Li ontem no UOL, em tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves, o seguinte texto de Soledad Gallego-Díaz, do jornal espanhol El País:
“Na Costa do Sauípe (Bahia): Cuba, sua previsível evolução e mudança, é assunto de toda a América Latina, e o Brasil, empenhado em consolidar sua incipiente liderança regional, deixou isso bem claro ao promover a entrada da ilha no chamado Grupo do Rio, um dos organismos internacionais de consulta política mais importantes do continente. A cerimônia se realizará nesta quarta-feira em Sauípe, Bahia, localidade turística próxima a Salvador, na qual o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, fez coincidir quatro cúpulas em pouco mais de 48 horas: Mercosul, Unasul, Cúpula da América Latina e do Caribe (Calc) e o já mencionado Grupo do Rio, todas elas com uma característica comum: são exclusivamente latino-americanas.
Não estarão presentes os EUA nem a União Européia (UE).
O esforço diplomático do Brasil foi enorme: ao todo irão a Sauípe, para uma ou outra reunião, 29 dos 32 chefes de Estado da região, incluindo o mexicano Felipe Calderón e o cubano Raúl Castro, que participa pela primeira vez de um encontro multilateral.
A ausência mais notável é a do peruano Alan García, representado por seu chanceler. Lula enviou inclusive aviões da Força Aérea para apanhar os presidentes de alguns países mais pobres da América Central e Caribe, para garantir sua presença.
Os resultados concretos das cúpulas são bastante incertos - o Mercosul é um órgão praticamente paralisado, sem progressos aduaneiros há anos -, e não faltarão tensões nessas 48 horas, mas o objetivo político está claro: gerar um espaço sul-americano em que se analisem os problemas da região sem a presença dos EUA, como ocorre na OEA, nem da UE, como em outras cúpulas regionais. Diplomatas brasileiros estão há semanas preparando um comunicado final no qual se expresse essa vontade de criar uma visão própria latino-americana, mas os avanços não são fáceis porque a pretensa liderança do Brasil também desperta receios em outros países da região.
Em todo caso, a reunião de Sauípe tem um significado especial porque se realiza a apenas quatro meses da próxima Cúpula das Américas, da qual participarão os EUA e o Canadá (e não Cuba) e na qual se discutirá o andamento da Alca, o tratado de livre comércio que Washington tenta estender aos poucos pela América Latina.
O Brasil defende que os avanços no processo para conseguir a integração da América Latina e do Caribe exigem a presença de Cuba nesses fóruns de diálogo político exclusivamente latino-americanos. Daí a urgência de que faça parte do Grupo do Rio e de que o novo governo americano aceite que Brasil e América Latina em conjunto, e não só o México, tenham algo a dizer sobre o iminente processo de reformas na ilha.
E em sentido inverso a urgência de sentar Raúl Castro em um fórum latino-americano no qual tenha de dialogar e analisar com certo realismo a situação global. O Brasil advertiu, no entanto, que não se trata de chocar-se com os EUA, com quem Lula mantém uma relação privilegiada, mas de reclamar um protagonismo imprescindível.
As cúpulas de Sauípe também são um bom termômetro para avaliar os progressos da pretensa liderança regional do Brasil.
Estranhamente, está previsto que a cúpula do Unasul, o organismo sul-americano (sem o México) que o Brasil também promove, dure somente uma hora, mas mesmo assim será importante saber em que se concentram as curtas intervenções dos diversos presidentes. O do Equador, Rafael Correa, tem pendente seu duro confronto com Brasília a propósito da dívida com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) do Brasil, que pretende não pagar por considerar ilegítima.
Brasília precisa não tanto exigir que se pague a dívida como demonstrar que um país como o Equador não pode atuar como fez Correa, sem antes tentar dialogar e pactuar com a potência regional. O mesmo ocorre com o Paraguai, que pede um aumento das tarifas da energia que vende ao Brasil. O ministro paraguaio das Relações Exteriores anunciou que os dois presidentes terão um encontro pessoal para tratar do assunto.
As coisas se complicaram inclusive com a Argentina. Os argentinos dizem estar "frustrados" pelo apoio do Brasil na rodada de Doha (OMC) a uma elevada redução de tarifas para produtos industriais e serviços que Buenos Aires rejeita.
Mesmo assim, e pelo mero fato de ser capaz de convocá-las, as cúpulas de Sauípe poderão servir para demonstrar a enorme capacidade do Brasil e de Lula no novo panorama político global.”
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