terça-feira, 7 de janeiro de 2014

A IMPUNE “LISTA DE FURNAS” E O CINISMO DA JUSTIÇA PARTIDARIZADA

O deputado estadual Rogério Correia, que levou xerox da lista à Polícia Federal

AINDA IMPUNE A CORRUPÇÃO DO PSDB DESVENDADA PELA “LISTA DE FURNAS”

LISTA DE FURNAS: CAIXA DE CAMPANHA DE R$ 39,9 MILHÕES, RESULTADO DE FRAUDES, AINDA NÃO DEU CADEIA

Alckmin, Aécio e Serra ficaram livres da Lista de Furnas

Por Lúcia Rodrigues, em Belo Horizonte, especial para o “Viomundo”

“Quem pensa que o ‘mensalão do PSDB’ é o único esquema de corrupção do partido que está impune, se engana. A sigla está envolvida em, pelo menos, outro escândalo de desvio de recursos que não foi julgado até agora [por coincidência, a PGR e o STF não encontram tempo para julgar crimes da direita, dos demotucanos], apesar de a Polícia Federal ter atestado a autenticidade do documento-chave para a denúncia.

O “mensalão tucano”, recorde-se, ajudou a financiar a campanha de 1998, quando Fernando Henrique Cardoso se reelegeu ao Planalto e Eduardo Azeredo, do PSDB, foi derrotado na disputa pelo governo de Minas Gerais por Itamar Franco.

Nas eleições de 2002, os tucanos promoveram outra forma de arrecadação de recursos para financiar suas campanhas e as de seus aliados. O esquema previa o repasse de dinheiro [público] por meio de licitações superfaturadas da empresa [estatal] Furnas Centrais Elétricas S.A.

Na ocasião, Aécio Neves era candidato a governador de Minas, Geraldo Alckmin concorria em São Paulo — ambos foram eleitos — e José Serra disputou com Lula o Planalto.

A chamada “Lista de Furnas”, como ficou conhecida a estratégia de financiamento montada pelos tucanos, rendeu milhões de reais [principalmente de recursos públicos desviados] para financiar campanhas.

Denúncia da Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro classifica o esquema como criminoso.

O delator do “mensalão tucano”, Nilton Monteiro, que também é o responsável pelo vazamento de informações sobre a lista, informou à procuradora Andréa Bayão Pereira, autora da ação do MPF, que os recursos eram controlados em “um fundo” (caixinha).

A “Lista de Furnas”, documento de cinco páginas assinado por Dimas Fabiano Toledo, à época diretor de Planejamento, Engenharia e Construção de Furnas e operador do esquema, traz os nomes de mais de 150 políticos beneficiários, assim como uma centena de empresas financiadoras. No alto de cada folha se lê a advertência: “confidencial”.

Esses recursos eram controlados em um fundo formado com valores obtidos junto às diversas empresas que mantinham contratos com Furnas” afirma Nilton Monteiro em seu depoimento à procuradora. Ele explica que os empresários que queriam atuar em Furnas tinham de contribuir com esse fundo. “Caso contrário, não conseguiriam realizar nenhum contrato na empresa estatal.”

O deputado estadual Rogério Correia (PT-MG), primeiro a entregar uma cópia da “Lista de Furnas” à Polícia Federal, conta como o esquema funcionava.

Ele obteve o xerox do documento com o delator do mensalão tucano. “Quando ele me passou a Lista de Furnas, eu tomei um susto”, relata.[ouvir em https://soundcloud.com/azenha/contrato-em-troca-de-financiar].

O laudo da Polícia Federal atesta que o documento é autêntico. O pedido de perícia foi feito pelo parlamentar.

Na época, o Nilton Monteiro, e até hoje provavelmente, não ficou satisfeito comigo. A intenção dele não era entregar (a lista) à Polícia Federal. Ele tinha aquilo para fazer suas negociações com o lado de lá”, afirma ao se referir às tentativas do delator de arrancar vantagens dos ex-aliados tucanos.

Nilton Monteiro, que trabalhou com o empresário Sergio Naya, ex-deputado federal por Minas Gerais, operava nos bastidores da política do estado e tinha intimidade com figuras importantes do ninho tucano nas Alterosas.[ouvir em https://soundcloud.com/azenha/pf-e-mpf-comprovam].

DESVIO DE MILHÕES DE REAIS

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, então candidato ao cargo, o ex-governador José Serra, que disputava a Presidência da República, e o senador Aécio Neves, à época candidato ao governo de Minas Gerais, foram os principais beneficiários do esquema de corrupção milionário do PSDB.

Pela lista, Alckmin foi quem mais recebeu recursos: R$ 9,3 milhões, R$ 3,8 milhões distribuídos no primeiro turno e R$ 5,5 milhões repassados no segundo [valores não atualizados]. Serra foi beneficiado com R$ 7 milhões, R$ 3,5 milhões vieram no primeiro turno e o restante no segundo. Aécio aparece como beneficiário de R$ 5,5 milhões, quantia repassada em uma única parcela. [ouvir em https://soundcloud.com/azenha/movimento-de-um-dinheira-o].

Alckmin e Aécio foram eleitos, Serra perdeu a eleição para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB) e o deputado federal José Aníbal (PSDB), que disputavam uma cadeira no Senado pelo Rio e por São Paulo, respectivamente, receberam R$ 500 mil cada um.

Eduardo Azeredo (PSDB), ex-governador de Minas e então candidato ao Senado, recebeu R$ 550 mil. Já o candidato a outra vaga no Senado por Minas, Zezé Perrella (PSDB-MG), pai do deputado estadual Gustavo Perrella, dono da empresa proprietária do helicóptero apreendido pela Polícia Federal, no Espírito Santo, com quase meia tonelada de cocaína, foi beneficiado com R$ 350 mil. Ao lado do nome de Zezé Perrella e do montante repassado, aparece a informação entre parênteses: “autorização de Aécio Neves”. Esse é o único caso em toda a lista em que se encontra esse tipo de justificativa.

O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSDB), candidato a deputado federal à época, foi beneficiário de R$ 250 mil. O ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD), que também disputava uma cadeira na Câmara dos Deputados, recebeu R$ 100 mil.

Luiz Antonio Fleury Filho, ex-governador de São Paulo, eleito na época deputado federal pelo PTB, também se beneficiou do mesmo valor. Quantia equivalente foi entregue ao filho do ex-delegado da Polícia Federal Romeu Tuma, o ex-deputado federal Robson Tuma (PTB-SP), assim como ao ex-presidente da Força Sindical e ex-deputado federal Luiz Antonio de Medeiros (PL-SP). Ao senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) foram destinados R$ 50 mil.

Antonio Carlos Pannunzio, eleito em 2012 prefeito de Sorocaba, aparece na lista como recebedor de R$ 100 mil para sua campanha a deputado federal.

O delator do mensalão petista, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), também foi beneficiado pelo esquema de corrupção tucano. Recebeu R$ 75 mil [ele confirmou esse recebimento, em público].

Valdemar Costa Neto, condenado no mensalão petista, recebeu R$ 250 mil do PSDB por meio do desvio fraudulento de recursos.

O capitão do Exército e deputado federal pelo Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro (PP), crítico dos direitos humanos e árduo defensor da ditadura militar, foi beneficiado com R$ 50 mil do esquema corrupto desencadeado pelos tucanos.

Andrea Neves, irmã do senador Aécio Neves, também recebeu R$ 695 mil, para repassar a comitês e prefeitos do interior do Estado de Minas Gerais.

O deputado Rogério Correia explica que, além do laudo da Polícia Federal atestando a veracidade da Lista de Furnas, há também o relatório da Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro, de janeiro de 2012, que chegou à mesma conclusão por outras vias. .[ouvir em https://soundcloud.com/azenha/pf-e-mpf-comprovam].

EMPREITEIRAS E BANCOS

As construtoras Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, OAS e Odebrecht são algumas das empreiteiras que também financiaram o esquema de corrupção do PSDB. O Banco do Brasil, Bank Boston, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Itaú, Opportunity e Rural são algumas das instituições financeiras que também injetaram dinheiro no esquema.

A Alstom e a Siemens, envolvidas mais recentemente no esquema de superfaturamento de trens do Metrô e da CPTM comprados pelo governo tucano paulista, também aparecem na lista. As agências de publicidade de Marcos Valério, DNA e SMP&B, também contribuíram.

Petrobras, Vale do Rio Doce, CSN, Mitsubishi, Pirelli, Eletropaulo, Gerdau, Mendes Júnior Siderúrgica, General Eletric e CEMIG são algumas entre as mais de uma centena de empresas públicas e privadas que aparecem como financiadoras.

Os fundos de previdência privada dos funcionários da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, respectivamente, Petros, Previ e Funcef, também são mencionados na lista. A Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, a FIRJAN, foi outra que destinou recursos para o esquema tucano.

Isso apesar de o Tribunal de Contas da União ter detectado direcionamento de contratos de Furnas em favor de determinadas empresas e superfaturamento nas licitações.

Auditoria da Controladoria Geral da União realizada em 2006 constatou falhas no processo licitatório de Furnas: fraudes, desperdícios, abusos e práticas e projetos antieconômicos e inadequados às necessidades da empresa.

Mesmo com todas as evidências, o processo sobre a “Lista de Furnas” está parado [engavetado], segundo o deputado Rogério Correia.

O esquema operado por Dimas Toledo o fazia tão poderoso que Aécio Neves, eleito governador de Minas, negociou com o então presidente Lula a sua permanência na direção de Furnas.

“O que deixou a bancada do PT bastante insatisfeita, porque Dimas Toledo arquitetava tudo contra o PT, especialmente no sul de Minas”, frisa o deputado Correia [ouvir em https://soundcloud.com/azenha/processo-da-lista-est-parado].

Curiosamente, o filho de Dimas Toledo, Dimas Fabiano Toledo Jr., hoje deputado estadual em Minas, aparece na lista como tendo recebido R$ 250 mil.

GÊNESE DO MENSALÃO PETISTA

A “lista de Furnas” revela financiamento “democrático”. Embora organizada por gente ligada ao PSDB, irrigou as campanhas de uma ampla base de políticos, de vários partidos [aliados]. Em tese, seriam aqueles que ajudariam a dar sustentação parlamentar a um eventual governo de José Serra, não tivesse o paulista sido derrotado por Lula em 2002.

Apesar da derrota de Serra, Alckmin e Aécio se elegeram governadores, garantindo a influência política dos tucanos em dois estados-chave da federação.

A “democracia”, na hora de destinar verbas de campanha, expressa na “lista de Furnas”, não era exatamente uma novidade nos esquemas de Minas Gerais.

Em 1998, mais de [Entre os 150 que receberam] 30 candidatos do Partido dos Trabalhadores no estado foram beneficiados com recursos do mensalão tucano.

Relatório da Polícia Federal, de 172 páginas, sobre o “mensalão do PSDB” aponta que esses candidatos do PT receberam R$ 880 mil pelo esquema.

Rogério Correia é contundente na crítica aos colegas de partido.

Para acertar contas de campanha, receberam recursos de Eduardo Azeredo, já no esquema do mensalão. Isso teria sido negociado via Walfrido dos Mares Guia… Achei isso lamentável. O PT já começava naquela época a ter uma relação com a instituição onde se confundia com as artimanhas que a institucionalidade coloca, com o cretinismo da institucionalidade”, alfineta.

Para ele, o PT acreditou que a impunidade que existia para o PSDB iria se confirmar no caso do partido.

“Isso é uma ilusão. A palavra melhor é ilusão de classes… O PT ‘quebrou a cara’ por uma visão errada do ponto de vista ideológico de setores do partido que acham que a luta de classes acabou… Isso é uma ilusão terrível que tem dentro do PT”, fustiga.

Pela semelhança entre o esquema tucano e o que seria revelado mais tarde, envolvendo o PT, Rogério Correia critica o Supremo Tribunal Federal e o Ministério Público Federal. [De forma ridícula e grosseiramente suspeita] deram tratamento "diferenciado" aos dois esquemas. [ouvir em https://soundcloud.com/azenha/stf-e-mpf-deram-tratamento].

O parlamentar exemplifica com o caso do publicitário Marcos Valério.

No mensalão petista, foi julgado em Brasília, pelo STF, apesar de não ter foro privilegiado.

Julgando em conjunto, teria sido mais fácil condenar um número maior de réus, inclusive os acusados de liderarem o esquema: o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoíno e o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares.

Já no mensalão tucano, anterior, o tratamento dispensado a Valério foi diferente. [ouvir em https://soundcloud.com/azenha/stf-e-mpf-deram-tratamento].

Marcos Valério operava ao mesmo tempo para o Partido dos Trabalhadores e para o PSDB.

“Operava para o PSDB em Minas e para o PT nacionalmente. O mesmo esquema de caixa dois era usado pelos dois partidos. Olha o absurdo”, lamenta.

A opção ideológica [partidária] do Supremo Tribunal Federal e Ministério Público Federal é, na opinião de Rogério Correia, o fator que impediu uma apreciação sobre o relatório assinado pelo delegado da Polícia Federal Luís Flávio Zampronha de Oliveira.

O relatório sobre o mensalão tucano oferece, na avaliação de Correia, provas muito mais claras de que houve uso de dinheiro público para financiar campanhas eleitorais.

No entanto, o caso foi desmembrado. Os políticos que receberam dinheiro do esquema escaparam do processo. Considerou-se que “eram beneficiários de caixa dois” [para demotucanos, isso não é considerado crime...].

Ficaram para julgamento em Brasília apenas os operadores do esquema que tinham foro privilegiado, o ex-presidente do PSDB e hoje senador Eduardo Azeredo entre eles.

O parlamentar refuta a expressão “mensalão”, cunhada por Roberto Jefferson.

Para Rogério Correia, os dois esquemas envolveram "caixa dois para sustentação de campanhas eleitorais" — e não para a compra de votos.

Também eles (base aliada do PSDB) votavam com o governo, sempre votaram com o Azeredo, na Assembleia Legislativa, e com o Fernando Henrique, na Câmara Federal, como é o caso do Aécio Neves. Se é para dizer que era compra de votos, todos seriam…”, ressalta.

Ele não nutre expectativa em relação [ao julgamento e] à punição de políticos do PSDB. .[ouvir em https://soundcloud.com/azenha/na-o-tem-expectativa]”.

FONTE: reportagem de Lúcia Rodrigues, em Belo Horizonte, especial para o portal “Viomundo”  (http://www.viomundo.com.br/denuncias/lista-de-firnas.html). [Trechos entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].

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