e 2001, respectivamente, ou seja, foram necessários 13 anos
para construir Angra I e 25 anos para construir Angra II, quando o tempo médio
mundial é de sete anos. Angra III está atrasada 35 anos, quando o programa
original, de 1975, previa a construção de oito usinas!
Por óbvio, ninguém neste país está satisfeito com os índices recentes de nosso
crescimento econômico. Mas é fácil concluir que não podemos pensar em retomada
do crescimento, e muito menos planejá-lo, sem prévio aumento da oferta de
eletricidade. Esse aumento, para operar-se em segurança, deverá, todavia,
compreender o desenvolvimento de todas as fontes disponíveis. Por outro lado, o
desarranjo dos sistemas de distribuição, fruto da criminosa privatização do
setor, exige providências imediatas para assegurar investimentos em melhorias
dos sistemas e na sua manutenção adequada, para impedir a ocorrência de apagões
provocados por falhas operacionais.
O aumento da produção de todas as fontes, oferecendo segurança ao sistema em
qualquer época do ano, de par com a melhoria da rede de distribuição, em
síntese, o aumento da oferta de energia, aciona o crescimento econômico e o
desenvolvimento social, os quais, por seu turno, aumentam a demanda por
energia. Trata-se, porém, de um círculo virtuoso.
O extremo dessa equação se confunde com os limites das reservas das fontes
energéticas, mesmo renováveis, inclusive as hidrelétricas, e as derivadas da
biomassa, porque, até para países de dimensões continentais como o Brasil, há
limites para a substituição da produção de alimentos (de que carecem nosso povo e a humanidade) por plantações de
cana-de-açúcar, soja e oleaginosas em geral, destinadas à produção de
combustível alternativo. O desafio de nossos dias – produzir energia em volume suficiente para atender a uma demanda que se
eleva continuamente como preço do progresso – é relativamente maior em
países como o nosso, que luta pela consolidação de seu parque industrial e pela
retomada do crescimento econômico. No Brasil, esse crescimento deverá ser
exponencialmente maior se levarmos em conta que nosso consumo per capita ainda
pode ser considerado baixo, comparado, seja às médias mundiais, seja ao ritmo
dos ‘emergentes’ mais dinâmicos, seja, principalmente, às necessidades de
nossas populações.
Não é só a construção de um reservatório, ou de uma usina nuclear, que causa
impacto ambiental. A maior poluição vem da pobreza: saneamento, lixo, dengue e cólera também são questões ambientais que só
podem ser enfrentadas com desenvolvimento. E não há desenvolvimento sem
geração de energia.”
FONTE: escrito por Roberto Amaral, cientista político e ex-ministro da Ciência
e Tecnologia entre 2003 e 2004. Artigo transcrito no portal “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=203820&id_secao=1). [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
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