domingo, 25 de janeiro de 2015

A COMPLEXA E EXPLOSIVA SITUAÇÃO NO IÊMEN




Como o maior inimigo da Al Qaeda tomou o Iêmen e por que os EUA não irão apoiá-lo

O presidente iemenita Abdu Rabbu Mansour Hadi, seu primeiro-ministro e seu gabinete de governo inteiro renunciaram em massa na semana passada

Por Jeremy Scahill e Casey L. Coombs, no "The Intercept"

"Sanaa – O presidente iemenita Abdu Rabbu Mansour Hadi, seu primeiro-ministro e seu 
inteiro gabinete de governo renunciaram em massa quinta-feira, apenas 24 horas depois de os rebeldes "Houthis" ocuparem o complexo presidencial em Sanaa. As demissões dão poder sem precedentes aos Houthis, uma minoria xiita dos isolados planaltos nortenhos do país.

A crise política também abre a porta para uma guerra aberta sobre o controle da capital do Iêmen, envolvendo facções políticas sunitas e a "Al Qaeda na Península Arábica" ou AQAP. O conflito pode também se arrastar para Arábia Saudita, EUA e Irã.

As ruas da capital do Iêmen estão agora um labirinto de postos de verificação, alguns ainda tripulados por forças do governo usando uniformes militares, mas a maioria é controlada pelos Houthis. Diferentemente das forças do governo, os Houthis se vestem tipicamente com um xale no rosto e uma saia conhecida como "ma’awaz". Armados com AK-47, os Houthis estão primeiramente procurando por membros da AQAP.

Os Houthis, no entanto, estão provando rapidamente que a velha máxima “o inimigo do meu inimigo é meu amigo”, não é sempre verdade. Enquanto são inimigos mortais da AQAP, os Houthis tripulando os postos de verificação frequentemente adornam suas AK-47 com adesivos com o lema do grupo: “morte à América, morte a Israel, maldição aos judeus, vitória do Islã.

Para o ocidente, esse labirinto de políticos iemenitas comprova a complexidade em encontrar um aliado confiável para lutar contra a Al Qaeda afiliada ao Iêmen, a qual tomou crédito pelo ataque mortal, ainda este mês, contra a redação da "Charlie Hebdo" em Paris. Enquanto o governo americano continuou a apoiar Hadi como um parceiro próximo na guerra ao terror, são os Houthis, também conhecidos como "Ansar Allah", que têm batalhado contra a AQAP nas ruas de Sanaa.

AQAP lançou uma série de ataques com carros bomba e suicídios contra os Houthis, começando no final de setembro. Nos postos de verificação ao redor de Sanaa, os Houthis estão procurando por membros da AQAP, tentando contrabandear bombas e materiais que as constituem para dentro da cidade. É frequentemente uma batalha perdida, uma vez que contrabandear explosivos pode ser mais simples do que fixar um cartaz dos Houthis - o qual tem o mesmo lema que os adesivos nas AK-47 - no painel de um carro para passar pelos postos.
Em um vídeo recente da AQAP, o qual o "The Intercept" traduziu do árabe para o inglês, Nasser bin Ali al Ansi, um oficial antigo da AQAP, disse que o grupo está fazendo progresso contra os Houthis e assentou que a AQAP estava trabalhando em “expandir a área geográfica” de seus ataques contra os Houthis. O oficial da AQAP disse que o grupo depende do que tira dos inimigos, porque faltam fundos suficientes para efetivamente enfrentar os Houthis. Ele também pediu que “os muçulmanos apoiem os jihadistas” lutando contra os Houthis.

Mas os Houthis são contrários ao envolvimento americano no Iêmen - mesmo para combater a Al Qaeda - e isso ajuda a explicar porque a administração Obama não irá abraçar a nova estrutura de poder tão cedo. Outra razão é que eles são vistos como alinhados com o Irã.

Por anos, o governo iemenita tentou inflar [a informação de] "influência do Irã sobre os houthis", na esperança de adquirir a permissão americana para usar os fundos e a assistência do contraterrorismo para combater os houthis. De acordo com cabos diplomáticos divulgados pelo "WikiLeaks", oficiais da administração do Bush Pai consistentemente repeliam tais pedidos do governo iemenita, dizendo que o governo americano via a batalha contra os houthis como uma questão nacional.

A administração Obama esquivou-se em tomar uma posição sobre o apoio do Irã aos Houthis.

Continuamos incomodados com a história do trabalho entre os Houthis e os iranianos,” a porta voz do Departamento do Estado Jen Psaki disse na quinta-feira. “Agora nós não avaliamos que há uma nova corporação naquele fronte.”

A Arábia Saudita também retratou os Houthis como um "representante iraniano", e o império provocou inúmeros ataques aéreos contra as fortalezas do movimento.

Uma fonte clara de apoio aos houthis vem do ex-presidente Ali Abdullah Saleh, que é do mesmo setor xiita. Saleh é suspeito de participar da tomada da capital pelos Houthis. Essa última semana, várias redes de TV árabes levaram ao ar uma gravação de um telefonema entre Saleh e um líder Houthi antigo, com o antigo presidente aconselhando-o sobre as operações políticas e militares.

Durante seu momento no poder, Saleh frequentemente mudava suas alianças; ele travou 6 guerras contra os Houthis de 2004-2010, mas às vezes usava os Houthis para atacar os oponentes políticos. Dada essa história, muitos duvidam que a nova estrutura de poder, dominada pela aliança Saleh-Houthis, irá perdurar.
Saleh e os Houthis estão “apaixonados”, disse Asham, um estudante da Universidade de Sanaa, que pediu que seu sobrenome não fosse usado devido à situação política. “Mas seu casamento irá terminar em divórcio. Não podem morar juntos para sempre porque ambos querem a mesma coisa - poder.

Enquanto o Departamento de Estado americano inicialmente resistiu em chamar os eventos 
no Iêmen, dessa semana que passou, de "golpe", a troca de poder já tinha inclinado para os Houthis. O controle do grupo rebelde foi cimentado ainda este mês, quando Hadi secretamente assinou decretos presidenciais cedendo os aparatos de segurança, os quais têm funcionado tradicionalmente como uma fonte de salários governamentais para as famílias e amigos dos líderes.

Depois de assinar um acordo compartilhado na última quarta-feira, Hadi tinha efetivamente cedido poder aos Houthis, que provocou o golpe no inicio da semana, que culminou em tiroteio entre a guarda presidencial e a milícia Houthi. Era esperado que o acordo tornasse oficial o controle dos Houthis sobre a capital, e as demissões em massa somente reafirmam a tomada do grupo.

Um porta-voz da AQAP acolheu a caída do governo, dizendo ao "The Intercept": “operamos melhor sob tais circunstâncias.”

Eu acredito que ambos, Houthis e Saleh, estão escolhendo seus postos”, disse Fernando Carvajal, um especialista iemenita e consultor de organizações não governamentais no país. “Tomando a polícia agora, Houhtis e Saleh podem recrutar milícias.”

Pouco depois de tomar os postos de segurança, os chefes da polícia Houthi usaram seus novos poderes para prender um assessor próximo de Hadi. O governo chamou a prisão de sequestro.

O governo de Hadi, enquanto isso, já estava em estado de retirada; os Houthis durante a semana asseguraram o controle da mídia estatal do Iêmen.

Muitos veem o golpe dessa última semana como o final culminante de uma série de eventos que começaram a desabrochar em janeiro de 2014, quando Hadi iniciou um cessar-fogo na batalha de meses entre Houthis e sunitas salafitas fora da cidade de Sa’dah, a capital provincial do movimento Houthi. A mediação de Hadi resultou no despejo de quase 15.000 alunos salafistas da província de Sa’dah - uma vitória para os Houthis.

Os Houthis iniciaram sua tomada em Sanaa em setembro e começaram preenchendo novas posições vagas nas sedes policiais. Isso foi seguido pelo golpe da semana passada, e o que parece ser uma tomada total de poder.

Enquanto Sanaa experimentou uma série de explosões e tiroteios na semana passada, o comércio fora das áreas de batalha continuou aberto, e os iemenitas receberam essa ultima tomada de poder com tranquilidade. Hisham Al-Omeisy, um consultor de informação e comunicação em Sanaa, diz que a maioria dos iemenitas simplesmente perderam a fé na retórica do governo. “Quando falamos do status quo atual no Iêmen, nós falamos que parece um cego tentando aplicar rímel à uma louca instável.


FONTE: escrito por Jeremy Scahill e Casey L. Coombs, no "The Intercept". Publicado no portal "Carta Maior" com tradução de Isabela Palhares   (http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Como-o-maior-inimigo-da-Al-Qaeda-tomou-o-Iemen-e-por-que-os-EUA-nao-irao-apoia-lo/6/32715).

COMPLEMENTAÇÃO

Mão conhecida opera na sangrenta guerra civil do Iêmen

Por Robert Fisk, no "The Independent", UK, com o título “An old hand is at work in Yemen's bloody civil war”. Traduzido pelo "pessoal da Vila Vudu" e postado no "Redecastorphoto" 

 
Fumaça e chamas durante pesados combates entre a Guarda Presidencial e os rebeldes xiitas houthis em Sanaa, Iêmen 

Robert Fisk

"A questão é os sauditas. Não importa o quanto a nova guerra civil no Iêmen pareça complexa – nem o quanto os rebeldes houthis sejam hoje poderosos na capital Sanaa – quem apavora a monarquia sunita wahhabista da Arábia Saudita é a seita zaidi, xiita, representada pelos houthis, e não sem razão.

Por mais de cinco anos, há conflito armado entre forças sauditas e os houthis, que, num dado momento, capturaram uma cadeia de montanhas de baixa altitude em território saudita. Os sauditas culpam os suspeitos de sempre: Irã e o Hezbollah libanês. Os houthis culpam os suspeitos de sempre: os sunitas do Iêmen, seus apoiadores sauditas e – já adivinharam – os EUA.

Mas, como todas as crises no Oriente Médio, o conflito no Iêmen, que começou quase imediatamente e sem transição depois da guerra civil que trouxe o exército egípcio de Nasser para o conflito com a família real iemenita – apoiada pelos sauditas – é um pouco mais nuançado do que podem sugerir os despachos jornalísticos. Verdade é que o primeiro governante independente do Iêmen foi um xiita zaidita – não era sunita – que estendeu seu território sobre o norte do Iêmen entre as duas guerras mundiais.


Iêmen - áreas de conflito

O Imã Yahya liderava a seita zaidita, cujas crenças e culto têm quase tanto em comum com o Islã sunita quanto com o xiismo, mas lutou contra os sauditas quando tomaram Asir e Najran, do que Yahya chamava “o Iêmen histórico”.

Euegen Rogan, professor de Oxford, descreveu a crueldade do sucessor de Yahya, seu filho Ahmed, que prendeu e executou seus rivais e iniciou relações diplomáticas com a União Soviética e a China, mas logo se viu em luta contra a palavra de ordem de Nasser, que mandava derrubar os “regimes feudais” no Oriente Médio.

Ahmed gostava de condenar o socialismo árabe, em versos (roubar propriedade privada seria “crime contra a lei islâmica”). Quando o filho de Ahmed, Badr, foi derrubado num golpe militar, Nasser apoiou a nova república e os sauditas tentaram destruir Nasser, oferecendo apoio aos rebeldes xiitas zaiditas.

A triste história da divisão do Iêmen e eventual (e infeliz) unificação do governo ditatorial de Sanaa, 33 anos sob Abdullah Saleh – ele próprio xiita zaidita – e, depois, os inevitáveis clamores da minoria oprimida, implicavam que o despertar árabe – no Iêmen foi de fato uma “primavera” sangrenta – despertaria feridas ainda muito dolorosas.


Ali Abdullah Saleh, ex ditador do Iêmen

A saída de Saleh produziria uma nova Constituição que não satisfez os houthis. Os sauditas passaram a temer que os rebeldes xiitas do norte, que carregavam o nome de Hussein Badreddin al-Houthi, líder zaidita morto em 2004, fossem apoiados pelo Irã e, assim – por causa da própria substancial minoria xiita na Arábia Saudita – que constituíssem uma ameaça à estabilidade do próprio reino saudita.

Muito protestaram os sauditas contra o apoio que o Irã e o Hezbollah libanês dariam aos houthis – e muito o Irã e o Hezbollah negaram qualquer apoio – mas o crescimento da facção da Al-Qaeda no Iêmen (que cultiva, é claro, as mesmas crenças salafistas-wahabistas que a própria Arábia Saudita), trouxe o inevitável envolvimento militar dos EUA.

Os ataques por drones norte-americanos no Iêmen, praticamente apagados do mundo pela imprensa-empresa ocidental, eram dirigidos contra a Al-Qaeda, supostamente em nome do governo iemenita que os sauditas apoiavam.

Mas em dezembro de 2009, porta-vozes dos houthis começaram a catalogar séries de ataques dos EUA contra os próprios houthis, inclusive 29 raids aéreos que mataram 120 pessoas em cidades do norte do Iêmen.


Rebeldes xiitas houthis cercam a capital do Iêmen, Sanaa

O avanço dos houthis sobre Sanaa dividiu a força do exército do governo – que passou a combater contra a Al-Qaeda (em nome dos EUA) e contra os houthis (em nome dos sauditas). A Al-Qaeda na Península Árabe moveu-se para o norte, para combater os houthis, com o que passou a receber apoio dos sunitas.

O Iêmen não é a Síria. Mas a visão deformada que os EUA têm do Oriente Médio já produziu no Iêmen cenário muitíssimo semelhante ao que produziu na Síria: além de tentarem destruir o regime xiita alawita de Assad e seus inimigos sunitas do ISIS/ISIL na Síria, os EUA parecem agora ansiosos para esmagar também os houthis xiitas zaiditas e os sunitas da al-Qaeda no Iêmen. Ordens dos sauditas." 

FONTE: escrito por Robert Fisk, no "The Independent", UK, com o título An old hand is at work in Yemen's bloody civil war”. Traduzido pelo "pessoal da Vila Vudu" e postado por Castor Filho no seu blog "Redecastorphoto"   (http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2015/01/robert-fisk-mao-conhecida-opera-na.html).
O autor, Robert Fisk é filho de ex-soldado britânico da Primeira Guerra Mundial. Estudou jornalismo na Inglaterra e Irlanda. Trabalhou como correspondente internacional na Irlanda - cobrindo os acontecimentos no Ulster - e em Portugal. Em 1976, foi convidado pelo "The Times", onde trabalhou até 1988 substituindo o correspondente do jornal no Oriente Médio. Mudou para o "The Independent" em 1989 - após uma discussão com seus editores sobre modificações feitas em seus artigos, sem seu consentimentoCobriu a guerra civil do Líbano, iniciada em 1975; a invasão soviética do Afeganistão, em 1979; a guerra Irã-Iraque (1980-1988), a invasão israelense do Líbano, em 1982; a guerra civil na Argélia, as guerras dos Balcãs e a Primeira (1990-1991) e a Segunda Guerra do Golfo Pérsico, iniciada em 2003. Fisk notabiliza-se também pela cobertura ao conflito Israel-Palestina. Ele é defensor da causa palestina e do diálogo entre os países árabes e Irã com Israel. Considerado como um dos maiores especialistas nos conflitos do Oriente Médio, Fisk contribuiu para divulgar internacionalmente os massacres na guerra civil argelina e nos campos de refugiados de Sabra e Chatila, no Líbano; os assassinatos promovidos por Saddam Hussein, as "represálias" israelenses durante a Intifada palestina e as atividades ilegais do governo dos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque. Fisk também entrevistou Osama bin Laden, líder da rede terrorista Al-Qaeda em 1993, no Sudão, em 1996 e em 1997, no Afeganistão. Robert Fisk é o correspondente estrangeiro mais premiado do planeta. Recebeu o "Prêmio Correspondente Internacional Britânico do Ano" sete vezes (as últimas em 1995 e 1996). Também ganhou o "Prêmio Imprensa da Anistia Internacional no Reino Unido" em 1998 e 2000.

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