quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

"BRASIL É O 101º EM LIBERDADE ECONÔMICA" - RUIM?

No jornal Folha de São Paulo de hoje, 16/01/08, o editorial a seguir transcrito fez-me refletir sobre os interesses que movem o mundo e nos tentam impingir maneiras de pensar e agir convenientes para aqueles interesses.
O artigo do "The Wall Street Journal" e da "Heritage Foundation" dos EUA classifica em péssima posição o Brasil, e ainda pior a China, a Índia e outros países que ostentam elevadas taxas de crescimento. A incongruência dessa situação merece uma análise mais detalhada. Estão ruim para quem?
Antes de analisar, transcrevo o editorial da Folha (os grifos em negrito são meus):

"Brasil é 101º em liberdade econômica

País já perdeu 43 posições desde 2003, mostra ranking de instituto americano
Nota do Brasil coloca o país entre os "principalmente sem liberdade", ao lado de Burkina Faso, Argentina e Camboja, por exemplo.


DA REDAÇÃO


O Brasil perdeu duas posições e ficou no 101º lugar entre 157 países no ranking de liberdade econômica, elaborado pelo instituto conservador americano Heritage Foundation em parceria com o jornal "The Wall Street Journal". Essa é a pior posição do país no levantamento desde 1998, quando ficou no 107º lugar.


Neste ano, o país recebeu a nota 55,92 (ante 56,09 em 2007), o que o coloca entre os "principalmente sem liberdade", ao lado de nações como Burkina Faso, Camboja, Argentina e Zâmbia.

Desde 2003, o Brasil já caiu 43 posições na lista. Naquele ano, o país recebeu a sua melhor nota, 63,39, ficando no posto 58. Nos anos seguintes, houve pequenos recuos, mas em 2006 o país caiu para a 70ª posição e, no ano seguinte, para o 99º lugar.

Segundo o estudo, o Brasil, apesar de ser uma potência regional, não é forte em nenhum dos dez itens que compõem o levantamento -como liberdade fiscal, tamanho do governo e liberdade de investimento. Ele critica ainda a carga tributária cobrada de empresas e pessoas físicas, que classifica como "opressiva". "Brasil sofre com uma frágil liberdade financeira e um grande governo central. A inflexibilidade regulatória faz com que a abertura de um negócio leve mais tempo do que a média mundial. Existem em várias áreas restrições significativas sobre o capital estrangeiro e o governo continua fortemente envolvido em bancos e finanças. O sistema judiciário e outras áreas do setor público são ineficientes e sujeitos à corrupção", afirma o estudo.

O levantamento diz ainda que os recentes acontecimentos políticos no Brasil, na Venezuela, na Argentina e no Equador "parecem confirmar" que não são sérios os desejos da América Latina de realizar reformas e aumentar a competição. "A menos que as reformas sejam vistas como algo permanente, as empresas não farão os investimentos necessários para adotar tecnologias mais produtivas", diz o estudo.


Na comparação com os demais países das Américas, o Brasil está em 21º lugar entre 29 nações -Venezuela, Cuba e Haiti ficaram atrás do Brasil. E a nota brasileira ficou abaixo da média da região, que foi 61,6.


O primeiro colocado foi Hong Kong, com nota 90,3, seguido por Cingapura, Irlanda e Austrália.


A China foi a 126ª colocada, e a Índia, a 115ª colocada. A última posição foi da Coréia do Norte, com nota 3,0."

ANÁLISE DA NOTÍCIA

A reflexão a fazer é: Qual o interesse dos EUA em considerar ruim essa situação na China, na Índia, no Brasil e em outros países prósperos? Comemoraríamos em alcançar ótimas posições no ranking elaborado sob a ótica norte-americana?

Para essa análise, é conveniente olharmos o passado recente, quando o Brasil e a América Latina em geral foram assolados com imposições de conceitos "modernos" de Estado e Nação, por interesse egoísta dos países desenvolvidos.

A PROPAGANDA DE INTERESSE EXTERNO QUE VEM ASSOLANDO O BRASIL

Nos anos 90, principalmente, e desde então, foram massificadas pela nossa mídia concepções julgadas muito mais "modernas". Diretrizes novas que nos levariam para o primeiro mundo.
Exemplos: economia totalmente aberta, com livre circulação de capitais financeiros, serviços e mercadorias, sem barreiras tarifárias; total desregulamentação do mercado financeiro; regulamentação econômica tipo laissez faire; Estado-mínimo, não-regulador da atividade econômica, não-promotor do desenvolvimento, voltado apenas para o social ; Estado-enxuto (que a globalização fez substituir o obsoleto Estado-Nação), onde o planejamento estratégico e o comando da economia também são funções do mercado e devem passar para os investidores privados ; reforma administrativa do Estado para adequá-lo à Nova Ordem Mundial; e muitos outros "avançados" conceitos nos eram martelados e ainda são.

Um detalhe é que, no ponto de desnacionalização em que o Brasil chegou no final do século XX, os acima citados "investidores privados" brasileiros passaram a ser, principalmente, as multi e transnacionais estrangeiras que aqui operam no setor produtivo e financeiro. Deixar somente com eles o comando da nossa economia e o planejamento estratégico brasileiro é muito grave.

Um ex-Ministro (C&T e Refoma do Estado) daquela época, Luis Carlos Bresser-Pereira, depois professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), recentemente expressou como via os rumos do Brasil na década de 90:
"A idéia de nação desapareceu. Os critérios para a administração do governo federal foram aqueles ditados por Washington e Nova York e têm como gestor o FMI (Fundo Monetário Internacional) " (Folha de S. Paulo (FSP), 01/05/2004).
Em 23/05/2004, declarou ao mesmo jornal: "Nos anos 90 o Brasil se submeteu a uma ideologia antinacional e permitiu que essa ideologia desorganizasse o Estado brasileiro. O país paralisou-se e ficou sem o conceito de Nação ".

Tentativas brasileiras de exigência de reciprocidade por parte dos países desenvolvidos, como a que seria esperada em decorrência da nossa dadivosa abertura do mercado nacional para eles, eram logo aqui mesmo abortadas como sendo "retaliação burra".

A propaganda com escusos interesses externos insistia muito (e assim continua) na necessidade da nossa urgente e total abertura aos capitais, produtos e serviços estrangeiros.

A verdade, contudo, é que "todos os países desenvolvidos e ricos recorreram a medidas protecionistas para se firmarem como potências. Depois de consolidados nas novas posições, passaram a pregar para os demais o livre comércio como a única via para o desenvolvimento. Copiá-los era ridicularizado como 'prática ultrapassada'. Aqui, a imprensa e nossos dirigentes diziam : 'onde deu certo é assim'; mas não diziam 'enquanto não dava certo não era assim' " (L. Nassif, FSP, 25/05/2004).

Os EUA, porém, não escutam até hoje a sua própria propaganda, o seu próprio canto da sereia neoliberal que nos impõem. Subsídios de bilhões de dólares os EUA concedem anualmente para vários de seus setores estratégicos, especialmente os agrícolas e os de tecnologia.
A Europa age de maneira semelhante.

A "NOVA ORDEM MUNDIAL"

A chamada "Ordem Global" já vinha sendo planejada, organizada e implantada "mais objetivamente" pelos EUA desde 1921, após a Primeira Guerra Mundial.

Esse papel "orientador" veio depois a ser assumido pelos governos dos principais países industrializados, do G -7, e por seus principais instrumentos de execução, isto é, as organizações multilaterais de crédito como o FMI e BID.
Em resumo, vendo com bons olhos, os países desenvolvidos sempre buscaram uma ordem econômica que diziam ser mais justa, mas sem sair das estruturas existentes de poder e domínio ocidental, sem alterar a divisão internacional do trabalho.

Em outras palavras, no nosso caso: o Terceiro Mundo pode até ficar mais justo, mas deve ficar perpetuado, na tal divisão, como subdesenvolvido fornecedor de matérias-primas agrícolas e minerais e como mercado comprador de produtos industrializados.

PERCEPÇÃO DO FRACASSO DO MODELO "MODERNO"

No final da década de 90 já se podia assistir o fracasso dos modelos até então predominantes: a economia de planejamento e comando centralizados e a economia neoliberal.
Os nomes corretos desses modelos não são importantes. Há polêmica entre os teóricos. O relevante é que ambos acarretaram demasiado custo social onde foram aplicados.

O tal de neo ou ultraliberalismo trouxe, para os países da "periferia", além da desindustrialização e outros danos à economia, muitas conseqüências ruins. Nos estudos de economia já as haviam previsto como inevitáveis "efeitos colaterais" do modelo.
As principais conseqüências foram: a eliminação, com o "Estado enxuto", de programas estatais de bem-estar social; a exclusão econômica de grande parte da população e o seu ingresso na faixa de extrema pobreza ; o grande desemprego (e as suas variantes de subemprego e trabalho informal); a fome; o agravamento da desigualdade na distribuição da renda e os conseqüentes grandes aumentos da criminalidade e das perturbações sociais nas cidades e nos campos ; e muitas outras mazelas.

Segundo estudo da ONU divulgado há poucos anos, 44% da população latino-americana já mergulhara abaixo da linha de pobreza ao final da década de 90. Em 1990, nela havia 190 milhões de miseráveis. No final da década, havia o dobro.

A falta de emprego, principalmente o emprego formal, era a principal causadora da indigência. Segundo estudo da UFRJ (Universidade do Rio de Janeiro) publicado há quatro anos, na década de 90 o Brasil perdeu (exportou a maior parte para os EUA) cerca de doze milhões de empregos e ganhou um e meio milhão.
Lógicamente, os norte-americanos não permitem a imigração dos nossos trabalhadores atrás daqueles doze milhões de empregos para lá emigrados. Consideram a " livre circulação de trabalhadores" um conceito absurdo, não moderno.
Ao final daquele século, o Brasil, a Argentina e vários outros países em desenvolvimento que escolheram o caminho do neoliberalismo começaram tardiamente a perceber que se deram mal. O Leste-europeu, com o outro modelo, também.

Saíram-se melhor os países que não obedeceram totalmente ao G-7/FMI , e enfatizaram o seu desenvolvimento tecnológico e a indústria nacional, como foi o caso das chamadas economias mistas, a China, a índia, a Coréia do Sul. Também, a década foi melhor para aqueles que colocaram pelo menos alguma taxa ou controle seletivo sobre o movimento dos capitais, como o Chile e a Malásia.

Nesse cenário de interesses dos EUA e demais países ricos, compreende-se também por que governos de países emergentes "mais nacionalistas" e "protecionistas", estão cada vez mais em perigo. É o caso do Brasil, Argentina, Venezuela, Bolívia, Equador e outros. Serão um obstáculo aos interesses dos EUA e dos demais países do G-7.
Serão desestabilizados principalmente por meio da própria mídia e da elite econômica nacional, visando a serem substituídos por outros governos menos protecionistas e mais liberais.

CONCLUSÃO

Essas reflexões dão maior compreensão sobre o que está por trás da notícia de hoje acima transcrita, sobre os EUA darem notas ruins para a China, a Índia, o Brasil, a Argentina, a Venezuela...Insistem na doutrinação do mundo sob a ótica e interesse deles.
A análise nos faz compreender melhor, também, por que razão a mídia brasileira logo endossou o espírito do Wall Street Journal e Heritage Foundation, criticando a 101ª posição do Brasil no ranking norte-americano...

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