terça-feira, 26 de novembro de 2013

AS CONSEQUÊNCIAS DO DECLÍNIO AMERICANO


Quando o enfraquecimento da potência hegemônica se torna nítido, abre-se período de caos geopolítico. Surge, além das oportunidades, risco de loucuras destrutivas.

Por Immanuel Wallerstein, no “Outras Palavras”

Tenho sustentado, há muito, que o declínio dos Estados Unidos como potência hegemônica começou por volta de 1970. E que esse processo, no início lento, precipitou-se durante a presidência de George W. Bush. Comecei a escrever sobre o tema em 1980. À época, a reação a tal argumento, em todos os campos políticos, foi rejeitá-lo como absurdo. Nos anos 1990, acreditava-se em todas as faixas do espectro político que, ao contrário, os EUA tinham alcançado o ápice de seu domínio unipolar.

No entanto, depois do estouro da bolha financeira, em 2008, a opinião de políticos, teóricos e do público em geral começou a mudar. Hoje, uma ampla percentagem das pessoas (embora não todas) aceita a realidade de, ao menos, algum declínio relativo do poder, prestígio e influência norte-americanos. Nos EUA, esse fato é aceito com muita relutância. Políticos e teóricos rivalizam-se em apresentar fórmulas sobre como o declínio ainda pode ser revertido. Acredito que ele é irreversível.

A questão real, a meu ver, é sobre as consequências do declínio. A primeira é clara redução da capacidade dos EUA para controlar a situação mundial, e em particular a perda de confiança, por parte dos que eram os principais aliados de Washington. No último mês, devido às evidências apresentadas por Edward Snowden, soube-se que a Agência de Segurança Nacional norte-americana (NSA) espionou diretamente os principais líderes da Alemanha, França, México e Brasil, entre outros (assim como, é claro, inúmeros cidadãos desses países).

Estou certo de que os EUA se envolveram em atividades similares em 1950. Mas em 1950, nenhum desses países teria ousado transformar sua ira em escândalo público, ou em reivindicar que os EUA interrompessem a ação. Se o fazem hoje, é porque agora os EUA precisam deles mais do que eles próprios precisam dos EUA. Os líderes atuais sabem que os EUA não têm outra escolha exceto comprometer-se – como fez o presidente Obama – a cessar essas práticas (mesmo que os EUA não pretendam cumprir a promessa…). E os líderes desses quatro países sabem, todos, que sua posição interna será fortalecida, e não enfraquecida, por apontarem publicamente para o nariz de Washington.

Até o momento, enquanto a mídia debate o declínio norte-americano, a maior parte das atenções voltam-se para a China, como um potencial novo “hegemon”. Também aqui, há falta de percepção. A China é, sem dúvida, um país cuja potência geopolítica está em ascensão. Mas chegar ao papel de potência hegemônica é processo longo e árduo. Em condições normais, qualquer país precisaria de, ao menos, outro meio século para tornar-se capaz de exercer poder hegemônico. É um longo intervalo, durante o qual muito pode acontecer.

Num primeiro momento, não há sucessor imediato para o papel. O que costuma acontecer, quando o enfraquecimento da antiga potência hegemônica torna-se nítido para outros países, é que a relativa ordem do sistema-mundo é substituída por luta caótica entre múltiplos polos de poder, nenhum dos quais pode controlar a situação.

Os EUA ainda são um gigante, mas gigante com pés de barro. Ainda têm a força militar mais poderosa, mas não são muito capazes de usá-la em seu proveito. Tentaram minimizar seus riscos concentrando-se em guerras de drones. O ex-secretário de Defesa Robert Gates acaba de denunciar que essa visão é totalmente irrealista
 do ponto de vista militar. Ele lembra que as guerras só são vencidas com tropas no chão, e o presidente dos EUA está agora sob enorme pressão, vinda de políticos dos dois partidos e do sentimento popular, para não usar tropas no chão.

O problema, para todo mundo, numa situação de caos geopolítico, é o alto nível de ansiedade que ela produz e os riscos que oferece para que prevaleçam loucuras destrutivas. Os EUA, por exemplo, podem não ser mais capazes de vencer guerras, mas podem causar enorme dano para si mesmos e para outros por meio de ações imprudentes. Todas as suas tentativas de agir no Oriente Médio foram derrotadas.

No presente, nenhum dos atores na região (sim, eu disse “nenhum”) aposta mais no taco dos EUA. Isso inclui Egito, Israel, Turquia, Síria, Arábia Saudita, Iraque, Irã e Paquistão (para não falar da Rússia e China). Os dilemas políticos resultantes para os Estados Unidos foram tratados em grande detalhe no “New York Times”. A conclusão do debate interno a respeito, no governo Obama, foi um compromisso muito ambíguo, que leva o presidente a parecer vacilante, ao invés de forte.

Por fim, podemos estar certos de duas consequências reais na próxima década. A primeira é o fim do dólar como moeda de último recurso. Quando isso acontecer, os EUA terão perdido grande proteção para seu orçamento e para o custo de suas operações econômicas. A segunda é o declínio – provavelmente sério – no padrão de vida relativo dos cidadãos e residentes nos EUA. As consequências políticas desse último movimento são difíceis de prever em detalhe, mas não serão irrelevantes.”

FONTE: escrito por Immanuel Wallerstein, no blog “Outras Palavras”. Tradução de Antonio Martins. Transcrito no portal “Vermelho”  (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=229824&id_secao=9). [Imagem do Google adicionada oor este blog ‘democracia&política’].

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