Li ontem no jornal Folha de São Paulo, na coluna Opinião e Comentário, o seguinte artigo de Frank Rich:
APÓS OITO ANOS DE ERROS, NEM A INDIGNAÇÃO RESISTE
“Mudança nos EUA deve começar na responsabilização pelos tantos crimes cometidos”
“Três dias depois de o mundo descobrir que US$ 50 bilhões podem ter sumido na pirâmide financeira de Bernie Madoff, o "New York Times" divulgou, em 14 de dezembro, a revelação de outro golpe de US$ 50 bilhões. Desta vez a bolada pertencia aos contribuintes americanos. Foi essa a sua contribuição coletiva aos US$ 117 bilhões gastos (até meados de 2008) com a reconstrução do Iraque -um sumidouro de corrupção, clientelismo, incompetência e furto puro e simples, espécie de resumo do governo de George W. Bush dentro e fora dos EUA.
A fonte dessa notícia foi a versão quase final de um relatório de 513 páginas do governo federal a respeito deste fiasco americano. O documento, montado pelo gabinete do corregedor-geral especial para a reconstrução do Iraque, aponta, entre outras transgressões, um esquema governamental de pirâmide tramado para convencer os americanos de que eles estariam angariando sólidos dividendos com seu investimento em um "novo" Iraque.
O relatório cita autoridades do calibre de Colin Powell para mostrar como o golpe funcionava. Powell disse que, em 2003, o Departamento da Defesa "inventava números das forças de segurança iraquianas -o número saltava em 20 mil por semana! 'Agora temos 80 mil, agora temos 100 mil, agora temos 120 mil'". Quem questionou essas incríveis cifras foi tratado como tolo, assim como quem implorou em vão para que a SEC (órgão que regulamenta o setor financeiro) contestasse a matemática de Madoff.
O mais notável na reportagem do "Times", porém, é como ele passou despercebido.
Quando em 1971 o jornal pôs as mãos nos papéis do Pentágono -relatório federal interno do desastre do Vietnã-, as revelações causaram comoção nacional. Mas, após oito anos sende surrada pelo governo Bush, a nação ficou semicatatônica.
Afinal, ao lado de horrores de primeira linha como Abu Ghraib e Guantánamo, o naufrágio da reconstrução do Iraque não chega a ser chocante. Os US$ 50 bilhões também viram uma bagatela perto de outras quantias que permanecem sem explicação na era Bush, como os US$ 345 bilhões em arrecadação tributária perdida devido à existência de paraísos fiscais "offshore" não policiados, ou então o emprego nada transparente de cerca de US$ 350 bilhões para o resgate de Wall Street.
Nem mesmo um bom e velho escândalo sexual foi capaz de ressuscitar a indignação. No ano passado, o corregedor-geral do Departamento do Interior descobriu que funcionários "haviam usado cocaína e maconha e mantido relações sexuais com representantes de uma empresa de petróleo e gás". Em um evento diurno patrocinado pela Shell num clube de golfe, dois funcionários encarregados de comercializar petróleo em nome do contribuinte ficaram tão bêbados que, impossibilitados de dirigir, tiveram de passar a noite aos cuidados da empresa. Esses casos mal foram notados fora de Washington.
Foram necessárias 110 páginas para que o Centro para a Integridade Pública, organização apartidária de pesquisas, compilasse no último mês um inventário selecionado da ruína causada pelo governo Bush. Foram encontradas "125 falhas sistemáticas em todo o âmbito do governo federal". A conta é conservadora. Ainda há muitas perguntas sem resposta.
A maior pergunta que paira sobre a história, porém, diz respeito mais ao futuro do que ao passado. Se formos parar para julgar cada erro da Casa Branca de Bush, como guardar energia, tempo e foco para lidar com a crise que a inaptidão deste governo nos legou?
Numa entrevista em 11 de janeiro à rede ABC, Obama sinalizou que não deve autorizar um amplo inquérito sobre assuntos do governo Bush, como o programa de espionagem doméstica e o tratamento dado a suspeitos de terrorismo. Ele defendeu punições se "alguém flagrantemente violou a lei" e disse que sua equipe ainda avalia questões como os interrogatórios e as prisões. Mas ressaltou: "Precisamos olhar para a frente, e não para trás".
O deputado democrata Henry Waxman continua indignado com as chicanas usadas para "vender" a guerra do Iraque e com o generalizado abuso de poder neste governo, mas admite: "O Congresso não irá insistir nisso. Temos de passar a outras questões".
Ele prefere que eventuais processos sejam engrossados por uma investigação independente, que complemente os registros históricos. "Precisamos despolitizar isso", disse. "Se um Congresso ou um governo democrata for atrás disso, será visto como algo partidário."
Entre os americanos ainda enfurecidos com os anos Bush, há apelos por comissões de verdade e reconciliação, por julgamentos de crimes de guerra e, num abaixo-assinado colocado no site da transição de Obama, pela indicação de um promotor especial. Uma das indicações mais incisivas feitas pelo futuro presidente pode ser um sinal de que haverá ação: Dawn Johnsen, professora de direito e ex-funcionária do governo Clinton (1993-2001), foi recentemente escolhida para dirigir o Escritório de Consultoria Jurídica do Departamento da Justiça.
É o mesmo departamento onde John Yoo, um burocrata do governo Bush, produziu o seu infame memorando justificando a tortura. Johnsen é uma crítica contumaz de tais abusos constitucionais. Em artigos escritos no ano passado, ela estranhava a ausência "do ultraje, do clamor público" contra um governo que agiu ilegalmente e não respeitou "os limites legais e morais da decência humana". "Como salvaremos a honra do nosso país, e a nossa própria?", perguntava.
Não se trata de uma questão retórica. Embora o novo presidente de fato deva avançar e tratar de crises urgentes, as malfeitorias do governo Bush não podem ser simplesmente esquecidas ou encobertas. Como escreveu Johnsen em março último, devemos também "resistir aos esforços do governo Bush para ocultar provas de seus erros por meio de exigências de imunidade retroativa, declarações de privilégio de Estado e alegações implausíveis de que a abertura daria poder aos terroristas".
Como que antecipando o atual debate, ela acrescentou que "devemos evitar qualquer tentação de simplesmente ir adiante", porque a honra nacional não pode ser restaurada "sem uma total revelação" dos fatos ocorridos. Johnsen se referia aos abalos à reputação externa dos EUA depois de o governo Bush mergulhar no lado sombrio da tortura e da "interpretação extraordinária".
Mas eu acrescentaria que precisamos de uma revelação total também da corrupção mais prosaica dos anos Bush, por razões domésticas mais pragmáticas. Para tomar as decisões corretas diante do colapso econômico, precisamos saber o que houve de errado.
Se Bernie Madoff pode pelo menos reavivar a nossa moribunda capacidade de indignação, os responsáveis pelo esquema de pirâmide em Washington também podem.
Quanto mais aprendermos sobre todos os corpos e os bilhões que enterramos no nosso caminho para a ruína, mais fácil será para Barack Obama defender uma política nova e incisiva.”
Indignação só se for minha, sua e muitos outros, menos para os ilustres oposicionistas e articulistas de determinada midia. Por aqui se soube de que "BONS" brasileiros também aplicaram nessa farra. Devem ser da nossa NOBRESA, pois apenas mencionaram que haviam brasileiros, mas nomes.....ah, isso é outra coisa.
ResponderExcluirPedro Bueno,
ResponderExcluirAlém disso, a mídia e os tucanopefelentos ainda querem associar ao governo Lula, como culpa do Lula, qualquer reflexo negativo no Brasil da crise causada pelos EUA.
Maria Tereza