quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

• ESQUERDA: CAMINHO DO CORAÇÃO


Por Rodolpho Motta Lima`, NO “Direto da Redação”

“Pode parecer redundante (e, cá para nós, é mesmo) a insistência com que esta coluna se refere aos temperos e destemperos da mídia global ao tratar da matéria política em nosso país. Além das inúmeras razões já exaustivamente expostas para essa insistência, a verdade é que ela também tem motivos históricos. A vantagem dos cabelos grisalhos (se é que existe) é que aquele que os detém pode falar daquilo que vivenciou, que testemunhou.

Nos tempos da ditadura, presenciei a sustentação que essa mídia deu ao regime militar da repressão, dos assassinatos e das torturas. De lá para cá, lembro-me de muitos episódios antidemocráticos em que ela se envolveu e não é por acaso que, no ambiente da internet, já esteja carimbada como um dos componentes da sigla PIG (Partido da Imprensa Golpista). Quer alguns deles? Pesquise o caso da PROCONSULT, a edição [pró-Collor, pela “Globo”] do debate Lula x Collor, o episódio da “bolinha de papel” do Serra...

Essa apregoada hegemonia de audiência deveria trazer consigo responsabilidades com o povo que a sustenta. Não é assim, porém, que a banda toca e, lamentavelmente, em nome dos interesses neoliberais valem todos os recursos para iludir, desinformar, alienar, suprimindo-se a importância daquilo que não interessa destacar e conferindo relevo desproporcional a tudo que ajuda a construir uma não disfarçada plataforma político-ideológica. Um verdadeiro partido, mas que dispõe de meios inacessíveis a qualquer organização partidária, com a vantagem de que não se submete a eleições e praticamente fala sozinho...

Mas esse quadro monopolista nefasto, se bem analisado, deixa nu algo que se tenta enfaticamente negar ou esconder: não morreram as ideologias e, queiramos ou não, todos somos tendentes, em nossa visão do mundo, a trilhar caminhos em que o coração nos leva para a esquerda ou para a direita.

Se a queda do muro [de Berlim] e a própria globalização constituíram “vitórias” da direita – chegando-se a apregoar, então, um mundo ideologicamente unificado - , não demorou muito para que essa fosse uma vitória de Pirro, a julgar pelas crises que o nada civilizado capitalismo vem impondo ao mundo. Voltam a ser discutidas alternativas a esse sistema que, no fundo, busca perpetuar elites dominantes e fortíssimas corporações financeiras. As massas estão indo às ruas com movimentos de ocupação para defender valores sociais e exigir a representação de seus autênticos interesses. Não é por acaso que, na América Latina, proliferam, hoje, governos nitidamente de esquerda, eleitos pelo povo, na Venezuela, na Bolívia, no Equador, no Uruguai etc . E mesmo aqui, apesar de certa despersonalização ideológica, fruto da funesta “governabilidade” que impõe a participação dos Sarneys, dos Calheiros e outros do gênero .

Voltando à mídia e seus desígnios, saúdo o texto de Mário Augusto Jakobskind sobre a vinda da blogueira cubana Yoáni Sánchez ao Brasil , e endosso por inteiro o que ali se contém. Na tentativa de dar à discutida personagem um destaque que ela não tem, fazem isso com tal estardalhaço que, é claro, acabam por provocar reações cujo acerto nem quero discutir, fruto do inconformismo dos que enxergam nessa farta cobertura o mesmo jeito unilateral e manipulador de sempre, onde o contraditório não se manifesta. Afinal, há muitos cubanos que poderiam vir ao Brasil para falar bem do seu país. E se alguém quiser argumentar que estariam “a serviço do regime castrista”, é claro que podem também valer os argumentos dos que acham que Yoáni está a serviço de outras entidades... Se “O Globo” pode intitular os manifestantes contrários à cubana de componentes de uma “minoria histérica” – usando o recurso de sempre, de se valer de “especialistas” colhidos a dedo - é evidente que a direita pode esperar retaliações e qualificações pouco nobres para os seus representantes, e é óbvio que nem todas serão controladas pelos gritos do Senador Suplicy. É o confronto entre direita e esquerda em plena atividade...

Um detalhe significativo que, embora pareça insignificante, torna óbvia a luta ideológica que se trava em nosso país. Na edição de quarta-feira, dia 20.02, o Jornal “O Globo” – repetindo o que fizera o “Jornal Nacional” no dia anterior – dedica espaço bem maior às escaramuças que envolveram a cubana do que ao pronunciamento da mais importante de nossas mulheres, a Presidenta Dilma, sobre as últimas medidas que buscam a extinção da miséria no país. Nada mais emblemático: Cuba é, historicamente, muito mais um problema para os americanos do que para nós. Afinal, é uma ilhazinha que ousou enfrentar o império do Norte e que, ao longo de mais de 50 anos, jamais permitiu ao poderoso vizinho – mesmo com a vergonhosa Guantánamo em suas entranhas – promover a volta do antigo sistema de quintal.

O nosso problema, imensamente maior, é mesmo a desigualdade, que cerca de indignidade a existência de milhões de brasileiros miseráveis. Ao privilegiar Yoáni em relação a Dilma, os globais deixam bem claras suas posições, seus interesses, seus compromissos, suas posturas de direita que transcendem o ambiente nacional. E robustecem as teses de quem considera que é preciso mudar esse panorama midiático, o mais urgentemente possível. Quanto à dicotomia esquerda x direita, está mais evidente do que nunca. No fundo, além dos racionais aspectos econômicos, ela reflete a forma como cada um se sente, a direção para a qual cada coração aponta. O meu, por exemplo, volta-se assumidamente para a esquerda e, a esta altura, nem penso em mudar-lhe o rumo. Ele vai muito bem assim, obrigado...”

FONTE: escrito por Rodolpho Motta Lima, advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ, com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil. Artigo publicado no site “Direto da Redação” (http://www.diretodaredacao.com/noticia/esquerda-caminho-do-coracao). [Trechos entre colchetes adicionados por este blog 'democracia&política'].

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