Carta aberta ao povo brasileiro: liberdade de expressão em risco Por Miguel do Rosário, do blog "O Cafezinho" "Dirijo-me ao nobre e valoroso povo brasileiro, na qualidade de um cidadão atingido por uma absurda violência política, e que não afeta somente a mim, mas o coletivo e a própria liberdade de expressão de uma nação continental. Trata-se de um processo movido contra mim por Ali Kamel, empregado da família mais rica do país. Mais rica e que controla um dos maiores impérios de mídia do mundo. Não creio que, em nenhum país democrático (com exceção talvez da Itália, que tem o seu Berlusconi), exista um grupo que reúna tanto poder financeiro e midiático como a Globo. Pois o empregado deste grupo, e não qualquer empregado, mas o seu diretor-geral de jornalismo, pediu-me, e venceu na justiça, uma indenização de mais de R$ 20 mil, a qual, acrescida pelos custos judiciais, me custarão mais de R$ 30 mil. O processo já terminou. Ele venceu na segunda instância e não conseguimos chegar ao Supremo Tribunal de Justiça. Não há mais como recorrer. O juiz mandou executar e terei de pagar o montante em alguns dias. E qual a razão do processo? Simplesmente porque fiz uma crítica política à empresa para a qual ele trabalha. Não ataquei sua honra. Não o chamei de ladrão ou corrupto. Não pedi sua demissão. Apenas disse que ele trabalhava para uma concessão pública que, na minha opinião, merece ser criticada. Para não faltar com a verdade, os únicos adjetivos que dirigi ao autor da ação, e que poderiam ser considerados pessoalmente ofensivos, foram: sacripanta e reacionário. E me referia a ele enquanto diretor de jornalismo da Globo, a concessão pública líder de audiência no país. O dia em que todos forem condenados porque chamaram, num artigo político, o diretor de jornalismo da maior concessão pública de um país, de “reacionário” e “sacripanta”, será o último dia de liberdade no Brasil. Creio se tratar de um desses casos emblemáticos que podem influenciar o país durante muitos anos. Até porque, neste momento, já são vários blogueiros agredidos judicialmente pelo mesmo personagem, ou pelo mesmo campo político. É um fato notório o mal que a concentração da mídia faz à democracia, um mal denunciado por inúmeras organizações nacionais e internacionais. A Repórteres Sem Fronteiras acusou o Brasil de ser o país dos 30 Bersluconis, referindo-se às famílias que dominam a mídia de massa no país. O relator da ONU para Liberdade de Expressão, Frank de La Rue, veio ao Brasil recentemente e afirmou que a concentração da mídia é a maior ameaça à liberdade de expressão. La Rue se referia, naturalmente, à situação da mídia no Brasil. Naturalmente, essas denúncias foram abafadas por nossa mídia corporativa, cuja estrutura segue muito parecida, e até mais concentrada ainda, em relação aos chamados anos de chumbo. O surgimento de blogs políticos que fazem um contraponto à grande mídia, deve ser entendido, portanto, como uma reação biologicamente natural, saudável e necessária, do ambiente democrático. Se a mídia age como um partido político homogêneo, um verdadeiro cartel ideológico, impondo sempre as mesmas pautas, repetindo as mesmas opiniões e até usando os mesmos colunistas, é natural que emergissem blogs no lado oposto do espectro ideológico. Se a mídia torna-se dia a dia mais conservadora, os blogs se notabilizam por defender pautas progressistas e trabalhistas. Não é fácil manter um blog, contudo. Raros são os blogs que são atualizados constantemente, e raríssimos aqueles que conseguiram se profissionalizar. Entretanto, creio que, neste momento da nossa história, os blogs políticos constituem um respiro democrático no ambiente histérico, reacionário, udenista, muitas vezes flertando com o golpismo, da nossa imprensa corporativa. Não digo que os blogs sejam perfeitos, nem que a nossa imprensa seja 100% um lixo (digamos que ela seja 75% lixo). Mas representamos um contraponto importante. E ajudamos a concretizar um dos princípios que norteiam a nossa Constituição: a pluralidade política. Claro, os blogs não resolvem o problema da concentração midiática. Apenas ajudam a enriquecer o debate, a criar uma válvula de escape num ambiente que, sem eles, seria talvez desesperador para muita gente. A sustentação financeira dos blogs é complicada. Apesar dos adversários nos acusarem de recebermos “apoio do governo”, sabemos que isso não é verdade. Recentemente, os dados referentes a todos os órgãos de governos, incluindo estatais, foram abertos e comprovamos que apenas dois ou três blogs ou sites recebiam apoio oficial (não estou incluído), e mesmo assim, irrisórios se comparados ao custo de manutenção dos mesmos, e ridiculamente ínfimos, se comparados ao que receberam os grandes ou mesmo medianos grupos de mídia tradicionais. Os blogs políticos, em geral, são sustentados pelo próprio bolso dos autores. Em alguns casos, como o meu, o blog é sustentado por assinaturas e contribuições dos leitores, uma ou outra publicidade, além do adsense do Google, um esquema randômico de propaganda. Não posso reclamar de nada, todavia. A blogosfera, aqui entendida como o conjunto de leitores, sempre foi generosa comigo. Tenho centenas de assinantes pagantes e as contribuições sempre foram generosas por parte de um público idealista. Não espero matérias elogiosas a meu trabalho em reportagens de TV, em jornais ou revistas de grande circulação. Ao contrário, sempre que me citam, e são obrigados a fazê-lo de vez em quando, fazem-no tentando me prejudicar. Entretanto, às vezes recebo doações e assinaturas até mesmo de pessoas de baixa renda, e isso realmente me comove e me faz entender a importância de continuar o meu trabalho. Digo isso para mostrar a fragilidade financeira dos blogs, por representarem uma coisa nova, ainda não assimilada pelos agentes econômicos, sobretudo num país onde o ambiente publicitário permanece sob o controle dos monopólios corporativos consolidados no regime militar. Frágeis, mas essenciais! De qualquer forma, contra tudo e contra todos, estamos crescendo. Os blogs têm cada vez mais visitas. O Cafezinho tem cada vez mais assinantes. Adentramos até mesmo o terreno mais custoso do jornalismo: a investigação. Os blogs hoje também realizam investigações importantes, como eu fiz no caso da sonegação da Globo, do apartamento em Miami de Joaquim Barbosa, e agora, sobre a participação de graúdos das finanças e da política na lista do OffShore Leaks e do HSBC suíço. Pois bem, diante de tal situação, o que posso fazer diante da ofensiva covarde da Globo contra o meu trabalho? O dinheiro que ganho serve para pagar meu custo de vida, ao qual tive que acrescentar agora os honorários do meu advogado. Como posso entrar numa batalha judicial com o diretor de jornalismo da Globo, cujos proprietários têm uma fortuna maior que a de Rupert Murdoch, o magnata australiano dono de um império midiático nos EUA, maior que a de Berlusconi, proprietário de vários canais de TV na Itália e um dos principais expoentes da direita europeia? O valor imposto, R$ 20 mil mais custos judiciais, equivale ao valor que o Judiciário costuma impor à revista Veja, que pertence também a uma das famílias mais ricas do país. E isso quando a Veja perde na justiça, o que é raro. Não falta aqui um senso de proporção? Depois de judicializarem a política, agora partirão para a judicialização da censura? Qual o objetivo da Globo? Reduzir o já diminuto pluralismo político do país? E ela ainda quer se vender como defensora da liberdade de expressão? Ainda quer acusar a esquerda de pretender promover a censura por querer estabelecer uma regulamentação que evite esse tipo de aberração, na qual a grande mídia pode destruir reputações, e a pequena mídia não pode falar nada? É muito cinismo! Dão golpe e falam que a democracia voltou! Censuram e acusam os outros de censura! Roubam e gritam pega ladrão! Só blogueiros cubanos serão defendidos por nossa mídia? O caso do blogueiro saudita, condenado a levar algumas centenas de chibatadas, foi denunciado por nossa “imprensa livre” e aqui o diretor de jornalismo da nossa maior empresa de mídia persegue judicialmente os blogs? É uma contradição atrás da outra! Entendo, contudo, perfeitamente, que as pessoas se sintam ofendidas e procurem reparação na justiça. Se houvesse a lei de imprensa, o ofendido ganharia direito de resposta no blog, que eu publicaria com o maior prazer. Ali Kamel poderia explicar, a meus leitores, que não pode ser culpabilizado pelos crimes que a Globo cometeu contra a democracia, no passado remoto e recente. Tudo bem. Não há mais lei de imprensa, porém. Não há qualquer tipo de regulamentação da mídia que proteja o cidadão contra ofensas e o jornalista contra abusos do poder econômico e arbítrios da justiça. Voltamos à lei da selva, à lei do mais forte. Não tenho pretensão de acertar sempre. Entendo que um blogueiro pode passar dos limites às vezes. O limite entre o sarcasmo, o humor, o chiste, e a ofensa, é frequentemente tênue. Pode-se publicar por vezes uma denúncia equivocada (o que não é o caso aqui, não “denunciei” nada acerca de Ali Kamel). O blogueiro costuma caminhar sobre a corda bamba. Ora, mas então que se aplique uma multa proporcional ao padrão financeiro de um blog! Um blog político independente não tem R$ 20 ou R$ 30 mil para sair distribuindo para o primeiro que se sentir ofendido! Se não conseguir pagar este valor, minhas contas serão bloqueadas e, evidentemente, meu trabalho ficará comprometido. E aí é que não conseguirei pagar nada mesmo! É uma coisa tão absurdamente injusta, tão ridiculamente sem sentido, que dá vontade de rir. Os caras mais ricos do país, donos do maior império de mídia da América Latina, tentando matar um blogueiro de fome! Tudo com apoio de uma justiça sem grande apreço, aparentemente, pela liberdade de expressão (ou que entende que esta liberdade seja propriedade da grande mídia); e a complacência de uma sociedade amedrontada e chantageada por uma mídia doentiamente inchada pelo totalitarismo político. Vivemos uma ditadura sanguinária, onde a liberdade de expressão é monopólio de meia dúzia de poderosos? O querelante se aproveita do fato do poder judiciário não estar devidamente atualizado sobre a importância dos blogs para o pluralismo político no Brasil, nem habituado à linguagem às vezes agressiva, própria da blogosfera, sobretudo quando se trata de enfrentar a grande mídia, herdeira da ditadura, símbolo do mainstream e de séculos de opressão e desigualdade social. Eu fui condenado, aliás, porque escrevi um texto em apoio a um outro blogueiro, também condenado injustamente. Até isso querem criminalizar, a solidariedade. Até onde vai essa perseguição política, promovida por um gigante corporativo, através de seu diretor de jornalismo, contra simples blogueiros? Gostaria de acreditar que vivemos um regime democrático, que vencemos a luta contra a ditadura, e que, portanto, os herdeiros dos anos de chumbo não vencerão esta batalha fundamental. Aos leitores que quiserem ajudar, podem fazê-lo através deste link. Qualquer dúvida, use o email assinatura@ocafezinho (falar com Mônica Teixeira). Meu email é migueldorosario@gmail.com (que é também meu ID no Paypal). FONTE: escrito por Miguel do Rosário em seu blog "O Cafezinho" (http://www.ocafezinho.com/ 2015/02/20/carta-aberta-ao-povo-brasileiro- liberdade-de-expressao-em-risco/). COMPLEMENTAÇÃO Mexeu com o Cafezinho, mexeu comigo Por Renato Rovai, em seu blog: "Miguel do Rosário, autor do blogue 'O Cafezinho', foi condenado em segunda instância, sem possibilidade de recurso, a pagar R$ 20 mil de indenização ao diretor-geral de jornalismo da Globo, Ali Kamel. Com os custos judiciais, o blogueiro terá que desembolsar algo em torno de R$ 30 mil. O episódio é simbólico por vários motivos. Rosário fez uma crítica política ao jornalista global por conta da sua função, e os adjetivos mais pesados utilizados por ele foram “sacripanta” e “reacionário”. Nada perto do que se escreve a respeito de Lula e Dilma, por exemplo, na mídia tradicional. É bom lembrar, aliás, que a Globo de Kamel emprega em um de seus canais um jornalista cuja principal obra literária se chama “Lula é minha anta”. Entre os vários sentidos do episódio, chama a atenção a assimetria da Justiça brasileira. Em 2013, por exemplo, a revista Veja foi condenada por publicar uma nota mentirosa na coluna Radar, em 2006, na qual se afirmava que o então ministro da Secom Luiz Gushiken havia sido visto em um jantar com o empresário Luis Roberto Demarco, tendo pago sua parte em dinheiro de uma conta que teria otalizado 3,5 mil reais. Desfeita (s) a (s) mentira (s), a condenação para a publicação foi de R$ 20 mil. O mesmo valor imposto a Miguel do Rosário. Desnecessário dizer que o alcance e o poder econômico da publicação da Abril e do autor de O Cafezinho são bastante distantes entre si. A editora disponibiliza, aliás, um sólido corpo jurídico para defender em juízo sua publicação diante da fabricação constante de assassinatos de reputação. Para a Veja, com condenações desse nível, o crime compensa. Para um blogueiro que não ganha milhões em verbas oficiais como a publicação dos Civita, é algo para se perder o sono. Outro exemplo de aberração jurídica foi quando o mesmo Gushiken venceu outra ação contra a Veja, que havia sustentado que ele tinha contas secretas no exterior. Em primeira instância, o valor arbitrado como indenização havia sido de meros R$ 10 mil. Rodrigo Vianna, por dizer que Kamel fazia um “jornalismo pornográfico”, foi condenado na mesma instância a pagar R$ 50 mil ao diretor global. O TJ-SP, no entanto, elevou o valor da condenação à Veja para R$ 100 mil em março de 2014, depois que o ex-ministro havia sucumbido a um câncer. Mas qual a razão do título deste post? É porque é necessário lembrar o que representa o trabalho de Miguel do Rosário. Alguém que batalha mesmo sem recursos para fazer um contraponto à velha mídia, trazendo informação e análise de temas como a atual crise da Petrobras. Quantos têm feito uma defesa tão intensa dos interesses nacionais, separando o joio do trigo que a velha mídia insiste em misturar nesse caso? Por isso, não só os movimentos relacionados à defesa da Petrobras deveriam se unir e ajudar O Cafezinho neste momento, mas todos aqueles que lutam pela democratização da mídia, entidades, movimentos, coletivos, sindicatos, centrais, que precisam entender que fazer jornalismo envolve não somente dedicação, empenho e trabalho como custos que muitas vezes batem à porta em função de injustiças como a que sofre hoje Rosário. É preciso, antes de qualquer coisa, uma campanha de mobilização para ajudar O Cafezinho a arcar com os custos da condenação judicial. E, depois, que se promova um intenso debate em relação à judicialização da batalha política e da comunicação que já acontece no Brasil e que tem como objetivo calar as vozes que há tempos incomodam o status quo da velha mídia. Veja algumas formas de colaborar com Miguel do Rosário aqui." FONTE da complementação: escrito por Renato Rovai, em seu blog, e postado no "Blog do Miro" (http://altamiroborges.blogspot. com.br/2015/02/mexeu-com-o-cafezinho-mexeu- comigo.html#more). |
Nenhum comentário:
Postar um comentário