Esta série teve início em 3 de março último, quando abordamos o risco de guerras na América do Sul por interesse norte-americano e com o envolvimento brasileiro ou com grave repercussão no Brasil.
A maioria dos brasileiros considera esse risco inexistente e, muitos outros (principalmente após a década de lavagem cerebral pró-EUA durante o governo PSDB/PFL-DEM/FHC), consideram que ver os Estados Unidos como uma ameaça à nossa paz é uma simples fantasia de comunistas, ou de "dinossauros nacionalistas" ou de uma pobre e jurássica "teoria da conspiração".
Assim, surgiu a necessidade de relembrarmos com maior amplitude o comportamento belicoso dos EUA desde o século passado.
Desde então, fomos eventualmente postando, fora da ordem cronológica, vários artigos sobre o tema.
RETROSPECTIVA DA SÉRIE
Até hoje, foram postados os seguintes artigos:
1) “Risco de guerras na América do Sul”, em 3 de março;
2) “Os EUA e a mídia” e “O terror atômico suavizado na mídia”, em 11 de março;
3) “O terror no Panamá por ‘justa causa’”, em 12 de março;
4) “Ataques dos EUA contra Granada, Somália, Sudão e outros”. (também foram lembrados os ataques ao Haiti, em 1994 e em 2003, bem como os ataques ao Afeganistão e ao Paquistão na noite de 20/08/2008). Postado em 15 de março;
5) “A primeira guerra dos EUA contra o Iraque, em 1991”; artigo de 17 de março;
6) “A segunda guerra contra o Iraque”, postado em 19 de março, no 5º aniversário daquela guerra;
7) “Fatos muito estranhos na guerra dos EUA contra o Afeganistão”, publicado em 22 de março;
8) "As guerras ‘preventivas’ dos EUA na América do Sul”, em 30 de março;
9) "O cinismo global de Bush", em 01/04/2008;
10) “A mídia esconde: os brasileiros estão pagando muito caro pela guerra do Iraque", postado em 17 de abril;
11) "O novo Iraque pode ser aqui”, publicado em 18 de abril; e
12) “A derrota dos EUA no Vietnã.”, postado em 18 de maio.
Hoje (01/06), encontrei no site “Agência Carta Maior” um muito bom artigo lá publicado ontem. Ele se encaixa perfeitamente dentro do objetivo desta nossa série, o de mostrar o risco de guerras na América do Sul por interesse norte-americano e com o envolvimento brasileiro ou com grave repercussão no Brasil.
O autor é René Báez, economista e professor universitário equatoriano. Recebeu o Prêmio Nacional de Economia e é membro da "International Writers Association". Foi traduzido para o português por Naila Freitas, da Verso Tradutores. O título original é:
“EUA – COLÔMBIA, A LÓGICA DO TERRORISMO DE ESTADO”
“A amarga experiência colombiana não está circunscrita às suas fronteiras. Produto combinado da dominação externa e da espoliação interna, o Plano Colômbia tem irradiado de modo progressivo seus sinistros instrumentos e conseqüências, especialmente para os países andinos.”
“QUITO - O Plano Colômbia, projetado pelo governo de Andrés Pastrana e o Departamento de Estado dos Estados Unidos, co-financiado pela União Européia e que entrou em vigor pela mão do democrata Bill Clinton durante sua visita a Cartagena, em agosto de 2000, por trás da fachada de cruzada contra o narcotráfico e, posteriormente, de luta contra o terrorismo internacional, oculta obscuros interesses metropolitanos e da oligarquia colombiana. Vamos explorar esses propósitos.
O objetivo geopolítico fundamental dos EUA, depois da implosão do "socialismo real" europeu, não é outro que consolidar sua hegemonia unipolar. Deste propósito maior derivam as metas estratégicas do Plano Colômbia:
a) Garantir o controle político-militar norte-americano no norte da América do Sul (enfraquecido após a retirada do Panamá da Base Howard, em 1999).
b) Instalar encraves militares para apropriar-se dos recursos naturais, energéticos e bioenergéticos da Amazônia.
c) Controlar o comércio sub-regional com os países asiáticos.
d) Despovoar territórios por meio de operações de genocídio e etnocídio.
e) Enfraquecer a gravitação geopolítica do Brasil.
f) Evangelizar os latino-americanos no culto ao mercado e à democracia formal, entre outros.
No terreno estritamente econômico, o Plano busca reforçar as colunas do capital financeiro, sustentando a produção e venda de armas, reforçando a indústria química e melhorando, para Wall Street, os lucros provenientes do tráfico internacional de drogas psicoativas naturais.
Os benefícios do programa para os "senhores da guerra" norte-americanos tornaram-se evidentes quando uma parte significativa do dinheiro entregue inicialmente por Washington teve como destino a compra de helicópteros Blackhawks, que são fabricados somente nos EUA.
Por outro lado, uma nota do New Herald, que coincidiu com a oficialização do Plano, infirmou que as fumigações dos cultivos de coca e papoula eram feitas com o Roundup, um agrotóxico produzido pela Monsanto.
Depois de intensificados os bombardeios químicos, ficamos sabendo que o preço do quilo de cocaína em Nova York disparou, passando de 120 mil para 240 mil dólares, para felicidade dos "branqueadores" do primeiro mundo que, em última instância, são os maiores beneficiários desse colossal negócio, estimado atualmente em mais de 700 bilhões de dólares e equiparável ao do petróleo ou à fabricação e comércio de material bélico.
Nos tempos da administração do republicano George W. Bush, o Plano Colômbia foi reformulado com o sarcástico nome de Iniciativa Regional Andina (IRA), com o evidente propósito de internacionalizar a guerra civil que flagela a irmã nação fronteiriça como corolário do assassinato do líder popular Jorge Eliécer Gaitán, em 1948; e, depois do 11 de setembro de 2001, seria incorporado à famigerada campanha mundial contra o terrorismo decidida pelos "falcões" do complexo industrial-militar norte-americano como meio para aprofundar um keynesianismo de guerra e "neutralizar"/eliminar os dissidentes da globalização corporativa (chamem-se líderes da oposição parlamentar, dirigentes sindicais, defensores dos direitos humanos, ecologistas, guerrilheiros, cristãos libertários, indígenas ou simplesmente excluídos pela acumulação por perda de posse institucionalizada pelo "capitalismo do Pentágono").
Como todo fato histórico, o Plano Colômbia sustenta-se também em fatores endógenos, neste caso inerentes a esse país. Do que estamos falando?
Resultado de uma evolução contrafeita e subordinada, a crise colombiana do café, nos anos 1970, derivou em uma constelação de problemas econômicos, sociais, políticos e institucionais cada vez mais agudos.
Um trágico derivado da sua crise multidimensional foi que o país sul-americano se transformou, a partir da citada década, em um importante produtor e exportador de drogas para o vasto mercado ianque (um mercado de aproximadamente 60 milhões de viciados irrecuperáveis), fenômeno induzido pela abertura comercial instrumentada pelos governos conservadores e liberais colombianos seguindo as recomendações-imposições de entidades como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, o BID, a CAF.
A abertura colombiana para a importação de bens produzidos pelo poderoso e subsidiado "agrobusiness" norte-americano, ao mesmo tempo que provocou a ruína dos camponeses, forçou-os ao êxodo em direção às cidades ou a tentar sobreviver com cultivos não-tradicionais.
Esta "reconversão" da agricultura colombiana resultou na constituição de uma matriz produtiva com umas 100 mil famílias estabelecidas em dezenas de milhares de hectares e abriu passagem para processos de industrialização e comercialização de maconha, coca e papoula, atividades que representam lucros para um amplo espectro social interno, que inclui desde partidos políticos da ala liberal/conservadora, legisladores, juízes, banqueiros e jornalistas, até paramilitares e chefes da droga de diverso perfil, fornecedores de armas, oficiais e tropas do Exército e da Polícia, pequenos produtores agrícolas, raspachines (pessoas que colhem a folha de coca) e "pericos". A guerrilha esquerdista das FARC, segundo declarações de seus comandantes, cobra tributos de camponeses, refinadores e narcotraficantes.
Além de defender sua fatia no grande bolo do narcotráfico, cuja fração mais importante é retida e investida nas metrópoles, a oligarquia do norte encontrou no Plano Colômbia o melhor álibi para promover sua reforma agrária "às avessas", consistente em expulsar de seus assentamentos ancestrais camponeses e comunidades indígenas, apropriar-se de suas terras por meio de operações do Exército e de grupos paramilitares e, posteriormente, formar latifúndios para o cultivo de palma africana, soja e outras produções primárias congruentes com a velha/nova divisão internacional do trabalho promovida pelo capital transnacional a partir dos anos 1970, por meio da implantação de ditaduras fascistas no Cone Sul, como as de Augusto Pinochet, no Chile, e Rafael Videla, na Argentina.
O enfraquecimento institucional e moral do Estado colombiano, que inclusive já fez com que perdesse o controle de aproximadamente um terço do seu território e da metade dos seus municípios, abre uma larga passagem para que os Estados Unidos assumam um virtual protetorado da nação sul-americana e para que, esgrimindo o mito da "sociedade sem drogas" ou a metáfora da "guerra infinita contra os terroristas" tenha criminalizado uma sociedade inteira em uma tentativa de legitimar guerras neocolonialistas em conivência com a União Européia.
A amarga experiência colombiana não está circunscrita às suas fronteiras. Produto combinado da dominação externa e da espoliação interna, o Plano
Colômbia/IRA/Plano Patriota, imposto com os TLCs, o IIRSA (Iniciativa de Integração da Infra-estrutura da América do Sul) e o Plano Mérida (o recém estreado "Plano Colômbia mexicano"), tem irradiado de modo progressivo seus sinistros instrumentos e conseqüências, especialmente para os países andinos.
As recorrentes violações da soberania de países como a Venezuela e o Equador, protagonizadas por Álvaro Uribe, um ex-colaborador do "Chefe" Pablo Escobar, inscrevem-se no contexto histórico laconicamente descrito.”
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