terça-feira, 28 de outubro de 2014

Frade Leonardo Boff: "PARA ENTENDER A VITÓRIA DE DILMA"




Para entender a vitória de Dilma

Por Leonardo Boff, em seu blog:

"Nestas eleições presidenciais, os brasileiros e brasileiras se confrontaram com uma cena bíblica, testemunhada no salmo número um: tinha que escolher entre dois caminhos: um que representa o acerto e a felicidade possível e outro, o desacerto e infelicidade evitável.

Criaram-se todas as condições para uma tempestade perfeita com distorções e difamações, difundidas na grande imprensa e nas redes sociais, especialmente uma revista que ofendeu gravemente a ética jornalística, social e pessoal, publicando falsidades para prejudicar a candidata Dilma Rousseff. Atrás dela, se albergam as elites mais atrasadas que se empenham antes em defender seus privilégios que universalizar os direitos pessoais e sociais.

Face a essas adversidades, a Presidenta Dilma, ao ter passado pelas torturas nos porões dos órgãos de repressão da ditadura militar, fortaleceu sua identidade, cresceu em determinação e acumulou energias para enfrentar qualquer embate. Mostrou-se como é: uma mulher corajosa e valente. Ela transmite confiança, virtude fundamental para um político. Mostra inteireza e não tolera malfeitos. Isso gera no eleitor ou eleitora o sentimento de “sentir firmeza”.

Sua vitória se deve em grande parte à militância que saiu às ruas e organizou grandes manifestações. O povo mostrou que amadureceu na sua consciência política e soube, biblicamente, escolher o caminho que lhe parecia mais acertado votando em Dilma. Ela saiu vitoriosa com mais de 51% dos votos.

Ele [eleitor] já conhecia os dois caminhos. Um, ensaiado por oito anos, fez crescer economicamente o Brasil, mas transferiu a maior parte dos benefícios aos já beneficiados, à custa do arrocho salarial, do desemprego e da pobreza das grandes maiorias. Fazia políticas ricas para os ricos, e pobres para os pobres. O Brasil fez-se um sócio menor e subalterno ao grande projeto global, hegemonizado pelos países opulentos e militaristas. Esse não era o projeto de um país soberano, ciente de suas riquezas humanas, culturais, ecológicas e digno de um povo que se orgulha de sua mestiçagem e que se enriquece com todas as diferenças.

O povo percorreu também o outro caminho, o do acerto e da felicidade possível. Nesse, ele teve centralidade. Um de seus filhos, sobrevivente da grande tribulação, Luiz Inácio Lula da Silva, conseguiu com políticas públicas voltadas aos humilhados e ofendidos de nossa história, que uma Argentina inteira fosse incluída na sociedade moderna. Dilma Rousseff levou avante, aprofundou e expandiu essas políticas com medidas democratizantes como o Pronatec, o Pro-Uni, as cotas nas universidades para os estudantes vindos da escola pública e não dos colégios particulares; as cotas para aqueles cujos avós vieram dos porões da escravidão assim como todos os programas sociais do Bolsa Família, o Luz para Todos, a Minha Casa, minha Vida, o Mais Médicos entre outros.

A questão de fundo de nosso país está sendo equacionada: garantir a todos, mas principalmente aos pobres, o acesso aos bens da vida, superar a espantosa desigualdade e criar, mediante a educação, oportunidades aos pequenos para que possam crescer, se desenvolver e se humanizar como cidadãos ativos.

Esse projeto despertou o senso de soberania do Brasil, projetou-o no cenário mundial como uma posição independente, cobrando uma nova ordem mundial, na qual a humanidade se descobrisse como humanidade, habitando a mesma Casa Comum.

O desafio para a Presidenta Dilma não é só consolidar o que já deu certo e corrigir defeitos, mas inaugurar um novo ciclo de exercício do poder que signifique um salto de qualidade em todas as esferas da vida social. Pouco se conseguirá se não houver uma reforma política que elimine de vez as bases da corrupção e que permita avanço da democracia representativa com a incorporação da democracia participativa, com conselhos, audiências públicas, com a consulta aos movimentos sociais e outras instituições da sociedade civil.


É urgente uma reforma tributária para que tenha mais equidade e ajude a suplantar a abissal desigualdade social. Fundamentalmente a educação e a saúde estarão no centro das preocupações desse novo ciclo. Um povo ignorante e doente não pode dar nunca um salto rumo a um patamar mais alto de vida. A questão do saneamento básico, da mobilidade urbana (85% de população vive nas cidades) com transporte minimamente digno, a segurança e o combate à criminalidade são imperativos impostos pela sociedade e que a Presidenta se obrigará a atender.


Ela nos debates apresentou um leque significativo de transformações a que se propôs. Pela seriedade e sentido de eficácia que sempre mostrou, podemos confiar que acontecerão.

Há questões que mal foram acenadas nos debates: a importância da reforma agrária moderna que fixe o camponês no campo com todas as vantagens que a ciência propiciou. Importa ainda demarcar e homologar as terras indígenas, muitas ameaçadas pelo avanço do agronegócio.

Por último, e talvez o maior dos desafios, nos vem do campo da ecologia. Severas ameaças pairam sobre o futuro da vida e de nossa civilização, seja pela máquina de morte já criada que pode eliminar por várias vezes toda a vida, e as consequências desastrosas do aquecimento global. Se chegar o aquecimento abrupto, como inteiras sociedades científicas alertam, a vida que conhecemos talvez não possa subsistir e grande parte da humanidade será letalmente afetada. O Brasil, por sua riqueza ecológica, é fundamental para o equilíbrio do planeta crucificado. Um novo governo Dilma não poderá obviar essa questão que é de vida ou morte para a nossa espécie humana.

Que o Espírito de sabedoria e de cuidado oriente as decisões difíceis que a Presidenta Dilma Rousseff deverá tomar".


FONTE: escrito por Leonardo Boff, em seu blog. Transcrito no "Blog do Miro" (http://altamiroborges.blogspot.com.br/2014/10/para-entender-vitoria-de-dilma.html). O autor, Leonardo Boff, pseudônimo de Genézio Darci Boff (Concórdia-SC, 14 de dezembro de 1938), é teólogo, escritor e professor universitário, expoente da Teologia da Libertação no Brasil. Foi membro da Ordem dos Frades Menores (franciscanos).

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