“PARA ALGUNS, NÃO HÁ DÚVIDA: ESTE É O FIM, OU O COMEÇO DO FIM DO IMPÉRIO AMERICANO; NÃO TENHO TANTA CERTEZA... “
Li o seguinte artigo de Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco), na “Folha de São Paulo” de domingo:
“Qual será o limite para que os custos de erros evitáveis do governo norte-americano provoquem processo irreversível de declínio dos Estados Unidos?
Três trilhões de dólares seriam o custo real da Guerra do Iraque, estima um livro de Joseph Stiglitz e Linda Birnes. O prejuízo ocasionado pela crise financeira pode chegar a mais de 30% do PIB (Produto Interno Bruto), entre US$ 3 trilhões e US$ 4 trilhões, segundo julgam certos analistas. Será possível que isso não passe de um piscar de olhos na alegre irresponsabilidade do país?
Pode-se discutir se essas são as cifras verdadeiras ou se parte do que se vai gastar para salvar o sistema financeiro não será recuperado. De qualquer forma, os números serão gigantescos e não representam mais do que uma pálida indicação das perdas humanas e morais: vidas sacrificadas, seres mutilados, esperanças desenganadas.
Para alguns, não há dúvida: este é o fim ou, ao menos, o começo do fim do império americano. Não tenho tanta certeza, pois vivi de perto episódio anterior, por alguns aspectos até mais grave do que o atual. Cheguei a Washington como conselheiro da Embaixada do Brasil em 1974, quando o processo de Watergate se encaminhava para seu inexorável desfecho. Em manhã de garoa cinzenta e triste, assisti ao discurso de renúncia de Nixon e confesso que me deixei tocar pela solene gravidade do momento.
Acompanhei pela TV as cenas dramáticas dos helicópteros partindo do terraço da Embaixada dos Estados Unidos, cachos humanos pendurados das rodas, enquanto as tropas do Vietcongue entravam em Saigon. A humilhação, a impotência, a frustração dos americanos eram patéticas: para que tinha servido o sacrifício de 55 mil de seus soldados e de 2 milhões de vietnamitas? Nem faltava o ingrediente econômico sob a forma dos choques do petróleo, a explosão de preços, as filas intermináveis nos postos de gasolina, a inflação, o abandono abrupto do sistema monetário do lastro ouro.
Comentei com meu chefe, o sempre pranteado embaixador Araujo Castro, que tudo aquilo me parecia um estrago irreparável no prestígio e no poderio dos Estados Unidos, a começar pela Ásia, onde tanto se temia o "efeito dominó" que se seguiria à derrota. "Engano seu", disse-me o embaixador, "não se passará muito tempo antes que o Vietnã implore aos americanos a oportunidade de comerciar com eles." Foi o que se deu. Os vietnamitas, que se converteram no mais recente e agressivo dos tigres asiáticos, assinaram com Washington um acordo duríssimo, no qual aceitaram tudo e algo mais, inclusive cláusulas ambientais e trabalhistas.
Explicou-me então sua teoria do "overdraft" ou "saque a descoberto". "Como os indivíduos, os países têm limites diferentes para o que podem sacar a descoberto no banco da história.
Para o Brasil, a margem em que pode errar sem conseqüências irreversíveis é estreita. O limite dos Estados Unidos é incomensurável." Conto a conversa porque a imagem do "overdraft" se adapta às mil maravilhas a um colapso financeiro em que todo o mundo sacou o que não tinha. Daquela vez, deu certo: a crise levou ao poder Reagan, e todos conhecem o resto da história da recuperação do moral e do poder dos Estados Unidos. E agora, até quando os chineses, na euforia da Olimpíada, do saldo comercial e de sua estação espacial, deixarão que os americanos continuem a sacar das reservas deles para viver muito além dos próprios meios?”
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