sexta-feira, 22 de março de 2013

Paul Krugman: DO IRAQUE AO DÉFICIT



Por Paul Krugman, economista norte-americano, Prêmio Nobel de Economia em 2008

“Dez anos atrás, a América invadiu o Iraque; de alguma maneira, nossa classe política decidiu que nossa resposta a um ataque terrorista deveria ser travar guerra contra um regime que, por mais vil fosse, nada tinha a ver com aquele ataque.

Algumas vozes avisaram que estávamos cometendo erro terrível; que o argumento em favor da guerra era fraco, possivelmente fraudulento, e que, longe de render a prometida vitória fácil, era muito provável que a empreitada terminasse com sofrimento custoso. E os avisos foram acertados, é claro.

Ficamos sabendo que não havia armas de destruição em massa; olhando em retrospecto, ficou evidente que a administração Bush enganou a nação propositalmente para conduzi-la à guerra.

E a guerra --depois de ceifar milhares de vidas americanas e dezenas de milhares de vidas iraquianas, depois de impor custos financeiros muitíssimo mais altos que seus fomentadores tinham previsto-- deixou a América mais fraca, não mais forte, e acabou por gerar um regime iraquiano que é mais próximo de Teerã que de Washington.

Será que nossa elite política e nossa mídia aprenderam com essa experiência? Não é o que parece. O que realmente chamou a atenção no período que antecedeu a guerra foi a ilusão de consenso.

 Até hoje, analistas que se equivocaram em suas previsões se desculpam, alegando que "todo o mundo" pensava que havia argumentos sólidos em favor da guerra. É claro que havia quem se opusesse à guerra, eles reconhecem --mas essas pessoas estavam fora da maioria.

O problema desse argumento é que ele era e é circular: ser favorável à guerra virou parte da definição do que significava ter uma opinião majoritária. Qualquer voz discordante, por mais qualificada fosse, era ipso facto vista como sendo indigna de consideração.

Isso acontecia nos círculos políticos e igualmente em boa parte da imprensa, que, concretamente, tomou partido e juntou-se ao campo em favor da guerra.

Howard Kurtz, da CNN, que na época trabalhava para o "Washington Post", escreveu recentemente sobre como funcionava esse processo --como a reportagem cética, por mais fundamentada fosse, era desencorajada e rejeitada.

"Artigos que questionassem as provas ou os argumentos em favor da guerra frequentemente eram minimizados, relegados às páginas menos lidas ou derrubados", escreveu.

Um fenômeno estreitamente associado a essa tomada de partido era uma reverência exagerada e inapropriada pela autoridade. Apenas pessoas em cargos de poder eram consideradas dignas de respeito.

Kurtz nos revela, por exemplo, que o "Washington Post" derrubou um artigo sobre dúvidas em relação à guerra escrito por seu próprio repórter sênior de defesa, com o argumento de que o texto era baseado inteiramente em declarações de oficiais militares na reserva e especialistas externos --"em outras palavras, pessoas com independência suficiente para questionarem os argumentos em favor da guerra".

Tudo considerado, foi uma lição objetiva sobre os perigos do pensamento de grupo, uma demonstração de como é importante ouvir vozes céticas e diferenciar reportagem de defesa pública de uma proposta.

Mas, como eu disse, parece que a lição não foi aprendida. Considere, como prova disso, a obsessão com o déficit que domina nosso cenário político nos últimos três anos.

Não quero levar a analogia longe demais. Uma política econômica equivocada não é o equivalente moral a uma guerra travada sob pretextos falsos, e, embora as previsões dos críticos do déficit tenham se mostrado erradas repetidas vezes, não houve nenhum fato tão decisivo ou tão chocante como o fato de não terem sido encontradas armas de destruição em massa.

O melhor de tudo é que, hoje, quem discorda da visão dominante não opera num clima de ameaça, com a impressão de que levantar dúvidas pode resultar em consequências pessoais e profissionais devastadoras, clima esse tão onipresente em 2002 e 2003 (quem se lembra da campanha de ódio contra o grupo Dixie Chicks?).

Mas hoje, assim como na época, temos a ilusão do consenso, uma ilusão baseada num processo em que qualquer pessoa que questione a narrativa preferida é imediatamente marginalizada, por mais fortes sejam suas credenciais.

E agora, assim como na época, a imprensa com frequência parece ter tomado partido. Chama a atenção especialmente a frequência com que afirmações questionáveis são apresentadas como se fossem fatos.

Quantas vezes, por exemplo, você já não viu artigos na imprensa simplesmente afirmando que os Estados Unidos têm uma "crise de dívida", embora muitos economistas argumentem que o país não enfrenta crise de dívida nenhuma?

Na realidade, de algumas maneiras a linha que separa notícias e opinião ficou ainda mais confusa com relação a questões fiscais do que foi durante a marcha para a guerra. Como observou no mês passado Ezra Klein, do "Post", parece que "as normas de neutralidade jornalística não se aplicam quando o tópico é o déficit."

O que deveríamos ter aprendido com a débâcle do Iraque é que sempre devemos ser céticos e nunca devemos confiar na suposta autoridade num assunto. Se você ouve que "todo o mundo" defende uma política, quer seja uma guerra travada por opção ou a austeridade fiscal, procure saber se "todo o mundo" foi definido para excluir qualquer pessoa que manifeste opinião diferente.

E os argumentos pró ou contra políticas devem ser avaliados segundo seus méritos, e não segundo quem os expõe. Você se lembra de quando Colin Powell nos assegurou que aquelas armas de destruição em massa iraquianas existiam?

Infelizmente, como eu disse, parece que ainda não aprendemos aquelas lições. Será que vamos aprender algum dia?”

FONTE: escrito por Paul Krugman (Wikipedia: “Paul Robin Krugman, Nova Iorque, 28 de fevereiro de 1953, economista norte-americano, ganhador do Nobel de Economia de 2008. Autor de diversos livros. Desde 2000, é colunista do The New York Times”). Artigo publicado na “Folha” com tradução de Clara Allain. Transcrito no portal de Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/paul-krugman-do-iraque-ao-deficit). [Imagens do Google adicionadas por este blog ‘democracia&política’].

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