terça-feira, 7 de janeiro de 2014

BRASIL-EUA: O ROMANCE QUE MORREU ANTES DE NASCER


Dilma não parecia totalmente convencida com a forte aproximação com os Estados Unidos tecida desde 2011 por seu chanceler Antonio Patriota.

Por Dario Pignotti

“Foi o ano diplomático menos imaginado. No dia 31 de maio de 2013, quando o vice-presidente norte-americano Joe Biden desembarcou em Brasília para definir a letra pequena dos acordos que seriam firmados durante a cúpula entre Dilma Rousseff e Barack Obama, ninguém, possivelmente nem a presidenta, imaginava qual seria o desenlace dessa aproximação com Washington, sem precedentes em 11 anos de governos do Partido dos Trabalhadores.

"Não há obstáculo que não possa ser superado por nossos países… estamos ansiosos por recebê-la (Dilma) em outubro em Washington" assegurava Joe Biden ao deixar o Palácio do Planalto com seu sorriso invicto [certamente, o sorriso era também cínico, pois ele fora para a reunião com Dilma já conhecendo o conteúdo espionado pela NSA dos telefonemas e e-mail da presidente com seus ministros, do Ministro da Defesa com o Cmt da Aeronáutica e muito mais].

Não é usual que Dilma receba vice-presidentes em seu gabinete e, se o faz, é para cumprir algum protocolo rápido: o fato de ter concedido 90 minutos de seu tempo ao número dois da Casa Branca alimentou especulações fundamentadas sobre o tamanho dos pactos que estavam sendo gestados. Porta-vozes anônimos do governo, possivelmente alguma fonte militar interessada, deixaram transcender que, depois da conversa com o emissário de Obama, a presidenta havia resolvido comprar 36 caças F-18 Super Hornet fabricados pela Boeing, uma das empresas que formam o complexo industrial militar norte-americano, cujo poderio gigantesco cresceu ainda mais depois da declaração de “guerra ao terror” [pretexto para muita ações mundo afora?] anunciada em 2001 por George Walker Bush, a partir dos atentados contra as Torres Gêmeas nova-iorquinas [eventos muito estranhos e com investigações abafadas até hoje].

O sorriso, agora vitorioso, de Joe Biden ao apertar a mão do sempre contido chanceler Antônio Patriota marcava o momento mais regressivo da política externa brasileira desde 2003, com a virtual queda da posição "altiva" frente à Casa Branca concebida sob o mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, secundado por seu ministro de Relações Exteriores Celso Amorim e o assessor especial Marco Aurélio García, uma troika que se completava com Samuel Pinheiro Guimarães, o "enfant terrible " do Itamaraty, a quem coube a tarefa de revisar planos de estudo e sistemas de admissão na inexpugnável estrutura do Serviço Exterior.

Autor de livros seguidamente citados por Hugo Chávez, Pinheiro Guimarães havia sido condenado ao ostracismo pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nos anos 90, como escarmento por ter denunciado a “Área de Livre Comércio das Américas” [nociva ao Brasil, mas muito desejada pela direita, pelo PSDB e pelos EUA].

Dilma, conhecida por suas posições nacionalistas de esquerda, não parecia totalmente convencida com a aproximação abusiva com os Estados Unidos tecida desde 2011 por seu chanceler Antônio Patriota.

A fim de estabelecer comparações, poderíamos situar Patriota nas antípodas de Amorim e Pinheiro Guimarães: [Antonio Patriota,] diplomático submisso aos poderes estabelecidos no Itamaraty, muito bem relacionado em Washington, onde se desempenhou como embaixador, e um dos brasileiros prediletos da ex-secretária de Estado Hillary Clinton, que costuma chamá-lo de "meu amigo Antônio". Afeto que é recíproco.

Rousseff costuma se pronunciar através de gestos e, com frequência, suas feições pareciam de uma mulher obrigada a calçar sapatos dois números menores aos de sua forma cada vez que aparecia em público junto a Patriota, isso especialmente depois da incompetência com que este atuou frente ao golpe [de direita] que derrubou o ex-presidente paraguaio Fernando Lugo em junho de 2012.

Em rigor, Patriota foi algo assim como o chanceler de uma nota só, a de Washington, a despeito da agenda sul-americana na qual, depois da gafe paraguaia de 2012, se somou o escândalo boliviano de agosto de 2013, dado que a embaixada brasileira em La Paz foi cúmplice de um dos dirigentes opositores acusados de desestabilizar o presidente Evo Morales.

Essa assimetria diplomática a favor dos Estados Unidos era o desejado pelas facções do Palácio Itamaraty (Chancelaria) nostálgicas do mandato de Fernando Henrique Cardoso [que nos anos 90 disputava com o neoliberal argentino Menem quem teria mais relações carnais com os EUA], facções que tiveram que suportar com desgosto a heterodoxia e o latino-americanismo que imperaram durante os 8 anos de Lula-Amorim-García.

A verdade é que, em agosto de 2013, a política externa de Dilma, seguindo os postulados da velha guarda do Itamaraty, era criticada por baixo no PT enquanto parecia encaminhar-se a um pacto de subordinação relativa com Washington a ser rubricado na visita de Estado à Casa Branca, prevista para o dia 23 de outubro [coincidentemente, “Dia do Aviador” no Brasil].

Foi então, entre julho e setembro, que se conheceram centenas de documentos obtidos pelo ex-analista da NSA, Edward Snowden, revelando que, sob o pretexto de "caçar terroristas" imaginários, essa agência instalou uma central de operações clandestinas em Brasília [!!!] de onde foram violadas as comunicações de Dilma e roubados dados, provavelmente sensíveis, da petrolífera estatal Petrobras [e do Ministério das Minas e Energia].

Ofendida pela violação da soberania nacional perpetrada pelos Estados Unidos, Rousseff solicitou uma reunião urgente com Obama, na qual este não pôde dar as explicações exigidas, ao mesmo tempo em que admitiu ser impotente frente ao poder da comunidade de informações, prima-irmã do complexo industrial militar.

A fracassada conversa com Obama e, em menor medida, a queda de Patriota, fatos acontecidos no lapso de um mês, certificaram a morte da política externa inaugurada em 2011, e afirmaram o reencontro com várias das teses forjadas desde 2003.

A partir desse corte, inesperado e drástico, Dilma assumiu, em setembro do ano passado, o comando das relações exteriores, apresentando uma bateria de movimentos convergentes.

Suspendeu a visita de Estado a Washington, apesar dos esforços contrários realizados pelo sorridente Joe Biden e pelo secretário de estado John Kerry, também enviado a Brasília para reparar os danos causados pelo dossiê Snowden.

Propôs e obteve o acordo dos países do MERCOSUL para elaborar uma estratégia conjunta contra a espionagem eletrônica, iniciativa que posteriormente formulou, com algumas modificações, frente à Assembleia das Nações Unidas que, no mês passado, a aprovou com o apoio maciço dos países emergentes e de várias potências, como a Alemanha, apesar das reservas iniciais de Angela Merkel.

Pouco depois de assumir, o novo chanceler Luiz Alberto Figueireido empreendeu uma turnê por vários países, na qual qualificou a espionagem norte-americana como "inaceitável" e "violação aos direitos humanos".

Uma simples análise contrafactual autoriza supor que, se Dilma tivesse realizado a tão anunciada visita a Washington, provavelmente as petrolíferas norte-americanas teriam sido fortes candidatas [pois detinham dados aqui espionados] no leilão do superpoço de Libra, com 15 bilhões de barris, e os aviões Super Hornet da Boeing poderiam ter sido escolhidos pela Força Aérea para modernizar sua frota de “guerra” [defesa].

Como se sabe, nenhuma petrolífera estadunidense se inscreveu para disputar o campo de Libra, na licitação vencida em outubro por um consórcio encabeçado pela Petrobras, associada a duas companhias chinesas, uma francesa e uma anglo-holandesa.

E, em dezembro, o agora ministro de Defesa, embaixador de carreira Celso Amorim, seguindo instruções do Planalto, finalmente optou por comprar 36 caças-bombardeiros Gripen NG, de fabricação sueca, descartando os norte-americanos F-18, que antes do “datagate” pareciam imbatíveis.

Foram duas medidas de Estado que transcendem o conjuntural, nas quais se materializa uma guinada vantajosa para a autonomia nacional, assim como antipática para grupos hegemônicos das indústrias petrolífera e militar [norte-americanas], o que gera ressonâncias nas grandes empresas midiáticas [estadunidenses e nacionais].

Quem repasse a linha editorial da CNN, “The Economist” ou “The Financial Times” [e da grande mídia brasileira] advertirá como mudou o tratamento dado a Rousseff.

Deixou de ser aquela estadista de 2011 para tornar-se uma presidenta "intervencionista e contrária ao livre jogo das forças do mercado", um modelo inconveniente para os demais países latino-americanos, aos que se recomenda, desde essas usinas de opinião global, descartar o exemplo do Brasil e seguir o proposto pelo México do presidente Enrique Peña Nieto.”

FONTE: escrito por Dario Pignotti e publicado no site “Carta Maior”  (http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Brasil-EUA-o-romance-que-morreu-antes-de-nascer/6/29928). [Trechos entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].

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