O último parágrafo da postagem anterior deste blog causou-me sérias reflexões.
O tema daquele artigo é a suspeita de que governo de grande potência possa estar envolvido no roubo de dados sigilosos e valiosos da PETROBRÁS sobre as novas e gigantescas reservas de petróleo por ela descobertas.
O assunto está correlacionado com a defesa dos interesses nacionais. A capacidade de defesa foi muito enfraquecida no Brasil nos últimos vinte anos. Esse problema é muito importante e atual, mas tem sido omitido ou desprezado pelos governos e pela mídia.
Expressei naquela postagem que interesses das grandes potências, especialmente dos EUA, têm minado e continuarão a solapar, com a ajuda de muitos brasileiros, qualquer maior esforço e dispêndio concreto para a nossa defesa militar, para o aparelhamento das nossas Forças Armadas.
Não é simples preconceito. Citarei fatos e doutrinações ocorridos no Brasil.
Seria muito bom se o povo brasileiro soubesse a verdade.
Como tem sido ao longo da história, os EUA têm procurado impedir que o Brasil ultrapasse o teto de capacidade de defesa que planejaram como máximo para o Brasil. Impedirão especialmente que sejamos capazes de dissuadir a ganância daquela única hiperpotência militar do planeta, e de seus aliados, por nossas matérias-primas, como o petróleo agora, indispensáveis à continuação deles na condição de ricas grandes potências industrializadas.
Dentro dessa linha, fomos doutrinados com um jargão aqui internalizado e muito repetido nos últimos vinte anos, especialmente durante os governos PSDB/PFL/FHC. Ele veio-me logo automaticamente à memória: “Forças Armadas para quê?”.
Essa pergunta sobre a real necessidade de Forças Armadas no Brasil era freqüente na mídia nos anos 90 e ainda perdura com menor intensidade nos dias atuais. Este mês, ouvi na TV Band o respeitado e renomado comentarista Joelmir Betting criticar o interesse da nossa Marinha por submarinos de ataque. Ele condenou a aquisição e perguntou ironicamente: atacar quem?
O conceito que nos foi incutido diuturnamente na década de 90 pelos nossos governos cooptados é o de que o Brasil não precisa de melhores Forças Armadas. Ao contrário, deve reduzir, “enxugar” as atuais. “Deve gastar somente com o social”.
Naquela década, o cenário típico era o seguinte. Muitos brasileiros vibravam com os filmes norte-americanos nacionalistas, belicistas, onde “marines”, “rambos”, soldados super-heróis, super-inteligentes, com superpoderes, que sozinhos matavam os inimigos aos milhares usando somente os punhos, e tudo com magníficas explosões. Valia tudo pela “freedom”, pela “democracy” e pelo “american way of life”. Muitos de nossos adolescentes vestiam-se com bandeiras dos EUA pregadas nas roupas que imitavam uniforme militar norte-americano.
Quanto ao Brasil, ao contrário, qualquer símbolo nacional ou militar brasileiro, ou desfile militar no Dia da Pátria era debochado, era “demodê”, “cafona”.
Os argumentos constantemente martelados pelo governo e pela imprensa eram: “gastar só com o social”; “não temos ameaças imediatas”; “tecnologia militar e Forças Armadas no Brasil para quê!?!”.
Logo nos primeiros dias do primeiro governo FHC, houve a iniciativa, muito elogiada pela mídia, de criar um Ministério da Defesa com as Forças Armadas rebaixadas na hierarquia, passando a ser subordinadas a um civil leigo.
Há vantagens nessa fórmula. Tudo bem. Mas, até hoje, custa-me acreditar que os verdadeiros objetivos daquele urgente rebaixamento eram, como diziam nossos dirigentes do PSDB/PFL: “aumentar nosso poderio militar, nossa capacidade de defesa, nosso poder dissuasório, nossa soberania e nossa autodeterminação”...
Com o adequado estado de espírito em nós plantado, além de todas as restrições ao desenvolvimento industrial brasileiro que aqui vigoravam, especialmente o tecnológico, no Brasil fomos forçados a reduzir, mais profunda e rapidamente, a nossa já ínfima capacidade de defesa.
Em conseqüência, ocorreu, também, a destruição da então nascente indústria nacional de armamentos. Indústria que, no início da década, já estava entre as maiores exportadoras do mundo, exportava da ordem de US$ 200 milhões por ano e, em 1999, estava reduzida a quase zero.
Assim, ficamos ainda mais fracos e submissos. Não apresentávamos a menor capacidade de resistência à eventual ação no Brasil de força militar estrangeira de alguma potência. O Brasil passou ao quarto lugar na América do Sul em poder militar. Ficou atrás do Chile, do Peru, da Argentina e, dentro em pouco, da Venezuela. Fato absurdo considerando-se o nosso patrimônio a defender, muitas vezes maior do que o daqueles países sul-americanos.
Aquela capciosa campanha continuou na imprensa, mesmo após o governo FHC. O jornal Folha de S. Paulo (FSP) publicou em 02/05/2004, como “Opinião”: “O Brasil ter Forças Armadas é só por diletantismo, já que há décadas não há guerras e não há nenhuma guerra à vista”.
Naquele ano, no dia da celebração da independência brasileira, o mesmo jornal publicou: “Parada militar para celebrar o chamado Dia da Pátria é, em país pacífico, uma imitação de países guerreiros e, acima de tudo, uma impropriedade absoluta e lamentável” (Jânio de Freitas, FSP, 07/09/2004).
O máximo que era tolerado era o Brasil ter Forças Armadas para missões policiais em favelas, combate ao narcotráfico, defender alguma fazenda invadida por sem-terra. O nosso glorioso Exército chegou a ser empregado no final daquela década de 90 para defender uma das fazendas, em MG, registrada em nome de filhos do presidente FHC. Foi um ato inconstitucional, pois necessitava de prévio decreto submetido ao Congresso declarando a intervenção naquele estado. Foi um crime incorrido por quem deu a ordem, segundo a Promotoria da Justiça Militar (Carta Capital, 21/05/2004). Um imenso gasto do dinheiro público para fins particulares.
Praticamente todos os jornais e TVs, defensores do governo PSDB/PFL, justificaram aquele emprego do Exército com o argumento de que “ocorrera situação de excepcional ameaça à Segurança Nacional”.
Porém, nem para estar em condições de cumprir aquelas “nobres” tarefas, o governo e o Congresso davam os meios e os recursos às nossas Forças Armadas.
Era também aceito pelo governo e pela mídia que as Forças Armadas brasileiras poderiam ser empregadas no exterior para lutar por “causas democráticas”. Com a condição de serem parte das Forças Armadas dos EUA e por elas equipadas e comandadas (como havia sido na 2a Guerra Mundial), ou sob forças da ONU, que até então só agiam em coincidência com interesses “de paz” dos Estados Unidos.
Aquilo tudo que ocorria no Brasil era completamente coerente com os interesses dos EUA e das demais grandes potências. E a eles convinha no dia-a-dia dos tempos de paz.
Para o Brasil, as ameaças e ordens de grandes potências vieram, e continuam vindo, com muita freqüência. Chegam em formas diferentes, ostensivas ou sutis, transmitidas direta ou indiretamente. Digo isso por fatos acontecidos, não são hipóteses ou fantasias. As seguintes ordens já foram recebidas pelos nossos dirigentes em outra linguagem: “crie e aprove tal lei até tal prazo (sobre licitações, patentes, privatizações)”; “institua a Grande Nação Indígena Y e crie as suas futuras fronteiras internacionais”. Se não fizer isso, o Brasil será punido assim, assim e assado.
O Brasil sempre obedeceu, nem sempre com a pontualidade exigida. Quanto mais indefeso militarmente, mais incapaz o país ficava para resistir às vontades dos mais fortes, mesmo em tempos de paz. Isso não mudou, até piorou, no então muito endeusado “mundo moderno e globalizado”.
Naquele ambiente, as desarmadas Forças Armadas brasileiras foram tornadas, ao longo da década, ainda mais obsoletas, sucateadas. Perderam todo o poder dissuasório. Poder que no início dela, em 1990, já era fraco até no âmbito sul-americano.
Mesmo assim fracas, o influente ex-secretário de defesa (DOD) dos EUA e ex-presidente do Banco Mundial, Robert McNamara, publicou, em abril de 1991, que o Brasil e outros países do Terceiro Mundo, mediante “severas condicionalidades”, deveriam “ter suas ajudas financeiras vinculadas à redução dos gastos militares a níveis ideais, ao menos à metade até o final da década”.
Em 1990, antes de as pressões externas se agravarem com as mais rígidas restrições e “condicionalidades” que nos passaram a ser explicitamente impostas, principalmente via FMI, o total dos gastos militares do Brasil já significava somente um terço do despendido no ano com o pagamento de juros aos bancos estrangeiros. E isso somente a parte referente à dívida do governo, excluídos os devedores privados.
Não adiantava argumentar que muitas despesas ditas “militares” (que o Brasil deveria “reduzir à metade”) eram para suprir atividades não-militares.
Exemplifico o caso da Aeronáutica, mais conhecido do público após o intrigante “caos aéreo”: a construção de aeroportos; a manutenção e operação de toda a infra-estrutura aeroportuária e de controle do tráfego aéreo civil; a proteção ao vôo; a construção e o crescimento industrial e tecnológico da EMBRAER, da CELMA e de muitas outras indústrias de importância estratégica para a nossa defesa (que, infelizmente, ao longo da década foram passadas para mãos estrangeiras); o transporte gratuito (CAN) em regiões carentes; o ensino gratuito de altíssimo nível (ITA e outros); e muito mais. Tudo isso era incluído no Orçamento da União como grandes gastos “militares”. Igualmente, a Marinha e o Exécito despendem grande parte dos seus orçamentos em benefício da população civil.
Considerando o nosso território, população, recursos, fronteiras terrestres, marítimas e fluviais, o PIB e os parcos meios de defesa existentes, o Brasil investia em segurança menos do que quase todos os países do mundo. Mesmo adicionando-se como sendo das Forças Armadas aqueles gastos de interesse civil, mas enquadrados no orçamento da União como “militares”. Até o Vaticano gastava proporcionalmente mais em segurança, per capita, do que o Brasil.
Esses explicações eram desprezadas, até ridicularizadas. O objetivo governamental era outro. Atendendo ao Departamento de Defesa dos EUA (DOD), ao BID e às tais “condicionalidades” ameaçadas por McNamara, impostas via FMI, ainda teríamos que reduzir os gastos “militares” “ao menos à metade” até 1999!?!
A triste verdade: obedecemos e reduzimos até bem mais!...
O país, dolosa ou inocentemente, ficou sem o mínimo indispensável respaldo militar para uma política externa soberana.
Muitos militares cegos ou míopes, ainda imersos no quadro do auge da guerra fria já distante mais de dez anos, diziam que aquilo era conduzido no Brasil como “coisa de comunistas, de revanchistas”. Por sua vez, não interessava ao governo, à nossa elite e à imprensa, cooptados, esclarecê-los de que o inimigo ao qual aqueles "comunistas" do governo aderiram era o outro da guerra fria. O engraçado é que muitos daqueles governistas "comunistas" se sentiam heróis por terem se auto-exílado nos tempos da ditadura, em Santiago, Paris, Roma, EUA.
Os EUA, várias vezes, manifestaram claramente que hoje são dispensáveis as Forças Armadas clássicas na América Latina.
O importante para eles é termos apenas milícias voltadas para o combate ao narcotráfico e para a segurança interna.
Volta e meia, grandes jornais brasileiros batem na mesma tecla. O principal argumento é: “Não há guerras!”.
Esse conceito que muitos aqui defendem é perigoso e nenhum estadista assumiria o risco. Seria extingüir o Corpo de Bombeiros porque há tempos não há incêndios!...
Nenhum país, mesmo os sem ameaças evidentes (que hoje surgem muito rapidamente), deixou de investir em segurança, nas suas Forças Armadas. Exceto notórias exceções, com situação não aplicável ao Brasil (ex.: Porto Rico, Andorra, Nepal, Liechienstein e outros).
Força Armada forte somente quando houver necessidade? Não! Não existe a possibilidade de comprar-se armamentos, preparar a correspondente infra-estrutura e o pessoal especializado somente quando surgir uma ameaça. Os tempos consumidos para isso são muito grandes, muitos anos, e as ameaças hoje surgem com muito maior rapidez. Também, em tempos de crise é praticamente impossível comprar-se armamentos. Há bloqueios pelos países fornecedores e outros impeditivos.
Os militares norte-americanos, em particular os do “Comando Sul”, cuja sede veio a ser transferida do Panamá para a Flórida, insistentemente nos sinalizavam, na década de 90, que estavam interessados em “nos ajudar”.
Estavam dispostos a “colaborar com os parceiros da América Latina, enviando tropas e assessores para a sua (dos EUA) crescente luta no hemisfério em missões não-tradicionais contra ameaças como: o narcotráfico; a destruição de florestas tropicais; a violação de direitos humanos e indígenas; a produção e a exportação de ‘armas convencionais mortais’(?); a emigração ilegal para os EUA; o exagerado crescimento populacional; o conhecimento de tecnologias de natureza dual (uso civil, mas eventualmente militar), como a nuclear e a espacial; a ditadura socialista em Cuba”; e outras “ameaças” que vieram a acrescentar, como os governos “populistas” da Venezuela, da Bolívia e do Equador.
Os tais militares do Comando Sul certamente considerariam, no entanto, uma inaceitável e grave ofensa qualquer proposta de ajuda recíproca que fizéssemos, isto é, tropas brasileiras nos EUA para lá combater algumas daquelas “importantes lutas hemisféricas”.
Os EUA justificavam a sua intervenção militar na Amazônia colombiana e equatoriana como a única solução que sobrou. Chegaram a utilizar armas químicas e biológicas para devastar as plantações de coca na Amazônia.
Diziam que tinham que assim agir na América Latina porque fracassaram na repressão interna, nos EUA, à importação, ao comércio e ao uso de drogas. Segundo eles, aquelas ações repressoras dentro dos EUA violaram muito a lei, a liberdade e o direito do cidadão norte-americano comerciar drogas ou drogar-se. Por isso, tinham que empreender aqueles combates fora do território dos Estados Unidos...
Aquelas pressões dos EUA citadas nos parágrafos acima, intensas nos anos 90, aqui desencadeadas com o apoio do governo, da imprensa e de muitos brasileiros, ainda continuam no Brasil. As nossas Forças Armadas pouco melhoraram. Continuam desarmadas.
Pelas revelações da imprensa, os EUA até abriram novas frentes. Por exemplo, o jornal Folha de S. Paulo, em 30/06/2004, noticiou que o Departamento de Defesa dos EUA (DOD) vê a região da tríplice fronteira Brasil-Argentina-Paraguai como financiadora de terroristas árabes.
Naquela região, situa-se a gigantesca usina de Itaipu, fornecedora de mais de 25% da energia elétrica consumida pelo Brasil.
O DOD chegou a propor uma “ação forte” (!?!) dos EUA na tríplice fronteira. O “Jornal da Band” divulgou em 02/08/2004 que, “logo após o atentado de setembro de 2001 em Nova Iorque, o Pentágono propôs à Casa Branca um forte ataque de surpresa ao Brasil e ao Paraguai naquela região, antes de os EUA atacarem o Afeganistão e o Iraque”.
Obviamente, se o Brasil possuísse Forças Armadas com um mínimo suficiente de poder dissuasório, seria um pequeno obstáculo, mas seria, àquela prepotente liberdade de atuação que os EUA se julgam no direito de ter, pelo fato de possuírem muito maior poder militar que todas as nações do mundo. O nosso poder de causar algumas baixas faria eles refletirem mais antes de atacar.
Duvido que o Pentágono propusesse ao presidente Bush aquele ataque na tríplice fronteira se tivéssemos Forças Armadas comparáveis às da Índia, ou China, ou França, ou Coréia do Norte, ou a qualquer outro país não desarmado como ficou o Brasil.
As gigantescas reservas petrolíferas agora descobertas pelo Brasil agravam muito mais esse grave quadro de ausência de capacidade de defesa do patrimônio brasileiro.
Contudo, conhecendo a nossa imprensa, não ficarei surpreso, se o assunto do roubo de dados preciosos da PETROBRÁS vier a ser esfriado, minimizado, se passarem a incriminar somente a própria empresa nacional, “desleixada”, se divulgarem que tudo foi obra apenas de um João Ninguém que roubou aqueles dados e equipamentos pensando em ganhar um dinheirinho no mercado dos camelôs.
Assim, recolocarão a pergunta no ar: “Forças Armadas para quê?”
Os brasileiros estão conscientes de tudo isso?
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