segunda-feira, 19 de agosto de 2013

BÓSON DE HIGGS E SIMETRIAS

Por Marcelo Gleiser

A partícula Higgs confirma a unificação das forças "fraca" e "eletromagnética", mas o que isso quer dizer?

“Passados três anos da publicação do meu livro "Criação Imperfeita", achei oportuno revisitar, hoje e esporadicamente, alguns de seus temas, tendo em vista novas descobertas da física e da astronomia.

Para os leitores que não conhecem a obra, nela essencialmente proponho uma nova estética da natureza, baseada na imperfeição e nas assimetrias. Essa noção vai contra a ideia dominante das ciências naturais, onde a simetria tem papel fundamental.

Claro, isso sempre continuará a ser o caso, mas o que muda é a interpretação dessas simetrias, que deixam de ser fundamentais e passam a ser ferramentas que usamos na descrição do mundo.

Tomemos então nossas teorias que descrevem as partículas de matéria. Elas também são aproximações, descrições matemáticas dos dados que coletamos no laboratório. Nessas teorias, vemos que existem certos padrões de ordem, regularidades nas propriedades das partículas de matéria.

Em geral, essas regularidades são descritas por simetrias. Conhecemos quatro forças que chamamos de "fundamentais". Esse adjetivo, a meu ver, é equivocado, pois não sabemos se existem outras forças na natureza. As quatro que conhecemos são as que podemos medir com nossos instrumentos. Possivelmente, não são as únicas. De qualquer forma, cada força tem uma ou mais simetrias associadas a ela.

Das quatro forças, duas são familiares, a gravidade e o eletromagnetismo. As outras duas agem dentro do núcleo atômico, as forças nucleares forte e fraca.

Em julho de 2012, cientistas do laboratório europeu CERN anunciaram a descoberta de uma nova partícula, o famoso “bóson de Higgs”. Sua importância é imensa. Ela é a partícula que dá massa a todas as outras, com exceção do fóton, a partícula de luz, que não tem massa. A “partícula Higgs” havia sido prevista nos anos 60, caso as forças fraca e eletromagnética pudessem ser descritas conjuntamente. O fato de a “partícula Higgs” ter sido descoberta confirma essa unificação de forma espetacular. Porém, precisamos ter cuidado com a interpretação dessa unificação. O que ela quer dizer?

Na prática, significa que as duas forças comportam-se de forma semelhante acima de certas energias. Podemos investigar o comportamento da matéria a energias diferentes. Você pode fazer isso atirando uma laranja contra a parede com velocidades diferentes. Quanto maior a velocidade, maior a energia do impacto e mais você "descobre" sobre a composição da fruta.

Quando cientistas investigam, as forças fraca e eletromagnética comportam-se a energias muito altas, veem uma semelhança. Na descrição da teoria, as duas forças aparecem juntas. Mas não como uma única força. A simetria que foi descoberta é uma aproximação. (Físicos expressam isso dizendo que "a teoria tem duas constantes de acoplamento", ou seja, as duas forças não perdem a sua individualidade.)

Toda simetria na natureza é uma aproximação. A "unificação" das forças fraca e eletromagnética não reúne as duas forças em uma única simetria. Mesmo que seja triunfo da inventividade humana --tanto a teoria quanto a sua verificação experimental--, ela não é uma unificação real.”

FONTE: escrito por Marcelo Gleiser, na “Folha de São Paulo”. O autor é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita".  (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saudeciencia/124479-boson-de-higgs-e-simetrias.shtml). [Imagem do Google acrescentada por este blog ‘democracia&política’].

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