O jornal norte-americano The New York Times ontem publicou a seguinte reportagem de Marc Lacey e Ginger Thompson, a partir da Cidade do México (México) (li no UOL):
“A economia do México está sendo arrastada para baixo pela recessão no país ao norte. Os viciados estadunidenses transformaram o México em uma espécie de autoestrada para o transporte de drogas, e a polícia e as forças armadas mexicanas estão sob assalto de indivíduos que portam armas fabricadas nos Estados Unidos. Há 15 anos o Tratado Norte-americano de Livre Comércio (Nafta) prometeu que os caminhoneiros mexicanos teriam permissão para circular nas estradas dos Estados Unidos, mas o governo de Obama diz que tais motoristas não dirigem de forma suficientemente segura para isso.
As relações entre Estados Unidos e México estão em meio àquilo que pode ser descrito como um atrito entre vizinhos, um desentendimento que se estende por uma longa cerca entre os dois países. Essa cerca de fronteira, que em determinados locais tornou-se um muro, é outro fator irritante.
A secretária de Estado, Hillary Rodham Clinton, chega ao México nesta quarta-feira (25/03), para aquilo que será a primeira de uma série de visitas por parte de autoridades graduadas dos Estados Unidos, incluindo o próprio presidente Barack Obama, no mês que vem, na tentativa de controlar uma grande crise de política externa perto de casa. Eles encontrarão um país mergulhado em uma crise que se aprofunda, irritado com os sinais de protecionismo por parte do seu maior parceiro comercial e esfacelado por uma guerra de tráfico de drogas que o México atribui aos consumidores nos Estados Unidos.
Do outro lado também há muita ansiedade. Muitas comunidades estadunidenses estão preocupadas com a possibilidade de a violência espalhar-se para além da fronteira, e com a perspectiva de imigrantes mexicanos pegarem empregos que andam escassos. Isso está obrigando o governo Obama, que já tem que lidar com duas guerras e uma recessão profunda, a elaborar uma nova política em relação ao México bem antes do que teria desejado.
Obama, assim como o presidente George W. Bush antes dele, está descobrindo que esses desafios externos mexem com algumas das questões mais espinhosas da política externa, incluindo imigração, livre comércio e controle de armamentos.
O governo Bush perturbou as relações entre os dois países ao deixar de realizar a prometida reforma da imigração. E o governo Obama, nas suas primeiras semanas no cargo, gerou novas tensões com uma série de sinais conflitantes e falsos começos.
Alguns membros do governo sugeriram que o governo mexicano não está controlando todo o seu território, ainda que outras autoridades elogiem a determinação do presidente Felipe Calderon de combater o tráfico de drogas. O procurador-geral Eric H. Holder Jr. pediu, e a seguir retrocedeu, o retorno da proibição das vendas de fuzis de assalto, que estão alimentando a violência do narcotráfico.
Obama autorizou planos emergenciais para enviar tropas à fronteira caso um excesso de violência se infiltre nos Estados Unidos, mas ele disse, por outro lado, que tal envio não é iminente.
"Acho inaceitável que quadrilhas de narcotraficantes cruzem as nossas fronteiras e matem cidadãos dos Estados Unidos", afirmou Obama a repórteres quando lhe perguntaram se ele enviaria tropas à fronteira. "Creio que se um cidadão dos Estados Unidos for morto porque cidadãos estrangeiros estão envolvidos com a criminalidade violenta, isto se constitui em uma preocupação suficiente para que façamos algo a respeito".
A sangrenta guerra do narcotráfico, que provocou 7.000 mortes em 16 meses, tornou-se o principal ponto de desconforto entre os dois países.
Embora os índices de vício entre os mexicanos estejam em alta, a grande maioria das drogas que passam pelo México é cheirada, fumada ou injetada por estadunidenses. Além disso, 90% das armas utilizadas pelos cartéis mexicanos de narcotráfico são provenientes dos Estados Unidos, segundo o Departamento de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos.
O fato de Obama ter indicado que tropas dos Estados Unidos poderiam ser enviadas à fronteira para combater os cartéis de droga fez com que o general Guillermo Galvan, o secretário de Defesa do México, afirmasse que nenhum contingente de soldados estrangeiros terá permissão para pisar em solo mexicano. A raiz das preocupações aqui está na história, já que até os alunos mexicanos da escola primária conhecem os detalhes sobre a guerra ocorrida um século e meio atrás, quando os Estados Unidos roubaram metade do território do México.
Algo que também irritou os mexicanos foi o depoimento no Congresso de Dennis C. Blair, o diretor de Inteligência Nacional, sugerindo que cartéis de droga controlam algumas áreas do México.
O governo Calderon reagiu com fúria, e o ministro do Interior, Fernando Gomez Mont, afirmou que tais observações "são infelizes e não contribuem para gerar um clima de confiança que é indispensável para que se vença esta batalha".
Já Calderon falou de uma "campanha" estadunidense contra o México, e observou que o índice de homicídios é mais elevado em Nova Orleans do que no seu país. A imagem precária do México, conforme divulgada nas dicas de viagem fornecidas pelo Departamento de Estado, é uma fonte especial de preocupação para Calderon porque assusta potenciais investidores e turistas.
A ladainha de reações raivosas do México tornou-se tão intensa que um diplomata dos Estados Unidos aqui, Leslie Basset, escreveu uma coluna um dia destes em um jornal mexicano afirmando: "Nenhum assessor de Obama referiu-se ao México como um Estado fracassado. Todos os assessores de Obama que foram questionados quanto à questão reconheceram que há desafios na área de segurança, elogiaram a firmeza do presidente Calderon e rejeitaram imediatamente a insinuação de que que o México fosse um Estado fracassado".
Autoridades do Departamento de Estado afirmaram que uma das principais metas da visita de Obama é "alargar o buraco" da agenda binacional, de forma que as relações não fiquem limitadas - ou, como dizem alguns, não fiquem reféns - de uma única questão.
"É importante frisar que está é uma grande relação", disse em uma entrevista o secretário assistente de Estado, Thomas A. Shannon Jr. "É uma relação muito ampla e profunda. E ela não deveria ser reduzida a apenas umas poucas questões".
No entanto, poucas dessas questões são simples.
Depois que os Estados Unidos fecharam as fronteiras para os caminhões mexicanos, violando uma promessa feita no âmbito do Nafta, o México impôs tarifas sobre 89 produtos estadunidenses, de uvas a máquinas de lavar pratos, em alguns casos parecendo selecionar produtos oriundos de distritos de membros do Congresso que têm boas relações com o governo, a fim de aumentar o impacto da ação.
O México está sofrendo devido à recessão nos Estados Unidos. Embora Calderon fale frequentemente de como preparou bem o sue país para esta crise global, as fábricas de produtos de exportação do México perderam cerca de 65 mil empregos desde outubro. As exportações caíram 32% em janeiro, e as exportações de automóveis despencaram 50% nos primeiros dois meses de 2009. O banco central do México acredita que a economia sofrerá uma contração de mais de 1,8% neste ano, mas alguns bancos de investimentos previram um encolhimento econômico de até 5%.
Na semana passada, Obama deixou claro que diversos problemas, incluindo o tráfico de drogas e a reforma da imigração, terão que ser enfrentados juntos.
"Não creio que possamos fazer isso de forma fracionada", disse Obama durante uma reunião em uma prefeitura na Califórnia. "Trabalharei com o presidente Calderon no sentido de descobrir como controlar uma fronteira que está se tornando mais violenta devido ao tráfico de drogas. Temos que aliar isso à repressão aos empregadores que estão explorando trabalhadores ilegais".
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