Na postagem imediatamente anterior, este blog tratou da derrota dos EUA no Vietnã. Há 33 anos, em 1975, finalmente Saigon capitulou frente às tropas vietnamitas da unificação. Antes, em 1968, uma ofensiva fora decisiva para a vitória. No trecho com o subtítulo “A ofensiva do Ano TET e o desengajamento”, escrevemos:
“Em 30 de janeiro de 1968, os vietcongs fizeram uma surpreendente ofensiva - a ofensiva do Ano Tet (o ano lunar chinês) - sobre 36 cidades sul-vietnamitas, ocupando inclusive a embaixada americana em Saigon.
Morreram 33 mil vietcongs nessa operação arriscada, pois expôs quase todos os quadros revolucionários, mas foi uma tremenda vitória política.
O gen. Wetsmoreland, que havia dito que "já podia ver a luz no fim do túnel", predizendo uma vitória americana para breve, foi destituído, e o presidente Johnson foi obrigado a aceitar negociações, a serem realizadas em Paris, além de anunciar sua desistência de tentar a reeleição.”
Há duas semanas (25/04), o jornal espanhol El País, em texto de Georgina Higueras, enviada especial a Hanói, e tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves para o portal UOL Mídia Global, publicou a entrevista com um dirigente vietnamita que participou ativamente das batalhas pela unificação do Vietnã. A seguir transcrevemos:
"VENCEMOS OS EUA PORQUE SOUBEMOS ENGANÁ-LOS", diz ex-chefe da propaganda do exército do Vietnã
"Ele tem 81 anos, mas física e mentalmente aparenta muito menos. O tenente-general Nguyen Dinh Uoc afirma, 40 anos depois da ofensiva do Tet -o Ano Novo vietnamita-, que o alto comando local a deslanchou porque sabia que "para ganhar a guerra do exército mais avançado do mundo precisava confundi-lo e prendê-lo em seu engano".
Uoc, que esteve à frente da divisão de tanques durante a batalha de Dien Bien Phu -na qual o legendário general Vo Nguyen Giap arrebatou o Vietnã da França em 1954- afirma que daquelas lutas não resta rancor. "Lutávamos com coragem pela reunificação do Vietnã", diz.
Antes das eleições de 1956, previstas na Conferência de Genebra e impedidas pelos EUA, esse tenente-general foi destinado à frente da propaganda militar como diretor da revista do exército. Leia abaixo sua entrevista.
El País - O senhor participou da preparação para a ofensiva do Tet?
Nguyen Dinh Uoc – Não. Exatamente o segredo foi um dos motivos de seu sucesso. Só seis pessoas a planejaram e estiveram a par de toda a operação: o general Van Tien Dung, como seu comandante; Tran Van Tra, comandante-em-chefe da Frente Nacional de Libertação do Vietnã do Sul (vietcongue, na terminologia americana); Le Duan, secretário-geral do Partido Comunista do Vietnã, e o general Giap, responsável militar máximo e mão-direita do líder Ho Chi Minh, que já estava doente.
EP - Os senhores consideraram perdida a batalha de Khe Sanh antes de começá-la?
Uoc - Foi nossa decisão. Khe Sanh foi a armadilha. Os EUA pensaram que faríamos em Khe Sanh a mesma coisa que em Dien Bien Phu, mas nós sabíamos que eles tinham uma força destrutiva muito maior que os franceses e que não podíamos enfrentá-los diretamente. Infiltramos nossos homens pelos morros, diante da base dos EUA em Khe Sanh, e eles concentraram ali duas divisões aéreas e mais de 500 aviões e helicópteros, enquanto nós penetrávamos por todo o Vietnã do Sul. (Em menos de três meses de sítio, combates e bombardeios -entre 21 de janeiro e 6 de abril- morreram 10 mil vietnamitas e 500 fuzileiros navais americanos.)
EP - Por que foi lançada a ofensiva do Tet?
Uoc - Para virar a guerra. Os EUA pensavam que a guerra estava ganha, que éramos muito fracos e só podíamos atacar na floresta. Demonstramos nossa força e nossa coragem com um ataque conjunto no coração das cidades de 41 províncias em duas noites (31 de janeiro e 1º de fevereiro).
EP - Por que escolheram a trégua do Ano Novo para atacar?
Uoc - Precisávamos pegá-los de surpresa, e apesar de já estarmos preparados havia alguns meses quisemos causar o máximo impacto em um ano eleitoral americano e esperamos o início de 1968.
EP - Que conseqüência imediata teve a ofensiva?
Uoc - A confusão da Casa Branca, que precisou reunir em 25 e 26 de março toda a cúpula de seus estrategistas para ver o que se faria no Vietnã. Era o que queríamos.
EP - Temeram que os EUA respondessem com armas nucleares?
Uoc - Sabemos que avaliaram essa possibilidade, mas a descartaram porque pensaram que a União Soviética ou a China responderiam e não queriam se meter em um conflito nuclear. Além disso, entre 1964 e 1972 capturamos 591 militares americanos, na maioria pilotos, e não queriam arriscar-se a matá-los.
EP - Militarmente, a ofensiva do Tet é considerada uma batalha perdida, apesar de por causa dela o Vietnã ter ganhado a guerra.
Uoc - Não perdemos nada porque ganhamos tudo. A reunificação era a única coisa que importava.
EP - Morreram 45 mil norte-vietnamitas, contra 6 mil americanos e sul-vietnamitas. Como se pode considerá-la uma vitória?
Uoc - Foi o princípio do fim da presença dos EUA em nosso país, a saída do general Westmoreland do Vietnã; o fim do presidente Johnson, que não se candidatou à reeleição, e no início no ano seguinte a retirada parcial das tropas americanas.
EP - Depois de tanto sofrimento, agora são invadidos pelos investimentos americanos. Qual é sua opinião?
Uoc - Que sejam bem-vindos! A guerra passou e hoje temos de olhar para o futuro. Nossas relações são novas, não se parecem em nada com o passado. São relações de benefício mútuo entre países livres."
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