domingo, 25 de outubro de 2015

10 ANOS DO NÃO À ALCA




10 anos do Não à ALCA

"Há 10 anos do NÃO à ALCA, estamos num cenário de esgotamento dos modelos propostos por aqueles que foram protagonistas da luta contra o neoliberalismo.

Por Félix Caballero Escalante, licenciado em Estudos Internacionais

Temos uma dupla missão: primeiro, enterrar a ALCA e o modelo econômico imperialista, capitalista, e depois, companheiros e companheiras, deveremos ser os parteiros do novo tempo, os parteiros da nova história, os parteiros da nova integração, os parteiros da ALBA” (Hugo Chávez, Mar de Plata, 2005)

Nos dias 4 e 5 de novembro de 2005, foi realizada a IV Cúpula das Américas, na cidade argentina de Mar de Plata. Na ocasião, os presidentes do continente, liderados por Hugo Chávez, Néstor Kirchner e Lula, disseram não ao tratado continental de livre comércio proposto pelos Estados Unidos, a chamada "Área de Livre Comércio das Américas" (ALCA), uma iniciativa de recolonização continental.

Se inauguraram os anos dourados da vanguarda antineoliberal do começo do Século XXI, promovido por um bloco de governos progressistas (Venezuela, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), que buscaram combater as políticas que atentavam contra a soberania nacional e aprofundava as assimetrias.

O epicentro desse movimento antineoliberal se localiza no eixo Havana-Caracas, sob a direção de Fidel Castro e Hugo Chávez, estabelecendo a "Aliança Bolivariana para América" (ALBA) fundada no dia 14 de dezembro de 2004, em Cuba [1].

Há 10 anos do NÃO à ALCA, nos encontramos num cenário de esgotamento dos modelos propostos por esses governos progressistas, que naquele tempo foram protagonistas no processo de ofensiva contra o neoliberalismo, mas agora se encontram infiltrados por correntes internas e externas, que apostam por um capitalismo “humano” ou “corretamente gestado” na aliança com capitais estrangeiros, cuja variante poderia ser que não só provêm de potências tradicionais, mas também de países emergentes, como Rússia e China.

O progressismo, um adjetivo ambíguo

O progressismo em nossos tempos envolve ampla gama de tendências políticas, o que nos obriga a fazer uma diferenciação:

Por um lado, existem os progressismos de centro-esquerda que promovem uma administração mais autônoma dos recursos nacionais, sem apontar para superação do capitalismo. Por exemplo, os governos do Brasil e da Argentina promovem políticas que reduzem parcialmente as diferenças entre as classes sociais, mas o caráter reformista desses processos populares-nacionais os faz vulneráveis a serem submetidos aos interesses das classes que tradicionalmente se beneficiam do capital estrangeiro.

Por outro lado, existem os progressismos que se reivindicam anti-imperialistas, apesar de estarem ameaçados por correntes que promovem o desenvolvimentismo [2], assumem postura propositiva para a superação do capitalismo e do sistema-mundo pauperizador. Exemplos claros desse tipo de posturas são os governos do Equador, Bolívia e Venezuela, que propõem iniciativas que reivindicam o poder popular constituinte e promovem o controle soberano dos recursos naturais para investi-los em políticas sociais e ecológicas, baseadas na filosofia Sumak Kawsay [3].

O neoliberalismo em tempos de polarização

Em paralelo ao esgotamento dos modelos propostos pelos distintos governos progressistas, irradiam do seio do triunvirato (Estados Unidos, Europa e Japão), pilar fundamental da ordem mundial, três megaprojetos que se baseiam nas mesmas premissas do ALCA, mas agora aplicadas numa área geográfica mais ampla e com algumas lições aprendidas dos fracassos em 2005, como a necessidade de reforçar o secretismo das negociações, aplicar uma rigorosidade maior com respeito aos mecanismos de proteção dos investimentos, assim como ampliar a legislação das privatizações dos serviços públicos e das patentes de produção farmacêutica.

Estamos falando do Tratado Transatlântico para o Comércio e os Investimentos (TTIP, por sua sigla em inglês), negociado em segredo entre os Estados Unidos e a União Europeia, o Tratado Transpacífico de Associação Econômica (TPP, por sua sigla em inglês), já assinado por Austrália, Brunei, Chile, Estados Unidos, Japão, Malásia, Nova Zelândia, Peru, Cingapura, Vietnã, Canadá e México, e o mais amplo em termos de territorialidade, o Acordo Internacional sobre Comércio de Serviços (TISA), que conglomeraria dois terços do comércio mundial de serviços através da aliança de 51 países [4].

O propósito dessa contraofensiva neoliberal é o mesmo que se planejaram historicamente desde a Secretaria de Estado dos Estados Unidos, impulsionado através do pan-americanismo desde 1889: alterar as dinâmicas nacionais com a incorporação dos países a uma geopolítica do capital construída por tratados e zonas de livre comércio, negociados de costas para os povos, com a implicação de eliminar as barreiras aduaneiras, levantar as restrições ao capital estrangeiro, forçar os Estados a reduzir o gasto público e social, além de criar mecanismos de proteção aos investimentos estrangeiros, que podem obrigar o Estado a se sentar no banco dos réus num tribunal internacional, por aplicar medidas protecionistas [5].

As incoerências do neoliberalismo

Com a promulgação do "Tratado de Marrakesh" (1994), que cria a "Organização Mundial do Comércio" (OMC), os Estados industrializados levaram a economia internacional há um processo paulatino de abertura, satanizando toda iniciativa que pretenda fortalecer as economias nacionais autonomamente, contra os interesses dos capitais transnacionalizados. Apesar disso, com uma atitude hipócrita, os capitalismos de primeira ordem conseguiram se fortalecer unicamente através da implementação de medidas protecionistas promovidas por seus Estados [6].

O Estado, ainda que os ideólogos apologéticos do neoliberalismo o neguem, cumpre papel fundamental na promoção da ordem neoliberal.

É verdade que esse sistema abre as vias para que o capital privado se aproprie das funções principais do Estado, como a manutenção da soberania nacional e a autodeterminação política, o fornecimento de serviços públicos como a água, a eletricidade, a educação, a saúde, a alimentação, a segurança, entre outros.

Não obstante, a teoria neoliberal aponta que a infraestrutura para a mobilidade das mercadorias – aeroportos, portos, estradas, ferrovias e o reforço do aparato coercivo, essenciais para manter a ordem na hora de aplicar os pacotes neoliberais financiados pelos cofres públicos – os que, finalmente, são manejados pela instituição estatal.

O neoliberalismo se baseia num relato mágico promovido por Milton Friedman e seus “Chicago Boys” [7], já que nem a ideia da redução do Estado, nem a concepção de que a abertura aos capitais transnacionais como solução ao “subdesenvolvimento” foram comprovadas cientificamente.

Para concluir

O progressismo, em sua apresentação reformista ou revolucionária, consegue frear o neoliberalismo, no período entre os últimos anos do Século XX e o começo do Século XXI, com diferentes graus de radicalidade. Entretanto, pelo atual auge das correntes que promovem o mito do “capitalismo humano”, talvez porque não puderam desarticular o metabolismo do capital globalizado, tendo como consequência que esse se fortaleça, e se adapte às limitações impostas ao seu funcionamento durante essa onda de mudanças e transformações sociais.

As potências capitalistas industrializadas nunca aplicaram os preceitos do neoliberalismo para fortalecer seus aparatos produtivos nacionais. Apesar dos ideõlogos neoliberais promoverem uma economia que não seja um tema tratado pelo Estado, a figura estatal foi, é será um instrumento fundamental para a constituição da ordem neoliberal.

Se observa, dentro dos diversos países onde os processos progressistas avançam, uma espécie de “empate catastrófico” [8], onde existe a presença de uma oposição que tem não só a capacidade de mobilizar um bloco da população contra os projetos antineoliberais, mas também de promover uma proposta programática de um modelo de país diferente da ordem de capitais transnacionais.

Esse empate, a queda nos preços das matérias-primas e as indefinições por parte da direção política dos governos progressistas, permeados por correntes neodesenvolvimentistas, podem por fim ao ciclo de mudanças e transformações sociais e dar um passo na direção da ditadura do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Não obstante, falar do fim de um ciclo atualmente é negar a capacidade dos povos de lutar e reorganizar, de reaglutinar suas forças e avançar, como se coloca como estratégia na Guerra Popular Prolongada, idealizada por Mao Tsé-Tung.

Notas:

[1] Posteriormente denominada Aliança Bolivariana para os povos da Nossa América – Tratado Comercial dos Povos (ALBA-TCP), iniciativa a qual se incorporaram Bolívia, Nicarágua, Honduras (atualmente suspendida devido ao golpe de Estado a Manuel Zelaya em 2009), Equador, São Vicente e Granadinas, Antígua e Barbuda, San Cristóvão e Neves, Santa Lúcia, Dominica e Granada.

[2] Essa tendência toma força devido às condições históricas dos processos de transformação social que apoiaram esses governos, pois é 'boom' dos preços das commodities e posterior redistribuição da renda nacional controlada pelo Estado, proveniente das atividades de extração de recursos, foi a base material para o aumento dos investimentos sociais e do gasto público, que conseguiu reverter muitos dos efeitos da longa noite neoliberal em seus países.

[3] Significa “Bom viver”, é uma filosofia que tem como origem a mitologia 'kichwa', conhecida entre as tribos andinas, aplicada como princípio constitucional no Equador e na Bolívia.

[4] Recuperado no dia 15/10/2015, em: http://www.telesurtv.net/bloggers/TISA-amenazante-secreto-ofensivo-20150…

[5] Esse fato sucedeu em diversas oportunidades, por exemplo, no “processo instalado pela empresa estadunidense Phillip Morris contra o Uruguai, pedindo indenização de 2 bilhões de dólares, devido aos anúncios nas caixas de cigarros […] O Equador foi condenado a pagar 2,3 bilhões de dólares à "Occidental Petroleum", pela construção de um poço na Amazônia, e a Líbia pagou 900 milhões de dólares em `benefícios perdidos´ num projeto turístico no qual haviam investido 5 milhões de dólares”. Recuperado no dia 10/10/2015, em: http://www.telesurtv.net/bloggers/TISA-amenazante-secreto-ofensivo-20150….

[6] Por exemplo, a União Europeia aplica o Pacto Agrícola Comum (PAC), destinando anualmente cerca de 50 bilhões de euros (47% do seu orçamento) para subsidiar a agricultura, assim como os Estados Unidos com a Lei Agrícola “Farm Bill”, que nasceu em 2008, com uma dotação de 300 bilhões. Recuperado no dia 8/10/2015, em: http://www.telesurtv.net/bloggers/Naufragio-del-TTIP-20151007-0002.html

[7] Na Venezuela, os chamados "IESA Boys" são os ideólogos do neoliberalismo dos Anos 80, assessores presidenciais de Carlos Andrés Pérez, a maioria deles formados pelo "Instituto de Estudos Superiores de Administração" (IESA), que hoje persegue os mesmos objetivos, a formação de quadros políticos tecnocratas de direita.

[8] García, A. Linera (2015) Democracia, Estado, Nação. Editorial Trinchera C.A, Caracas – Venezuela. p.84.

FONTE: escrito por Félix Caballero Escalante, licenciado em Estudos Internacionais. Publicado no site "Carta Maior" com tradução de Victor Farinelli   (http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/10-anos-do-Nao-a-ALCA/6/34804).

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