sábado, 19 de abril de 2008

BRASIL: EXPORTAR URÂNIO BRUTO E BARATO OU ENRIQUECIDO?

O Le Monde Diplomatique (Brasil) deste mês publica um artigo muito bom de autoria de Sergio Xavier Ferolla e Paulo Metri.

Os autores alertam que, neste momento, algumas mineradoras, inclusive estrangeiras, agem furtivamente em lobby no Congresso, sem notícias na mídia, para tornar possível que elas possam produzir no Brasil urânio para exportá-lo a baixo custo na forma mais primária.

Ferolla e Metri propugnam que é preciso ser levada em consideração pelos órgãos federais e pelos congressistas a nossa capacitação tecnológica e industrial no setor nuclear, que é capaz de agregar valor ao produto e vendê-lo em forma muito mais compensadora para o país.

Em resumo, o dilema apresentado é o Brasil exportar urânio enriquecido ou quebrar o monopólio estatal para poder exportá-lo bruto e barato, como agora pressionam mineradoras nacionais e estrangeiras?

Leiamos o artigo do Le Monde [colchetes inseridos por este blog]:

OLHO GRANDE SOBRE O URÂNIO BRASILEIRO

Um poderoso lobby age em silêncio, no Congresso e junto ao Executivo, para quebrar o monopólio estatal sobre o combustível. Interesse: exportá-lo em estado primário, num momento em que os preços internacionais não param de subir e o país desenvolveu tecnologia para processá-lo”.

[COMBUSTÍVEIS PARA GERAÇÃO ELÉTRICA]

“O Balanço Energético Nacional de 2007 nos indica que, para a geração elétrica no mundo em 2005, foram utilizadas as seguintes fontes: o carvão mineral com participação de 40,3% do total gerado, o gás natural com 19,7%, a energia hidráulica com 16,0%, a nuclear com 15,2%, os derivados de petróleo com 6,6% e outras fontes com 2,2%.

Com o preço do barril de petróleo ultrapassando a barreira dos US$ 100 e, obviamente, os preços dos derivados e do gás natural acompanhando essa escalada, somado ao fato da ameaça do efeito-estufa, em decorrência da queima dos hidrocarbonetos e do carvão, a humanidade enfrenta o desafio da busca de fontes geradoras de eletricidade mais limpas e competitivas.

Alguns aproveitamentos hidráulicos causam fortes impactos ambientais, que proíbem seu uso, e muitas das fontes alternativas ainda não foram suficientemente desenvolvidas, como a solar, de forma que ainda fornecem eletricidade a preço proibitivo.

[A SOLUÇÃO ENERGÉTICA NUCLEAR E O URÂNIO]

As necessidades de mais curto prazo estão a impor caminhos já conhecidos e a energia nuclear desponta sempre como forte candidata.

Nesse contexto, os programas nucleares existentes no mundo começam a serem revisados, inclusive impondo-se a antecipação da construção de novas usinas. Como decorrência, prevê-se um crescimento considerável do consumo de urânio, em futuro próximo, com a acelerada valorização desse estratégico energético.

Com o término da guerra fria, por volta de 1990, estoques de urânio destinados, inicialmente, para fins militares, foram ofertados em torno de US$ 10 por libra de urânio (U3O8), no mercado de geração elétrica, tanto pelos Estados Unidos como pela Rússia. Quando os estoques militares mostraram sinais de esgotamento, a libra de urânio atingiu US$ 130 em 2007, estando atualmente em torno dos US$ 95.

[EXPORTAR URÂNIO ENRIQUECIDO OU QUEBRAR O MONOPÓLIO ESTATAL PARA EXPORTÁ-LO BRUTO E BARATO?]

“Aceitar a concessão seria cercear as conquistas da tecnologia nacional, para manter programas nucleares de países que não têm urânio, como França, Inglaterra, Japão, Alemanha, China e Índia”

O Brasil, além de possuir 309 mil toneladas de reservas de urânio conhecidas, através da estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), domina a tecnologia do enriquecimento, que agrega enorme valor ao produto, caso seja decida a exportação.

O enriquecimento, em escala industrial, é realizado na INB, que também fabrica, depois do urânio ser enriquecido, os elementos combustíveis, significando nova agregação de valor ao produto final.

Nossa capacitação tecnológica e industrial no setor nuclear precisa ser levada em consideração pelos órgãos federais e pelos congressistas, nesse momento em que algumas mineradoras, inclusive estrangeiras, demonstram a intenção de produzir urânio para exportá-lo na forma mais primária (U3O8).

Aceitar esse tipo de concessão significará o cerceamento das conquistas da tecnologia nacional, com a conseqüente limitação dos benefícios para toda a sociedade, permitindo que tais mineradoras abasteçam unidades de enriquecimento no exterior, para manter programas nucleares de países que não têm urânio, como França, Inglaterra, Japão, Alemanha, China e Índia.

O lobby das mineradoras junto ao Executivo e ao Legislativo é enorme, pois, para poderem atuar nesse setor é necessário que o monopólio estatal do urânio seja extinto, sabendo-se que, para tal, um deputado já apresentou proposta de emenda à Constituição, a PEC 171.

A demanda por fontes de energia tem motivado guerras e tragédias sociais em várias regiões do globo, causando a denominada geopolítica do petróleo, presente nos planos e ações das grandes potências industriais e militares.

A exaustão dos hidrocarbonetos, a agressão ao meio ambiente pela queima dos combustíveis fósseis e o irreversível crescimento de muitas nações emergentes, exigindo maior suprimento de energia, levará, em futuro muito próximo, à aparição da geopolítica do urânio.

Para esse cenário de forte e disputada demanda por energéticos geradores de eletricidade, impõe-se preservar nossas reservas de urânio como monopólio inflexível do Estado, bem como expandir e aperfeiçoar as preciosas conquistas da engenharia e da técnica nacional, no domínio do combustível nuclear.”

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