quinta-feira, 27 de junho de 2013

COMO O MST VÊ AS MANIFESTAÇÕES NAS RUAS

João Pedro Stédile, da direção nacional do MST

Motivos da crise por Stédile: “O CAPITAL DOMINOU AS CIDADES”

Do “Brasil de Fato”

1. Como você analisa as recentes manifestações que vêm sacudindo o Brasil nas últimas semanas? Qual é a base econômica para elas terem acontecido?

Há muitas avaliações de por que estão ocorrendo essas manifestações. Me somo à analise da professora Erminia Maricato, que é nossa maior especialista em temas urbanos e já atuou no Ministério das cidades na gestão Olivio Dutra. Ela defende a tese de que há uma crise urbana instalada nas cidades brasileiras provocadas por essa etapa do capitalismo financeiro. Houve enorme especulação imobiliária que elevou os preços dos aluguéis e do terrenos em 150% nos últimos três anos. O capital financiou sem nenhum controle governamental, a venda de automóveis para enviar dinheiro para o exterior e que transformou nosso trânsito um caos. E, nos últimos dez anos, não houve investimento em transporte publico [Nos vinte anos anteriores, muito menos]. O programa habitacional “Minha casa, minha vida” empurrou os pobres para as periferias, sem condições de infraestrutura. Tudo isso gerou uma crise estrutural em que as pessoas estão vivendo num inferno, nas grandes cidades, perdendo três quatro horas por dia no trânsito, quando poderiam estar com a família, estudando ou tendo atividades culturais. Somado a isso, a péssima qualidade dos serviços públicos em especial na saúde e mesmo na educação, desde a escola fundamental, ensino médio, em que os estudantes saem sem saber fazer uma redação. E o ensino superior virou loja de vendas de diplomas a prestações, onde estão 70% dos estudantes universitários.

2. E do ponto de vista político, por que aconteceu?

Os quinze anos de neoliberalismo e mais os últimos dez anos de um governo de composição de classes transformaram a forma de fazer política em refém apenas dos interesses do capital. Os partidos ficaram velhos em suas práticas e se transformaram em meras siglas que aglutinam, em sua maioria, oportunistas para ascender a cargos públicos ou disputar recursos públicos para seus interesses. Toda juventude nascida depois das “Diretas já” não teve oportunidade de participar em política. Hoje, para disputar qualquer cargo, por exemplo de vereador, o sujeito precisa ter mais de um milhão de reais; deputado custa ao redor de dez milhões. Os capitalistas pagam e depois os políticos obedecem.

A juventude está de saco cheio dessa forma de fazer política burguesa, mercantil. Mas o mais grave foi que os partidos da esquerda institucional, todos eles, se moldaram a esses métodos. Envelheceram e se burocratizaram. E, portanto, geraram na juventude ojeriza à forma de os partidos atuarem. E ela tem razão. A juventude não é apolítica, ao contrário, tanto é que levou a política para as ruas, mesmo sem ter consciência do seu significado. Mas está dizendo que não aguenta mais assistir na televisão essas práticas políticas, que sequestraram o voto das pessoas, baseadas na mentira e na manipulação. E os partidos de esquerda precisam reaprender que seu papel é organizar a luta social e politizar a classe trabalhadora. Senão, cairão na vala comum…da história.

3. E por que as manifestações eclodiram somente agora?

Provavelmente, tenha sido mais a soma de diversos fatores de caráter da psicologia de massas, do que alguma decisão política planejada. Somou-se todo o clima que comentei, mais as denúncias de superfaturamento das obras dos estádios, que é um acinte ao povo. Vejam alguns episódios. A “rede Globo” recebeu do governo do estado do Rio e da prefeitura 20 milhões de reais de dinheiro publico, para organizar o showzinho de apenas duas horas, do sorteio dos jogos da Copa das Confederações. O estádio de Brasília custou 1,4 bilhões e não tem ônibus na cidade! A ditadura explícita e as maracutaias que a FIFA/CBF impuseram e os governos se submeteram. A reinauguração do Maracanã foi um tapa no povo brasileiro. As fotos eram claras, no maior templo do futebol mundial não havia nenhum negro ou mestiço! E aí o aumento das tarifas de ônibus foi apenas a faísca para ascender o sentimento generalizado de revolta, de indignação. A gasolina para a faísca veio do governo Alkmin que, protegido pela mídia que ele financia e acostumado a bater no povo impunemente, como fez no Pinheirinho, e em outros despejos rurais e urbanos, jogou sua polícia para a barbárie. Aí, todo mundo reagiu.

Ainda bem que a juventude acordou. E nisso houve o mérito do “Movimento Passe Livre”, que soube capitalizar essa insatisfação popular e organizou os protestos na hora certa.

4. Por que a classe trabalhadora ainda não foi à rua?

É verdade, a classe trabalhadora ainda não foi para a rua. Quem está na rua são os filhos da classe média, e também alguns jovens que o André Singer chamaria de subproletariado, que estudam e trabalham no setor de serviços, que melhoraram as condições de consumo, mas querem ser ouvidos. Esses últimos apareceram mais em outras capitais e nas periferias.

A redução da tarifa interessava muito a todo povo e esse foi o acerto do “Movimento Passe Livre”, soube convocar mobilizações em nome dos interesses do povo. E o povo apoiou as manifestações e isso está expresso nos índices de popularidade dos jovens, sobretudo quando foram reprimidos.

A classe trabalhadora demora a se mover, mas quando se move afeta diretamente ao capital. Coisa que ainda não começou acontecer. Acho que as organizações que fazem a mediação com a classe trabalhadora ainda não compreenderam o momento e estão um pouco tímidas. Mas a classe, como classe, acho que está disposta a também lutar. Veja que o numero de greves por melhorias salariais já recuperou os padrões da década de 80. Acho que é apenas uma questão de tempo, e se as mediações acertarem nas bandeiras que possam motivar a classe a se mexer. Nos últimos dias, já se percebe que em algumas cidades menores e nas periferias das grandes cidades já começam a ter manifestações com bandeiras de reivindicações bem localizadas. E isso é muito importante.

5. E vocês do MST e dos camponeses também não se mexeram ainda…

É verdade. Nas capitais onde temos assentamentos e agricultores familiares mais próximos, já estamos participando. E, inclusive, sou testemunho de que fomos muito bem recebidos com nossa bandeira vermelha e com nossa reivindicação de Reforma Agrária e de alimentos saudáveis e baratos para todo povo. Acho que, nas próximas semanas, poderá haver adesão maior, inclusive realizando manifestações dos camponeses nas rodovias e municípios do interior. Na nossa militância, está todo mundo doido para entrar na briga e se mobilizar. Espero que também se mexam logo….

6. Qual é, em sua opinião, a origem da violência que tem acontecido em algumas manifestações?

Primeiro, vamos relativizar. A burguesia, através de suas televisões, tem usado a tática de assustar o povo colocando apenas a propaganda dos baderneiros e quebra-quebra. São minoritários e insignificantes diante das milhares de pessoas que se mobilizaram. Para a direita, interessa colocar no imaginário da população que isso é apenas bagunça e, no final, se tiver caos, colocar a culpa no governo e exigir a presença das Forças Armadas. Espero que o governo não cometa essa besteira de chamar a Guarda Nacional e as Forças Armadas para reprimir as manifestações. É tudo o que a direita sonha!

Quem está provocando as cenas de violência é a forma de intervenção da Policia Militar. A PM foi preparada, desde a ditadura militar, para tratar o povo sempre como inimigo. E, nos estados governados pelos tucanos (SP, RJ e MG), ainda tem a promessa de impunidade.

Há grupos direitistas organizados com orientação de fazer provocações e saques. Em São Paulo, atuaram grupos fascistas. E leões de chácaras contratados. No Rio de Janeiro, atuaram as milícias organizadas que protegem seus políticos conservadores. E claro, há também um substrato de lumpesinato que aparece em qualquer mobilização popular, seja nos estádios, carnaval, até em festa de igreja, tentando tirar seus proveitos.

7. Há, então, uma luta de classes nas ruas ou é apenas a juventude manifestando sua indignação?

É claro que há uma luta de classes na rua. Embora ainda concentrada na disputa ideológica. E o que é mais grave, a própria juventude mobilizada, por sua origem de classe, não tem consciência de que está participando de uma luta ideológica. Vejam, eles estão fazendo política da melhor forma possível, nas ruas. E aí escrevem nos cartazes: somos contra os partidos e a política? E, por isso, tem sido tão difusa as mensagens nos cartazes. Está ocorrendo em cada cidade, em cada manifestação, uma disputa ideológica permanente da luta dos interesses de classes. Os jovens estão sendo disputados pelas idéias da direita e pela esquerda. Pelos capitalistas e pela classe trabalhadora.

Por outro lado, são evidentes os sinais da direita muito bem articulada, e de seus serviços de inteligência, que usam a internet, se escondem atrás das máscaras e procuram criar ondas de boatos e opiniões pela internet. De repente, uma mensagem estranha alcança milhares de mensagens. E aí se passa a difundir o resultado como se ela fosse a expressão da maioria. Esses mecanismos de manipulação foram usados pela CIA e pelo Departamento de Estado Estadunidense, na Primavera Árabe, na tentativa de desestabilização da Venezuela, na guerra da Síria. E é claro que eles estão operando aqui também para alcançar os seus objetivos.

8. E quais são os objetivos da direita e suas propostas?

A classe dominante, os capitalistas, os interesses do império Estadunidense e seus porta-vozes ideológicos que aparecem na televisão todos os dias, têm um grande objetivo: desgastar ao máximo o governo Dilma, enfraquecer as formas organizativas da classe trabalhadora, derrotar qualquer proposta de mudanças estruturais na sociedade brasileira e ganhar as eleições de 2014 para recompor uma hegemonia total no comando do estado brasileiro, que agora está em disputa.

Para alcançar esses objetivos, eles estão ainda tateando, alternando suas táticas. Às vezes, provocam a violência, para desfocar os objetivos dos jovens. Às vezes, colocam nos cartazes dos jovens a sua mensagem. Por exemplo, a manifestação do sábado, embora pequena, em São Paulo, foi totalmente manipulada por setores direitistas que pautaram apenas a luta “contra a PEC 37”, com cartazes estranhamente iguais e palavras de ordem iguais. Certamente, a maioria dos jovens nem sabe do que se trata. E é um tema secundário para o povo, mas a direita está tentando levantar as bandeiras da moralidade, como fez a UDN em tempos passados. Isso que já estão fazendo no Congresso, logo logo, vão levar às ruas.

Tenho visto, nas redes sociais controladas pela direita, que suas bandeiras, além da derrubada da PEC 37, são: Saída do Renan do Senado; CPI e transparência dos gastos da COPA; declarar a corrupção crime hediondo e fim do foro especial para os políticos. Já os grupos mais fascistas ensaiam FORA DILMA e abaixo-assinados pelo impeachment. Felizmente, essas bandeiras não têm nada ver com as condições de vida das massas, ainda que elas possam ser manipuladas pela mídia. E, objetivamente, podem ser um tiro no pé. Afinal, é a burguesia brasileira, seus empresários e políticos que são os maiores corruptos e corruptores. Quem se apropriou dos gastos exagerados da copa? A “rede Globo” e as empreiteiras!

9. Quais os desafios que estão colocados para a classe trabalhadora e as organizações populares e partidos de esquerda?

Os desafios são muitos. Primeiro, devemos ter consciência da natureza dessas manifestações, e irmos todos para a rua, disputar corações e mentes para politizar essa juventude que não tem experiência da luta de classes. Segundo, a classe trabalhadora precisa se mover. Ir para a rua, manifestar-se nas fábricas, campos e construções, como diria Geraldo Vandré. Levantar suas demandas para resolver os problemas concretos da classe, do ponto de vista econômico e político. Terceiro, precisamos explicar para o povo quem são os principais inimigos do povo. E agora são os bancos, as empresas transnacionais que tomaram conta de nossa economia, os latifundiários do agronegócio, os especuladores.

Precisamos tomar a iniciativa de pautar o debate na sociedade e exigir a aprovação do projeto de redução da jornada de trabalho para 40 horas; exigir que a prioridade de investimentos públicos seja em saúde, educação, reforma agrária. Mas, para isso, o governo precisa cortar juros e deslocar os recursos do superávit primário, aqueles R$ 200 bilhões que todo ano vão para apenas 20 mil ricos, rentistas, credores de uma dívida interna que nunca fizemos, deslocar para investimentos produtivos e sociais. E é isso que a luta de classes coloca para o governo Dilma: os recursos públicos irão para a burguesia rentista ou para resolver os problemas do povo?

Aprovar em regime de urgência para que vigore, nas próximas eleições, uma reforma política de fôlego que, no mínimo, institua o financiamento público exclusivo da campanha. Direito a revogação de mandatos e plebiscitos populares autoconvocados.

Precisamos de uma reforma tributária que volte a cobrar ICMS das exportações primárias e penalize a riqueza dos ricos, e amenize os impostos dos pobres, que são os que mais pagam.

Precisamos que o governo suspenda os leilões do petróleo e todas as concessões privatizantes de minérios e outras áreas públicas. De nada adianta aplicar todos os royalties do petróleo em educação, se os royalties representarão apenas 8% da renda petroleira, e os 92% irão para as empresas transnacionais que vão ficar com o petróleo nos leilões!

Uma reforma urbana estrutural, que volte a priorizar o transporte público, de qualidade e com tarifa zero. Já está provado que não é caro e nem difícil instituir transporte gratuito para as massas das capitais. E controlar a especulação imobiliária.

E, finalmente, precisamos aproveitar e aprovar o projeto da conferência nacional de comunicação, amplamente representativa, de democratização dos meios de comunicação. Para acabar com o monopólio da “Globo”, e para que o povo e suas organizações populares tenham amplo acesso a se comunicar, criar seus próprios meios de comunicação, com recursos públicos. Ouvi de diversos movimentos da juventude que estão articulando as marchas, que talvez essa seja a única bandeira que unifica a todos: abaixo o monopólio da Globo!

Mas, para que essas bandeiras tenham ressonância na sociedade e pressionem o governo e os políticos, somente acontecerá se a classe trabalhadora se mover.

1O. O que o governo deveria fazer agora?

Espero que o governo tenha a sensibilidade e a inteligência de aproveitar esse apoio, esse clamor que vem das ruas, que é apenas uma síntese de uma consciência difusa na sociedade, que é hora de mudar. E mudar a favor do povo. E, para isso, o governo precisa enfrentar a classe dominante, em todos os aspectos. Enfrentar a burguesia rentista, deslocando os pagamentos de juros para investimentos em áreas que resolvam os problemas do povo. Promover logo as reformas políticas, tributárias. Encaminhar a aprovação do projeto de democratização dos meios de comunicação.

Criar mecanismos para investimento pesado em transporte público, que encaminhem para a tarifa zero. Acelerar a reforma agrária e um plano de produção de alimentos saídos para o mercado interno.

Garantir logo a aplicação de 10% do PIB em recursos públicos para a educação em todos os níveis, desde as cirandas infantis nas grandes cidades, ensino fundamental de qualidade até a universalização do acesso dos jovens  universidade pública.

Sem isso, haverá uma decepção e o governo entregará para a direita a iniciativa das bandeiras, que levarão a novas manifestações, visando a desgastar o governo até as eleições de 2014. É hora de o governo aliar-se ao povo, ou pagar a fatura no futuro.

11. E que perspectivas essas mobilizações podem levar para o país nos próximos meses?

Tudo ainda é uma incógnita. Porque os jovens e as massas estão em disputa. Por isso que as forças populares e os partidos de esquerda precisam colocar todas suas energias: para ir para a rua. Manifestar-se, colocar as bandeiras de luta de reformas que interessam ao povo. Porque a direita vai fazer a mesma coisa e colocar as suas bandeiras, conservadoras, atrasadas, de criminalização e estigmatização das idéias de mudanças sociais. Estamos em plena batalha ideológica, que ninguém sabe ainda qual será o resultado. Em cada cidade, cada manifestação, precisamos disputar corações e mentes. E quem ficar de fora, ficará de fora da história.”

FONTE: reportagem do “Brasil de Fato”, entrevistando João Pedro Stedile (Lagoa Vermelha-RS, 25 de dezembro de 1953), economista e ativista social. É membro da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do qual é também um dos fundadores. Participa, desde 1979, das atividades da luta pela reforma agrária, no MST e na Via Campesina Brasil (Wikipedia). Transcrita no blog “Escrivinhador”   (http://www.rodrigovianna.com.br/outras-palavras/stedile-o-capital-dominou-as-cidades.html#more-20209).

OBS: a página seguinte contém postagem também efetuada hoje.

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