quinta-feira, 25 de setembro de 2014

OBAMA RETOMA NA ONU SEU DISCURSO MILITARISTA




Obama retoma discurso militarista para defender sua política na ONU

"Depois da presidenta Dilma Rousseff, que abriu os debates da Assembleia Geral da ONU na quarta-feira (24), o presidente Barack Obama podou um pouco da empáfia com que discursou no ano passado, até mesmo baixando o queixo, que manteve inclinado naquela sessão, quando afirmou que os EUA "se outorgavam o direito de intervir em todo o mundo". Mas, apesar de amenizar o tom, os preceitos do imperialismo estadunidense continuaram demarcados.

Por Moara Crivelente*, cientista política, para o portal "Vermelho"

O "destino manifesto" dos Estados Unidos para levar a sua “moral” e seus “valores” a todo o mundo é já um conceito batido, cunhado há mais de um século e empregado das mais variadas formas para justificar e promover o intervencionismo, às vezes às escuras, através dos golpes de Estado apoiados por seus serviços secretos, às vezes por meio dos "mercados" e da imposição institucional do liberalismo, ou, como ficou mais cru em uns governos do que em outros, através das “botas no terreno”, as invasões militares.

Obama flertou com todas as formas, cada uma em seu grau. Mas o tema desta 69ª sessão da Assembleia Geral foi definido como a agenda para o desenvolvimento global após 2015 – o prazo estabelecido para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – e por isso ele teve de conectar os tópicos da agenda estadunidense nessa linguagem e apresentá-la como "interesse global".

Dois pontos específicos do discurso da presidenta Dilma devem ter retumbado para Obama: a questão da espionagem e da proteção aos direitos civis, da privacidade e da democratização da Internet, e o retrógrado uso da força que, pontuou ela, “é incapaz de eliminar as causas profundas dos conflitos.”  Ela afirmou: “Isso está claro na persistência da Questão Palestina; no massacre sistemático do povo sírio; na trágica desestruturação nacional do Iraque; na grave insegurança na Líbia; nos conflitos no Sahel e nos embates na Ucrânia. A cada intervenção militar, não caminhamos para a paz, mas, sim, assistimos ao acirramento desses conflitos”.

À primeira vista, o discurso de Obama poderia até parecer conciliador, não fossem os picos atingidos em temas como a Ucrânia – mais especificamente, as acusações à Rússia – e o terrorismo no Oriente Médio, matérias em que ele chegou a se descontrolar. Obama vinha num crescendo sobre a necessidade de os membros da chamada “comunidade internacional” comprometerem-se na prática com o Direito Internacional e os princípios fundadores da Organização das Nações Unidas no pós-Segunda Guerra Mundial, sobretudo para a proteção e a promoção da paz e do desenvolvimento global.

Ora, quem se ativer à lista das violações do Direito Internacional e desses mesmos princípios pelos Estados Unidos empregará nisso todo o seu tempo de discurso, que costuma durar em média 40 minutos, mas é extrapolado pelas “potências”, como os próprios EUA, que têm mais coisas importantes a dizer. Porém, Obama esqueceu-se de enfatizar o tema proposto à sessão que se inaugurou na semana passada: o desenvolvimento, o que revela sua concepção militarista da segurança internacional e da paz. Na segunda-feira (22), uma sessão especial da Assembleia lidou especificamente com o "Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento", mas é nos debates gerais, inaugurados na quarta, onde os chefes de Estado e Governo expõem suas posições sobre o contexto atual.

Militarismo de Obama no Oriente Médio

Tópicos previsíveis do discurso do presidente foram o sistema internacional, o combate ao Ebola na África Central e a ênfase na situação no Iraque e na Síria, através do extremismo – com a ponderação atrasada no tempo, mas interessante devido à fonte, é preciso dizer, sobre a recusa de um “Choque de Civilizações”, referindo-se à teoria simplista e tergiversada de Samuel Huntington e as identidades culturais e religiosas como grande causa dos conflitos pós-Guerra Fria.

Obama discorreu sobre o Islã como religião que ensina a paz e a vida em comunidade para dizer que a luta não é contra os islâmicos, mas contra os fundamentalistas, que por acaso são “islamitas”. Mas sobre a perspectiva esboçada pelo presidente acerca da religião, será preciso mais análise sociológica. Para começar: por que reforçar um preconceito para supostamente negá-lo em seguida? Afinal, não se falou dos fundamentalistas protestantes – como seria o caso de grande parte dos arquitetos da política externa norte-americana na história e na contemporaneidade – nem dos sionistas, que também instrumentalizam a religião, no caso a judaica, para promover ideais políticos e elitistas, no caso de Israel, de colonização da Palestina.


O terrorismo continua sendo, como durante o governo de George W. Bush, o principal pretexto dos Estados Unidos para a sua atuação, inerentemente belicosa, no cenário internacional. Após deixar o Estado iraquiano destroçado – enquanto sua academia classificava-o de “Estado falido”, quase ao lado dos “Estados pária” – como resultado de mais uma guerra, os EUA voltaram a impor aos iraquianos sua ação militar, desta vez para combater o "Estado Islâmico do Iraque e do Levante" (EIIL). Diversos grupos extremistas, inclusive ligados à rede Al-Qaeda, já vinham avançando com brutalidade pela Síria, mas o governo do presidente Bashar al-Assad é um dos que os EUA classificam de “párias” e que buscam derrubar.

Nada como um projeto que inclua vários objetivos duradouros da política estadunidense: “eliminar o EIIL” e ainda "derrubar Assad" pareceu bastar para convencer parte suficiente da oposição política doméstica a lançar ataques aéreos contra a Síria, ainda que isso tenha sido feito de maneira ilegal até mesmo internamente [nos EUA] e que signifique violar a soberania síria, recorrendo pela enésima vez à força, ao invés de apoiar um processo político.

Sobre a questão palestina, esse talvez tenha sido o ponto valioso do discurso de Obama, embora a sua prática seja contraditória e seus limites, devido à aliança inquebrantável com Israel, bem definidos. O presidente mencionou que manter o “estado das coisas” na Faixa de Gaza é “insustentável”. (Ponto). Ele poderia ter se referido à mais recente das três ofensivas militares em cinco anos lançadas por Israel contra o estreito território palestino que mantém bloqueado há quase oito anos, e que matou cerca de 2.150 pessoas e deixou Gaza mais uma vez devastada após 50 dias de bombardeios.


“Reconhecemos que será necessária liderança para resolver o conflito”, disse Obama, garantindo que os EUA continuarão “investindo na diplomacia,” ainda que seu papel de pseudomediador, representado há décadas, já tenha evidenciado que se trata de um aliado israelense que procura conduzir a situação como convém. Entretanto, Obama alfinetou: “Muitos israelenses estão prontos para abandonar o trabalho duro pela paz. Isso é matéria para reflexão dentro de Israel.

O presidente disse considerar que “a região e o mundo serão mais justos e estáveis quando houver dois Estados vivendo lado a lado em paz e segurança.” E esse foi o máximo que conseguiu esticar, provavelmente a ser reprimido pelo lobby sionista nos EUA, através do poderoso e onipresente "Comitê Americano de Relações Públicas de Israel" (AIPAC). Haveria uma avalanche se ele conectasse a esse trecho o início do seu discurso, aquele sobre a impunidade ou o compromisso com o Direito Internacional, já que os crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos por Israel ao longo das décadas são tão flagrantes e condenados pela maior parte do planeta, inclusive a ONU. Nem um pio a respeito.

"Excepcionalismo da América"

Já sobre a Rússia, sobrou hipocrisia nas acusações pela suposta violação da integridade territorial da Ucrânia com a “anexação” da Crimeia – território russo cedido de forma controvertida à Ucrânia na década de 1950 e cuja população votou através de um referendo pela reintegração à Rússia – e a movimentação de tropas pelas fronteiras. Obama quase deixou escapar que a sua "Organização do Tratado do Atlântico Norte" (OTAN) não só tem movimentado tropas, tanques, caças e navios de guerra pela região como tem aliciado os vizinhos da Rússia a juntarem-se à aliança belicosa. Acaso essa conduta deveria ser entendida como o impulso à diplomacia defendido retoricamente por Obama? E o apoio explícito e direto a grupos fascistas, à operação militar que o governo ucraniano pós-golpe de fevereiro lançou contra civis no leste?


A defesa da supremacia dos EUA para policiar e governar o mundo foi garantida – muitas vezes, não tanto em nuances, mas em ataques diretos – inclusive convocando os restantes membros da ONU a juntarem-se pela “salvação” do mundo que os EUA já estariam empreendendo – através do “melhor Exército que o mundo já conheceu”, foi o que disse Obama na terça-feira (23) à imprensa no quintal da Casa Branca.

Ficou faltando voltar ao tema proposto e expor o que é que os EUA têm feito nos últimos anos para contribuir com o desenvolvimento global, principalmente após a eclosão da crise financeira na qual seus bancos tiveram papel preponderante, com a promoção dos direitos humanos e a redução da pobreza extrema. Esses temas foram pincelados, enquanto sobraram ameaças, mesmo que em tom menos ufanista do que na sessão anterior, e o apelo por uma atuação de concepção retrógrada sobre a segurança, em contornos militaristas.

Já sobre o fortalecimento do Direito Internacional e do sistema ONU, que Obama leve esta reflexão como exercício nacional, porque insustentável também é a política externa da coerção imperialista, da “excepcionalidade” outorgada aos EUA, inclusive no seu discurso do ano passado, da incessante luta tresloucada para manter a hegemonia estadunidense no globo e do emprego distorcido e manipulados dos princípios de uma ONU que também precisa ser reformada, correndo o risco de cair na obsolescência. A representatividade, a democracia e a transparência também devem ser garantidas nessa organização para que se supere uma configuração em que as grandes potências definiam o quadro de normas e ação internacional e escolhiam, à sua conveniência, quando respeitá-lo".


FONTE: escrito por *Moara Crivelente para o portal "Vermelho" A autora é cientista política e membro do "Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz" (Cebrapaz), assessorando a presidência do Conselho Mundial da Paz". Artigo publicado no portal "Vermelho"  (http://www.vermelho.org.br/noticia/250106-9).

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