sexta-feira, 29 de março de 2013

“BRICS CONSEGUEM FURAR O CERCO”


Por Pepe Escobar no “Asia Times Online”, “The Roving Eye”,
sob o título original BRICS go over the wall”. Traduzido pelo “pessoal da Vila Vudu” e postado no blog “Redecastorphoto”


Pepe Escobar

“Notícias da morte prematura dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) são muitíssimo exageradas. A imprensa-empresa ocidental está inundada dessas tolices, perpetradas, nesse específico caso, pelo presidente do “Morgan Stanley Investment Management”. [Ver em: Broken BRICs. Why the Rest Stopped Rising (BRICs quebrados. Por que o resto parou de crescer), Foreign Affairs, nov.-dez.2012]

A realidade é outra. Os BRICS reuniram-se em Durban, África do Sul, na 3ª-feira, para, dentre outros passos, criarem sua própria agência de avaliação de riscos, escapando assim da ditadura – ou, no mínimo, das “agendas enviesadas”, como diz a diplomacia indiana – das agências tipo “Moody's/Standard & Poor”. Também tocarão adiante o Banco de Desenvolvimento dos BRICS, com capital inicial de US$ 50 bilhões, para ajudar em projetos de infraestrutura e de desenvolvimento sustentável.


Importante, mesmo, é que EUA e União Europeia não serão acionistas desse Banco do Sul – alternativa concreta, estimulada principalmente por Índia e Brasil, ao Banco Mundial e ao sistema de ‘Bretton Woods’ controlados pelo Ocidente.


Jaswant Singh

Como observou o Ministro das Finanças da Índia, Jaswant Singh, esse banco de desenvolvimento poderá, por exemplo, canalizar o know-how de Pequim, para ajudar a financiar as obras massivas de infraestrutura das quais a Índia carece.

As grandes diferenças políticas e econômicas entre os países BRICS são autoevidentes. Mas, já agora reunidos e operando como grupo, o ponto já não é se podem proteger a economia global contra a crise ‘non-stop’ do capitalismo-de-cassino avançado.

O ponto é que, além de medidas para facilitar o comércio mútuo, as ações do bloco vão-se tornando cada vez mais políticas. Os BRICS não apenas mostram seu poder econômico como, também, tomam medidas concretas na direção acelerada rumo a mundo multipolar. Nisso, o Brasil é particularmente ativo.

Inevitavelmente, os míopes fanáticos atlanticistas de sempre do “consenso de Washington” nada veem – miopicamente – além de “BRICS esperam mais reconhecimento das potências ocidentais”.

Claro que há problemas. O crescimento está mais lento no Brasil, China e Índia. Dado que a China, por exemplo, tornou-se principal parceiro comercial do Brasil – já ultrapassou os EUA – vastos setores da indústria brasileira sofreram com a concorrência das manufaturas chinesas baratas.

Mas há perspectivas futuras inescapáveis. Os BRICS, muito provavelmente, terão mais poder no Fundo Monetário Internacional. Detalhe crucialmente importante, os BRICS passarão a negociar em suas próprias moedas nacionais, servindo-se de um “Yuan” globalmente conversível e afastando do dólar norte-americano e do petrodólar.

A CHINA EM MOMENTO MENOS ACELERADO


Jim O’Neill

O inventor da expressão “BRIC” (no início, ainda sem a África do Sul) foi Jim O’Neill, do banco “Goldman Sachs”, nos idos de 2001. Muito interessante e esclarecedor ouvir o que O’Neill tem a dizer hoje, sobre o mesmo tema em longa entrevista à revista Der Spiegel (21/3/2013, “BRICS 'Have Exceeded all Expectations [Os BRICS superaram todas as expectativas], Der Spiegel). 

O'Neill destaca que a China, mesmo tendo crescido “meros” 7,7% em 2012, “Criou riqueza equivalente a uma economia grega inteira, a cada 11 semanas e meia”. A desaceleração na China foi “cíclica e estrutural” – um “desligar a máquina” planejado para controlar o superaquecimento e a inflação.

O impulso adiante que se vê nos BRICS é parte de uma tendência global irresistível. Boa parte dessa tendência está bem decodificada num novo relatório do “Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas” [orig. United Nations Development Programme]. Em resumo: o norte está sendo ultrapassado na corrida econômica, pelo sul global, que corre à velocidade estonteante.

Segundo aquele relatório, “pela primeira vez em 150 anos, a soma dos resultados das três principais economias do mundo em desenvolvimento – Brasil, China e Índia – é praticamente igual aos PIBs somados das notórias potências industriais do Norte”.


Chefes de Estado dos BRICS (foto de 2012) (da esquerda para a direita) Dilma Rousseff - Brasil; Vladimir Putin - Rússia; Manmohan Singh - Índia; Hu Jintao - China;  Jacob Zuma - África do Sul

A conclusão óbvia é que “o crescimento do Sul global está reformatando radicalmente o mundo do século 21, com nações em desenvolvimento comandando o crescimento econômico, arrancando da miséria centenas de milhões de pessoas e empurrando bilhões mais para uma nova classe média global”.

E no coração crucial ardente desse processo, encontramos um épico eurasiano: o desenvolvimento de relação estratégica entre Rússia e China.

Sempre o Oleogasodutostão...


Vladimir Putin

O Presidente Vladimir Putin da Rússia não quer saber de arrastar prisioneiros: quer empurrar os BRICS no rumo de constituir “um mecanismo de cooperação estratégica em plena escala, que nos permitirá, juntos, procurar soluções para as questões chaves da política global.

Isso implicará política externa comum para todos os BRICS – e não só alguma coordenação seletiva em torno de alguns temas. Não será fácil. Exigirá tempo. Putin está perfeitamente consciente disso.

O que torna tudo ainda mais fascinante é que Putin já expôs essas ideias ao novo Presidente da China, Xi Jinping, que o visitou em Moscou, por três dias. Putin não mediu palavras: fez questão de dizer e repetir que as relações sino-russas “são hoje as melhores, em séculos de história”.

Não é exatamente o que os atlanticistas hegemonistas gostariam de ouvir – sempre interessados, eles, em manter todas as relações no pé em que estavam na Guerra Fria.


Xi Jinping

Xi retribuiu em alto estilo: “Não viemos visitá-los à toa” – como se lê, parcialmente detalhado noChina Daily. E esperem só, que a potência criativa dos chineses comece a gerar dividendos

Inevitavelmente, o “Oleogasodutostão” está no coração do projeto de relações complementares entre esses dois grandes BRICS.

A China precisa do petróleo e o gás da Rússia, como item de segurança nacional.

A Rússia quer vender mais e mais dos dois itens, diversificando a carteira de clientes na direção do Oriente; mais que tudo, a Rússia receberia com enorme entusiasmo investimentos chineses no extremo oriental de seu território – a imensa região Trans-Baikal.

E, por falar nisso, não é verdade que o “perigo amarelo” esteja invadindo a Sibéria – como diz o ocidente. Só 300 mil chineses vivem hoje na Rússia.

Consequência direta da reunião de “cúpula Putin-Xi” é que, de agora em diante, Pequim pagará adiantado pelo petróleo russo que comprar – em troca de participar em inúmeros projetos, como, por exemplo, na prospecção de petróleo em alto mar nas áreas da CNPC e Rosneft, no Mar de Barents, e em outros pontos das águas russas.

A Gazprom, por sua vez, fechou negócio longamente esperado de gás com a CNPC: 38 bilhões de metros cúbicos por ano entregues pelo gasoduto ESPO, a partir da Sibéria, começando em 2018. E, já no final de 2013, será finalizado e assinado um novo contrato chinês com a Gazprom, envolvendo fornecimento de gás para os próximos 30 anos.

As ramificações geopolíticas são imensas: importar mais gás da Rússia ajuda Pequim a, gradualmente, escapar do seu dilema Malacca e Ormuz – para não mencionar a industrialização das províncias do interior da China, imensas, muito densamente povoadas, duramente dependentes ainda da agricultura, e que ficaram à margem do boom econômico.

Eis como o gás russo encaixa-se no plano máster do Partido Comunista Chinês: para configurar as províncias do interior do país como base de apoio para a classe média chinesa – 400 milhões de chineses cada vez mais ricos, mais urbanizados, que vivem na costa leste.

Putin, ao dizer e insistir que não vê o bloco BRICS como “concorrente geopolítico” contra o ocidente, fez o que faltava fazer: negou oficialmente, para não deixar dúvidas de que, sim, sim, se trata exatamente disso. Durban será, provavelmente, a ocasião em que se sacramentaram apenas os primeiros movimentos dessa competição. Desnecessário dizer que as ‘'elites'’ ocidentais – ainda que estagnadas e à beira da bancarrota – não cederão, senão depois de muita luta, qualquer dos seus privilégios.”

FONTE: escrito por Pepe Escobar no “Asia Times Online”, “The Roving Eye”,
sob o título original BRICS go over the wall”. Traduzido pelo “pessoal da Vila Vudu” e postado no blog “Redecastorphoto” (http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/03/pepe-escobar-brics-conseguem-furar-o.html).

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Maria Tereza, excelente texto do Pepe Escobar com impressões de Jim O’Neill.

    "...Mas há perspectivas futuras inescapáveis. Os BRICS, muito provavelmente, terão mais poder no Fundo Monetário Internacional. Detalhe crucialmente importante, os BRICS passarão a negociar em suas próprias moedas nacionais, servindo-se de um “Yuan” globalmente conversível e afastando do dólar norte-americano e do petrodólar.

    Uma correção, na foto Chefes de Estado dos BRICS (é de 2012) da esquerda para a direita Dilma, Putin, Singh; HU JINTAO - China; Zuma.

    Não é o Xi Jinping, abraços,

    - - - - - -

    A hoje superada solidez econômico-financeira dos EUA, que lhes permitiu tornarem-se a maior economia do planeta, foi alicerçada, entre outros, sobre três pilares: a Liderança da PRODUÇÃO e da INOVAÇÃO Industrial, e o DÓLAR como Divisa Mundial de Reserva necessária a Operações Externas (como a Compra de Petróleo, e os Títulos do Tesouro, entesourados pelos Bancos Centrais e Comerciais e por Investidores de Porte. PAPEL para comprar Bens e Serviços: o melhor negócio do mundo desde que um papa passou a vender indulgências plenárias aos aspirantes ao céu católico.

    http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2011/08/volta-do-cipo-de-aroeira.html

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  3. Probus,
    Obrigada pelo ótimo e elucidativo comentário e por apontar o erro. Vou corrigir na postagem (Hu Jintao).
    Maria Tereza

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