domingo, 13 de outubro de 2013

MARINA+EDUARDO: Vice-Presidente do PSB ANALISA FALIDO ATUAL SISTEMA POLÍTICO

 Por Roberto Amaral

RÉQUIEM PARA UM SISTEMA FALIDO

"Os salões da Câmara dos Deputados foram poucos para abrigar, na semana passada, as turbas atraídas pelo tráfico das legendas e dos mandatos comprados ou alugados até à próxima infidelidade. Transformada em mafuá – com seus salões e seus gabinetes convertidos em covis da traficância – a Câmara foi cenário adequado de um réquiem para um velho morto, o sistema partidário brasileiro, que, na semana passada, concluiu seu suicídio de décadas.

Por Roberto Amaral, na revista "Carta Capital"

 Os salões e os gabinetes projetados por Niemeyer para o fazer político foram poucos e pequenos para abrigar as turbas atraídas pelo tráfico das legendas e dos mandatos, os leilões que ditavam a valia monetária de mandatos conspurcados, comprados (ou alugados até à próxima infidelidade) ao bater do martelo.

Assim, em horas, foram construídos verdadeiros valhacoutos tratados juridicamente como se partidos fossem, súcias sem caráter político, sem programa, sem ideologia, sem nada, a não ser talões de cheque, promessas de cargos e verbas.

Em nome de um pragmatismo pedestre, a política é expulsa da política. Em poucas horas, com a conivência de direções partidárias que jamais zelaram pela fidelidade de seus quadros – imposta pelo STF-- mais de cinquenta deputados federais (um tanto mais de deputados estaduais, vereadores e prefeitos) transferiram-se das legendas pelas quais haviam sido eleitos, direções estaduais foram alugadas ou cedidas mediante pregão, e assim, da noite para o dia, dos covis para a luz do sol, surgem partidos caleidoscópios, sem cor alguma, porque contêm todas as cores.

Partidos papel em branco, capazes de aceitar toda e qualquer vontade, todo e qualquer projeto, engenhos jurídico-burocráticos sem a menor representatividade sociológica. Partidos nos quais os dirigentes são substituídos por gerentes.

Diante da recorrente inação legiferante do Congresso, e da omissão dos Partidos, o TSE, em 2007, em decisão posteriormente confirmada pelo STF que abonou sua constitucionalidade, reconheceu como pertencente ao Partido, e não ao eleito (parlamentar chefe de executivo), o mandato popular.

Assim, ao desfiliar-se sem justa causa (v.g. perseguição política), o titular perdia o mandato e não levava consigo o tempo de televisão a que lhe correspondia, que ficavam, mandato e tempo de televisão e Fundo Partidário, com o Partido pelo qual fora eleito, a não ser, entre outras, -- eis a janela aberta inventada para inutilizar a regra--, na hipótese de nova agremiação.

Posteriormente, decisão monocrática de um ministro do STF passou a admitir que o trânsfuga levasse consigo, mesmo quando sua votação não houvesse atingido o quociente eleitoral, além do mandato, o tempo de televisão, na contramão do dispositivo legal que determina que, para os efeitos do cálculo do tempo de televisão e da quota-parte do Fundo Partidário, que se considere a bancada na data da instalação da Legislatura.

Estava dada a senha para a fraude, a indústria do partido novo, que permite os rearranjos sem risco de perda de mandado, e dá, ao novo ‘partido’ a seiva de que carece para as tramoias de toda ordem, o tempo de televisão, e os bons recursos do Fundo.

A desmoralização do sistema de partidos e a criminalização da política, que podem escrever o epitáfio da democracia, nutrem-se na falência do sistema eleitoral e do sistema partidário. Isso é um óbvio cediço, e nem por isso convincente, pois todos o repetem para permanecerem de braços cruzados. Reforma, reforminha, agora, só em 2015 para valer para as eleições de 2016. Mas quem vai fazê-la? Os parlamentares que, em sua maioria, serão prejudicados por qualquer correção?

Com a autoridade que lhe sobra, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Valor. 6/10/2013), põe de manifesto o que este escriba, e outros mais prestigiosos, vêm escrevendo neste espaço eletrônico: "A reforma política enfrenta um impasse: o Congresso Nacional, que é o lugar por excelência para conduzi-la, é composto de parlamentares, por atores que não são neutros em relação às soluções que venham a ser dadas. Todas as pessoas que estão lá serão diretamente afetadas por qualquer mudança. Na prática, não se consegue produzir consenso".

Como desfazer esse nó górdio antes que ele estrangule a política?

A alternativa, volta a falar o ministro, pode ser o Plebiscito sugerido pela presidente Dilma e criticado à direita e à esquerda por aqueles muitos sabidos que só aceitam as reformas quando feitas para que nada mude. Seria um plebiscito, segundo entendo, mediante o qual o cidadão concederia poderes constituintes ao próximo Congresso a ser eleito, para, por exemplo, no prazo de um ano, elaborar as reformas, reformas indicadas na própria consulta, reformas as quais, para evitar a burla, seriam confirmadas ou não mediante referendo.

O plebiscito seria convocado ainda em 2013 e respondido juntamente com as eleições parlamentares de 2014. Mas, um Congresso eleito nos termos dessa legislação e dos vícios de hoje poderá fazer as reformas que o povo, exemplarmente paciente, pede nas ruas?

Poderemos, porém, apostar todas as fichas da salvação da política numa reforma jurídico-legislativa operada na cúpula, e, como necessariamente, à margem da sociedade infelicitada? Qual reforma pode salvar de seu esvaziamento simbólico partidos sem vida, desprovidos de conteúdo? Como trazer de volta à política partidos que renunciaram à representação, que, dominados pela burocracia, optaram pelo pragmatismo que mata a utopia?

Roberto Esposito (La Republica, 7/5/2012), antes de nosso junho de 2013, perguntava: "Onde nasce essa desafeição que pervade as nossas sociedades até a borda? O que afasta cada vez mais a linguagem dos políticos daquele cruzamento de impulsos, emoções, esperanças que molda a nossa experiência? E por que, talvez nunca como hoje, a onda longa da política parece se inchar no tsunami da antipolítica"?

Serão mesmo nossos partidos, os partidos brasileiros, em sua maioria, suicidas, posto que a eles, por definição, não deveria interessar a antipolítica que, promovida pelo seu autoesvaziamento, terminará por devorá-los? A verdade é que alguma coisa corrói, como caruncho, a maioria de nossos partidos; algo os molesta, como uma psicose coletiva que os leva a ceder a uma pulsão autodestrutiva, na medida em que se apartam da quimera coletiva e deixam de ser instrumento de realização dos sonhos e das utopias que movem as massas.

No Brasil, há um elemento a mais, que a irrupção de junho parecia haver espancado: a permanente ausência do povo-massa, a síndrome da casa grande, onde reinam os ‘eleitos’ (pelos deuses) e a senzala, o Brasil real onde mora e trabalha o povo, o povo objeto. Que sociedade representaria o sistema partidário (e político e eleitoral) brasileiro, herdeiro de um autoritarismo larvar que se expressa em todas as atividades sociais (a começar pelas relações familiares mas que compreende as desigualdades sociais de gênero e cor, a homofobia e o preconceito racial) e encontra seu refinamento nas relações políticas?

Acerta quem disser que é a nossa classe dominante, forânea, despida de valores democráticos, rentista do erário, sem perspectiva de futuro, vivendo o hoje pelo hoje, sem compromisso de nação e sem consciência de povo."

FONTE: escrito por Roberto Amara, cientista político e ex-ministro da Ciência e Tecnologia entre 2003 e 2004., Transcrito no portal "Vermelho"  (
http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=226639&id_secao=1).

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