sábado, 22 de fevereiro de 2014

Eleições: "QUEM DÁ MAIS?"




Quem dá mais? 


O que de pior poderia acontecer ao Brasil seria reduzir a eleição de outubro a uma gincana para escolher o melhor amigo dos mercados.

Por Saul Leblon

"O que de pior poderia acontecer ao Brasil neste momento seria reduzir a eleição de outubro a uma gincana para a escolha do melhor amigo dos mercados. Esta semana, Eduardo Campos abriu o seu baú e mostrou um pedaço dos dotes que pretende oferecer à praça.

Em troca de apoio e indulgência dos mercados, o neto que envergonharia o avô quer entregar um mandato fixo ao BC, com metas plurianuais de inflação e superávit fiscal.

Uma espécie de outro país dentro do Brasil.

Ao lado de um Presidente da República escolhido pelo voto direto, teríamos um presidente da republica do dinheiro. Com autonomia, e dotado de ferramentas calibradas e com abrangência suficiente para induzir e condicionar o destino do desenvolvimento, os limites da democracia, a sorte da sociedade.

Assessores do tucano Aécio Neves, sendo o economista Edmar Bacha o mais loquaz entre eles, não deixam por menos.

Um revival do PSDB no poder faria tudo isso e muito mais, asseguram pregoeiros de bico longo.

Por exemplo: deflagraria um "choque de eficiência" com a derrubada em série de tarifas sobre importações.

O que sobrasse da indústria local e do emprego seria de "primeira linha", garantem.

Outro arquiteto de países paralelos, o tucano Pérsio Arida, acha pouco a independência do BC.

Para ir além, sugere a independência da própria moeda nacional em relação ao governo.

Seu projeto, antigo fetiche do neoliberalismo verde-amarelo, é assegurar a conversibilidade automática do Real em relação ao dólar.

Viraria um anexo do dólar.

Terceirizar a moeda de uma nação é o equivalente econômico a renunciar ao monopólio da força por parte do Estado: abdica-se de um dos instrumentos cruciais na defesa do interesse público para entregar a sua gestão ao apetite privado.

A politica monetária vira uma espécie de Ucrânia nas mãos dos francos atiradores dos mercados.

O governo Dilma, sob as turquesas das agências de risco e da guerra de expectativas da mídia e do capital financeiro, falou a língua que eles entendem na última 5ª feira.

A oito meses das eleições, o governo cortou R$ 44 bilhões em investimentos, rebaixou a expectativa de crescimento do PIB para 2,5% e fixou o superávit fiscal em 1,9% do PIB.

O monólogo que anuncia tempos difíceis vai impondo a sua ordem unida na frente da produção, do dinheiro, do emprego e da própria política.

Por tempos difíceis, entenda-se a ampliação da margem de manobra dos capitais especulativos, que passam a ter na cambaleante recuperação das economias ricas um ponto de fuga adicional.

Graças a ele, amplificam seu já robusto poder de chantagem sobre nações, governos e candidatos do mundo em desenvolvimento.

Ninguém sabe exatamente qual o fôlego ou a consistência da dita recuperação.

Depois de quase sete anos de colapso da ordem neoliberal, os indicadores mostram um saldo de terra arrasada no emprego e nos índices sociais e saneamento financeiro.

Por exemplo: hoje, os fundos de investimento e de pensão têm 31% mais dinheiro do que o saldo anterior à crise. Com uma bolada equivalente a 75% do PIB mundial, eles detêm um poder de comando apreciável sobre bolsas, moedas, governos e economias carentes de capitais, de um modo em geral.

A narrativa conservadora faz o resto ao festejar o poder coercitivo adicional dessa alavanca, a cada suspiro na recuperação das economias ricas.

O cheiro da virada de ciclo já basta.

Massas monstruosas de capitais se movimentam pelo mercado, ou apenas ameaçam faze-lo, precificando hoje um amanhã que ninguém tem a certeza de quando virá nem como será.

Não importa: a incerteza é a água dos cardumes especulativos.

Governos, povos e nações precisam de chão firme: planejamento, regulação, metas de investimento, planos de crescimento de longo prazo.

O dinheiro grosso e os magos da arbitragem, ao contrário, respiram melhor debaixo do oceano da incerteza.

Ao não se confrontar as duas lógicas, sanciona-se um esbulho.

O do jornalismo econômico, por exemplo, que mantém intacta a fé nas virtudes do "laissez faire", como se 2007/2008 nunca tivessem existido no calendário econômico mundial.

A crítica cerrada ao Brasil por ter abandonado as "reformas amigáveis" abafa uma pergunta básica: 'Onde estaria o país hoje se a sua condução na crise tivesse sido obra dos sábios tucanos, por exemplo?'

O espelho europeu oferece a inquietante pista de que seríamos agora um grande Portugal.

Ou uma dilatada Espanha - um superlativo depósito de desemprego, ruína fiscal e sepultura de direitos sociais, com bancos e acionistas solidamente abrigados na sala VIP do Estado mínimo (para os pobres).

Incorporar os imperativos das agências de risco, sem abrir uma discussão com a sociedade sobre os desafios da transição em curso no desenvolvimento brasileiro, pode gerar, no imaginário social, o efeito de gigantesca empresa demolidora.

Marretas sabidas golpeiam dia e noite a confiança erigida ao longo de uma década de construção negociada da democracia social no país.

O desafio progressista é fazer o contraponto desse desmonte.

Mesmo ao ceder no varejo quando inevitável, é crucial reafirmar as linhas de passagem no atacado e distinguir um projeto de desenvolvimento da mera contabilidade pró-mercados.

O quadro latino-americano e mundial sinaliza inflexão de tempo histórico.
Não por acaso o site de "O Globo" de 5ª feira editava, como irmãs siamesas, as imagens dos conflitos em Caracas e em Kiev.

A mensagem é nada sutil: afrontar o "mainstream" leva ao caos.

Não por coincidência, no mesmo dia, Obama emitia ordens imperativas a Maduro e ao governo da Ucrânia.

Mitigada a crise no front interno das nações ricas, cuida-se de restabelecer a ordem nos quintais indóceis.

É nesse ponto que o timming das ações do governo, de qualquer governo, faz enorme diferença na reordenação em marcha da correlação de forças.

Cada gesto, cada decisão, cada anúncio adquire dimensão estratégica; a forma como as providências são comunicadas, ademais de sua projeção e escopo mais geral, sobre o qual não pode pairar dúvida, ganha importância decisiva na disputa pelos corações e mentes da sociedade.

Uma crise de incerteza tem um tempo certo para ser abortada, ou derrotará o governo, a produção, o emprego e o imaginário social.

Os tempos são outros; a globalização tornou tudo mais difícil, alega-se.

E é verdade.

Mas é verdade também que a lógica dos mercado não vai resolver os problemas que ela mesma criou.

Não se pode amesquinhar o único espaço no qual esse poder imperial se defronta com um outro de igual para igual: a luta política na democracia.

O governo Dilma disse aos mercados na 5ª feira como pretende zelar pelos seus interesses.

É preciso que diga, a partir de agora, e de forma contundente na campanha, como um novo mandato progressista vai construir a sua hegemonia dos interesses sociais mais amplos na travessia para o novo ciclo de desenvolvimento brasileiro."
FONTE: escrito por Saul Leblon em seu editorial no site "Carta Maior" (http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/130984/Secretário-fantasma-vive-nos-EUA-à-custa-do-CNJ.htm).

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