sexta-feira, 25 de outubro de 2013

O BRASIL E AS "POTÊNCIAS EMERGENTES"


Por José Luís Fiori, cientista político, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

"A categoria das potências emergentes pode gerar inciativas diplomáticas importantes, mas o mais provável é que perca coesão e eficácia ao longo do século XXI.

Considerar a China uma "potência emergente", é no mínimo um descuido etnocêntrico ou um grave erro histórico; mas no caso da Rússia, é uma tentativa explícita de diminuir a importância de uma nação que assombra os europeus desde que os soldados de Alexander Nevsky derrotaram e expulsaram do território russo os cavaleiros teutônicos germânicos e suecos, na famosa Batalha do lago Chudskoie, em 1242. E que no século XX alcançou, em poucas décadas, a condição de segunda maior potência econômica, militar e atômica do mundo. Apesar disso, se tornou um lugar comum colocar esses dois países na categoria das “potências emergentes”, ao lado da Índia e do Brasil, e a própria África do Sul que acabou sendo incluída na produção midiática do grupo BRICS.

A somatória simples indica que o peso demográfico e econômico desses cinco países é considerável. Juntos, governam cerca de 3 bilhões de seres humanos, quase metade da população mundial, e desde 2003, o crescimento do grupo representou 65% da expansão do PIB mundial. O Produto Interno Bruto desses países já é de cerca de U$ 29 trilhões, ou seja, 25% do PIB mundial, e já é superior ao dos EUA e da União Europeia, tomados isoladamente, pela paridade do "poder de compra".

A formação de um grupo de cooperação diplomática e econômica, e a existência de um fluxo comercial e financeiro significativo dentro desse grupo de países é um fato novo e pode vir a ser a base material de algumas parcerias setoriais e localizadas, entre todos ou alguns deles. Mas não é suficiente para justificar uma "aliança estratégica" entre esses cinco países que ocupam posição de destaque, nas suas regiões, pelo seu tamanho, território, população, e economia, mas são muito diferentes, do ponto de vista de sua inserção internacional, geopolítica e econômica.

Logo depois da dissolução da União Soviética, e durante toda a década de 90, muitos analistas vaticinaram o fim da grande potência eurasiana. Mas a Rússia já foi destruída e reconstruída muitas vezes através da sua história milenar. Por sua vez, China e Índia controlam um terço da população mundial, possuem 3.200 quilômetros de fronteiras comuns, possuem arsenais atômicos e sistemas balísticos de longo alcance, e já se enfrentaram em várias guerras. Dentro do xadrez geopolítico asiático, China e Índia disputam várias zonas de influência sobrepostas, e possuem algumas alianças regionais antagônicas.

Por sua vez, Brasil e África do Sul compartem com os gigantes asiáticos o fato de serem as economias mais importantes de suas respectivas regiões, e de serem responsáveis por uma parte expressiva do produto e do comércio da América do Sul e da África. Mas os dois países não têm disputas territoriais com seus vizinhos, não enfrentam ameaças externas imediatas à sua segurança, e não são potências militares relevantes. Mesmo assim, o Brasil é mais extenso, populoso, rico e industrializado do que a África do Sul, dispõe de recursos estratégicos, tem capacidade para ser autossuficiente do ponto de vista alimentar e energético e possui uma importância e projeção regional, política e econômica dentro da América do Sul, muito maior do que a da África do Sul dentro do continente africano. E por isso também, o Brasil também tem, no médio prazo, potencial de expansão pacífica e de projeção internacional de sua influência muito maior que a dos africanos, e talvez, mais desempedida ou desbloqueada do que a dos russos e dos asiáticos.

Nas próximas décadas, o mais provável é que a Rússia tente reverter suas perdas depois do fim da Guerra Fria, e se proponha um imediato retorno ao núcleo central das grandes potências, deixando de ser "potência emergente". Enquanto a China tende a se afastar de qualquer aliança que restrinja sua ação no tabuleiro internacional, já na condição de quem participa diretamente da gestão econômica do poder mundial. Por sua vez, a Índia não tem nenhuma perspectiva nem projeto expansivo global e deve se dedicar, cada vez mais, ao seu "entorno estratégico", onde a expansão da China aparece como sua principal ameaça regional.

Comparado com esses três “países continentais”, o Brasil tem menor importância econômica do que a China e muito menor poder militar do que a Rússia e a Índia. Mas, ao mesmo tempo, o Brasil é o único desses países que está situado numa região onde não enfrenta disputas territoriais com seus vizinhos, e por isso, é o país com maior potencial de expansão pacífica dentro da sua própria região. Por último, o Brasil, mais do que a África do Sul, deve manter e ampliar sua posição de estado relevante dentro do sistema mundial, mas com pouca capacidade ainda de projetar seu poder fora do seu "entorno estratégico", durante as próximas décadas.

Somando e subtraindo, a categoria das "potências emergentes" pode gerar inciativas diplomáticas importantes, mas o mais provável é que esse grupo perca coesão e eficácia, na medida em que o século XXI for avançando, e que cada um desses cinco países seja obrigado a tomar o seu próprio caminho, mesmo na contramão dos demais, na luta pelo poder e pela riqueza mundial."

FONTE: escrito por José Luís Fiori, cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Artigo publicado no site "Carta Maior"  (http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/O-Brasil-e-as-potencias-emergentes-/29291).

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