Li hoje no site “Vi o Mundo” o seguinte artigo do jornalista Luiz Carlos Azenha:
A "FONTE" E O "AMALUCADO"
Eu nunca tive "delegado de bolso". Acho complicada essa relação entre jornalista e autoridade policial. A quem interessa a divulgação dos fatos, muitos deles em inquéritos que correm sob segredo de Justiça? Ao delegado, que quer se promover? Ao jornalista? Aos dois? Suspeitos são condenados antecipadamente perante a opinião pública? Acho que tudo isso deveria ser considerado pela mídia antes de divulgar detalhes de inquéritos que correm sob segredo de Justiça. A Folha de S. Paulo antecipou a existência da Operação Satiagraha. Quem foi beneficiado? A opinião pública? A polícia? Os leitores da Folha?
Noto a indignação seletiva. Quando o alvo era o Maluf, nenhum protesto quanto à exposição dos suspeitos. Quando o alvo é o banqueiro, o mundo desaba. Enquanto isso, no mundo real, a polícia tortura, mata e expõe suspeitos como "bandidos". Talvez isso tenha mudado, mas eu me lembro quando a TV Globo adotou "bandido" para falar de acusados. A diferença? Suspeito pobre é "bandido". O rico é "acusado".
O delegado Protógenes Queiroz é investigado por vazar informações para a imprensa. Mas o delegado que vaza informações sobre o inquérito que apura o vazamento de informações não é. Em resumo, vivemos longe, ainda, do tal "republicanismo". Persiste a prática de acordos de bastidor entre autoridades e jornalistas para fazer uso de material obtido por agentes públicos em defesa do interesse de grupos ou de indivíduos, não da sociedade.
Muito por acaso, encontrei em meu arquivo um caderno de anotações com uma entrevista dada pelo delegado Edmilson Bruno no dia seguinte ao vazamento das fotos do dinheiro apreendido com gente ligada ao PT para comprar um dossiê que supostamente seria usado contra José Serra, então candidato a governador de São Paulo. Foi em 2006. As fotos do dinheiro foram estampadas com destaque na capa dos jornais e "estrelaram" os telejornais a dois dias do primeiro turno das eleições presidenciais.
A conversa aconteceu diante do prédio da Polícia Federal, em São Paulo. Reproduzo:
Repórter: Essas fotos estavam com o sr., doutor?
Bruno: [Faz sinal de não com o dedo]
Repórteres: Isso foi roubado, tirado de sua sala? Falaram que viram o sr. com...com...passando CDs para... Foi vazado, delegado? O sr. poderia esclarecer o que aconteceu... só isso. Foi um roubo, foi isso?
Delegado: Roubo é uma coisa, furto é outra.
Repórter: Pois é, mas foi um furto?
Delegado: Não sei, vão apurar, a direção diz que vai apurar. Posso ir embora?
Repórter: Havia uma cópia só, doutor?
Delegado: Não sei.
Repórter: Quando eles foram furtados, doutor?
Delegado: Não sei, pode ser ontem à noite...
Repórter: Vai ser aberta uma sindicância, doutor?
Delegado: Não sei, possivelmente a Polícia Federal, a PF vai chegar ao autor.
Repórter: Foi um furto, então?
Delegado: Eu sei da minha conduta como policial federal.
Repórter: O sr. tem convicção de que foi um furto?
Delegado: Não tenho convicção, desapareceu... Esses CDs, esses CDs desapareceram e vinculou na imprensa.
Repórter: Eram quantos CDs?
Delegado: Não sei, não sei, a direção vai... eu não vou mais dar entrevista.
Repórter: Agora, o prédio da Polícia Federal não é seguro o suficiente para... para... para guardar CDs tão importantes quanto esses doutor?
Delegado: Não pergunte a mim, tá OK? Eu não faço segurança de prédio, eu não faço segurança, eu tô com inquérito sobres crimes fazendários, eu não cuido da segurança do prédio.
Repórter: Doutor, quem tinha os CDs com essas fotos?
Delegado: Eu não sei, a direção tá buscando, posso sair?
Repórter: Esses CDs não deveriam ser divulgados, não era a hora?
Delegado: Creio que não, creio que não, não sei, tá em segredo de Justiça, não tá? A Justiça tá apurando os fatos.
Repórter: O sr. considera muito estranho o vazamento a dois dias das eleições, delegado?
Delegado: Eu não sei, eu não sei, eu não sei, tão veiculando que eu cedi esses CDs. Não fui eu que cedi esses CDs. Eu não sei se é para me prejudicar ou não. Eu não sei quem foi o autor disso tudo. Agora, eu não cedi esses CDs, então realmente procurei a imprensa para saber quem havia recebido esses CDs, eu realmente liguei para algumas pessoas de minha confiança dentro da própria imprensa e perguntei se eles sabiam de alguma coisa. Disseram a mim que não. Disseram a mim que não haviam veiculado nada. E agora é uma hora da tarde, saiu no Estadão [no site], só isso, agora tão dizendo, tão ligando aí dizendo que o delegado Bruno desceu de manhã e saiu distribuindo CDs para todo mundo... isso não é fato, isso não é fato... isso não é fato e a Polícia Federal vai apurar.
Repórter: Mas estavam na sua mesa, doutor? O sr. acha que estão tentando prejudicar o senhor?
Delegado: Eu não sei se estão querendo me prejudicar...e outra, se realmente forem as fotos que foram tiradas é a verdade. Agora, como ela foi parar na imprensa isso eu não sei.
Repórter: O senhor acha que elas deveriam ter sido divulgadas antes, doutor, é isso?
Delegado: Eu não acho nada, já falei que delegado não acha.
Repórter: Doutor, o senhor fez as prisões no caso, acabou não continuando nesse caso e agora... é...
Delegado: Eu dei uma entrevista coletiva, vocês sabem porque eu não continuei, entendeu, agora o que tá veiculando... essas fotos, que realmente eu participei dessa perícia, vou dizer a verdade, eu participei da perícia no Banco Central e na Caixa Econômica Federal com mais alguns peritos e essas fotos sumiram do meu arquivo, só isso, sumiram do meu arquivo.
Repórter: O próprio ministro da Justiça disse que essas fotos não deveriam ser divulgadas.
Delegado: O ministro nem sabia dessas fotos, essas foram tiradas ontem, foram durante a perícia. Não são fotos do dia da prisão, eu quero que vocês saibam disso, essas fotos foram tiradas na perícia no Banco Central e na Caixa Econômica Federal...
Repórter: Essa perícia foi feita para tentar achar a origem do dinheiro?
Delegado: Exatamente... exatamente, tem que ter uma perícia, concordam comigo? Essa perícia tem que haver e realmente essas fotos sumiram da Polícia Federal e apareceu hoje na imprensa.
Repórter: A partir de que momento o senhor soube que elas sumiram?
Delegado: Desde hoje de manhã.
Repórter: A polícia não tem mais os originais?
Delegado: Obviamente temos os originais, isso daí tá preservado...
Repórter: Por que é que havia tantas cópias, então?
Delegado: Como, tantas cópias? Quem é que tá falando em tantas cópias?
Repórter: Eu tô dizendo... várias cópias estão na mão de vários meios de imprensa... isso me faz supor que há pelo menos 5 cópias, já que há 5 meios de imprensa...
Delegado: De uma cópia não se faz mil?
Repórter: Mas doutor, o que é que sumiu então exatamente, só para ficar claro?
Delegado: Bom, o que é que tão divulgando na imprensa, já não saiu no Estadão?
Repórter: Eu não sei, eu não vi.
Delegado: Sumiu aquilo que foi divulgado no Estadão.
Repórter: É um CD, são vários CDs?
Delegado: Tem um CD de fotos, desse CD pode ter sido feito outros, tá OK? Só isso é o que eu tenho a dizer. Bom, vai ser instaurado um procedimento para apurar. Agora... que tão veiculando que eu sai distribuindo CD... isso não é verdade, estão prejudicando um profissional que tem 10 anos de carreira e que tem muito a zelar pela Polícia Federal ainda. Entendeu? Então quando eu dei entrevista coletiva para vocês foi para colaborar com a própria sociedade, autorizada, eu fiz isso autorizado, agora, estranhamente isso foi vazado e tão colocando a minha responsabilização, então a PF vai apurar.
Repórter: Por causa do vazamento, o sr. acha que pode ser prejudicado?
Delegado: Não sei, pode ser que sim, pode ser que não, isso vai ser apurado, estou com a consciência tranquila.
Repórter: O sr. foi advertido, foi chamada a sua atenção?
Delegado: Em momento algum, eu tenho total apoio do meu diretor, o dr. Geraldo.
Repórter: O sr. tá saindo porque quer então, doutor?
Delegado: Saindo porque quer de onde?
Repórter: Do caso.
Delegado: Eu não sai do caso, eu já avisei a vocês.
Repórter: O sr. não estava na perícia?
Delegado: Veja bem, a perícia... eu fui acompanhar os peritos porque eu que fiz o depósito, eu que fiz a apreensão, me interessei pelo caso, entendeu? Nada me impede que eu vá. Tanto é que vocês podem verificar no Banco Central esses 248 mil dólares estão depositados em meu nome. Tá lá, "interessado, Edmilson Pereira Bruno", vocês podem verificar. Assim como na Caixa Econômica Federal quem realizou o depósito? Fui eu.
Repórter: E quem tirou as fotos?
Delegado: Ah, não posso dizer. As fotos não estão na posse de vocês, vocês já não veicularam?
Repórter: Não, tá na posse de alguns.
Delegado: Então vocês conversam com estes alguns... como é que eu vou distribuir algo que eu não tenho mais, entendeu? Então não posso ajudá-los, né? Já sou a pessoa que ajudei... então não tenho mais nada. Você está me entendendo? De um fizeram vários, então vocês perguntem às pessoas que tem as fotos, vocês sabem quem são? Pergunte a eles. Só sei que já ligaram dizendo que eu forneci...
Repórter: As fotos foram feitas ontem, né? O senhor já não tinha sido afastado do caso?
Delegado: Por que é que vocês estão falando em afastamento?
Repórter: Desculpe, não afastado, desligado...
Delegado: Eu já falei e vou falar mais uma vez. Se eu não continuei no caso é por questão de hierarquia, acharam por bem outro delegado continuar. Aliás, o delegado chefe dessa operação toda é o doutor Diógenes, cabe a ele... Se a Polícia Federal, o departamento necessitar de meu trabalho para continuar no feito, estaria à disposição, mas não que eu tivesse que continuar porque eu não sou dono do feito, vocês estão me entendendo ou não? Eu já falei isso na coletiva e vocês estão perguntando tudo novamente, então eu preciso ir para a minha casa que eu preciso descansar, ok? Obrigado.”
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Obviamente, àquela altura, vários repórteres já sabiam que o delegado Edmilson Bruno era o vazador. Algumas horas antes ao menos quatro deles haviam recebido das mãos de Bruno o CD com as fotos e a sugestão: espalhem.
As fotos estão aqui.
A gravação da conversa deles está aqui (primeira parte).
E aqui (segunda parte).
A transcrição está aqui.
Na gravação da conversa entre Bruno e quatro repórteres, o delegado fala em uma "foto da Globo". Como assim? Uma foto que ele fez especialmente para a TV Globo? Uma foto que alguém fez para a TV Globo? Quando os peritos foram fotografar o dinheiro já sabiam que ia aparecer na Globo? Bruno agiu sozinho? Teve a cobertura de superiores? A perícia foi marcada na quinta-feira que precedia o primeiro turno das eleições presidenciais para permitir que as fotos fossem feitas e vazadas? Bruno de fato entregou um CD com as fotos à TV Globo com antecedência? Foi orientado a vazar para outros veículos? Quem orientou?
Curiosamente, essas perguntas não foram feitas. Ninguem se interessou pelos bastidores desse vazamento. Ah, entendi: esse é um vazamento de informações sigilosas que "não interessa aos leitores e telespectadores". É muito revelador das relações promíscuas entre autoridades e jornalistas. É como se dissessem: os vazamentos que nos interessam, embora ilegais, servem ao "interesse público". Os vazamentos que não nos interessam, esses são ilegais, são coisa de "estado policial" e os autores devem ser punidos.”
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