quinta-feira, 30 de abril de 2009

GLOBALIZAÇÃO NEOLIBERAL: DA CRISE FINANCEIRA À GRANDE QUEDA

Li hoje no site “vermelho” o seguinte artigo de Sérgio Barroso. O autor é médico, doutorando em economia Social e do Trabalho (Unicamp, diretor de Estudos e Pesquisas da Fundação Maurício Grabois:

“De viés mais teórico, o artigo enfoca a grande crise capitalista dos nossos dias: a) revendo aspectos centrais da teoria ciclo-crise em Marx; b) sublinha igualmente o caráter financeiro na origem da crise atual, em consonância com o padrão de acumulação contemporâneo marcado pela “financeirização da riqueza” ou pela “finança mundializada”, ou ainda pela “financeirização com sistema de poder”, no capitalismo contemporâneo 1; e, c) levanta reflexões sobre os traços das crises financeiras que levaram a bancarrota o padrão neoliberal de acumulação.

Em Marx, a valorização do valor (da mais-valia) como objetivo central da produção capitalista resulta, do ponto de vista sistêmico, sempre em superacumulação, fundamentalmente superprodução de capital (e também de mercadorias) - capital compreendendo máquinas, equipamentos, instalações, matérias-primas e ativos financeiros. Em seu móvel de acumular por acumular, o capital jamais se interessa pelas “necessidades sociais” das massas trabalhadoras. Portanto, são utópicas as interpretações das crises como sendo de “subconsumo das massas”

Além de superprodução e superacumulação, devemos insistir em que a desproporção entre os departamentos e a lei de tendência de queda da taxa de lucro são igualmente fenômenos expressivos da dinâmica da crise. Crises que, conforme Marx, em última instância tem como determinação originária o antagonismo irresoluto: apropriação cada vez mais privada X produção cada vez mais expansivamente social.

Inobstante, para Marx, a conseqüência decisiva do desenvolvimento capitalista converge para o que denomina de “moderno sistema de crédito”. Ou seja, na medida em que: (i) a concentração (e centralização|) de capitais; e, (ii) o moderno sistema de crédito são por ele considerados as principais “alavancas da acumulação capitalista”, ali localiza os pressupostos sobre o impulso à superacumulação de capital tendo por base a dinâmica permanente do capital financeiro (capital-dinheiro ou capital monetário). Noutras palavras:

“Se o sistema de crédito é o propulsor principal da superprodução e da especulação excessiva... (...) acelera o desenvolvimento material das forças produtivas e a formação do mercado mundial... (...) Ao mesmo tempo, o crédito acelera as erupções violentas dessa contradição, as crises... (...) levando a um sistema puro e gigantesco de especulação e jogo” (Marx, O Capital, Livro 3).

De outra parte, discorrendo Marx sobre o movimento do capital fictício, simultaneamente desvela já então um aspecto estrutural (e contemporâneo!) que integra as crises financeiras:

“Esse capital fictício reduz-se enormemente nas crises, e em conseqüência o poder dos respectivos aos proprietários de obter com ele no mercado. A baixa nominal desses valores mobiliários no boletim da Bolsa não tem relação com o capital real que representam, mas tem muito que ver com a solvência do proprietário”.

Importa notar que, em definições mais precisas, (i) Marx alude a dois tipos de capital financeiro: o portador de juros e o fictício; (ii) o capital fictício consistindo em títulos negociáveis no futuro (para ele composto por ações ordinárias das Bolsas, títulos públicos e a própria moeda de crédito (bancária).

FINANCEIRIZAÇÃO E CRISE GLOBAL

Consistem em fatos históricos reconhecidos e fartamente analisados a regulamentação do comércio e das finanças internacionais, institucionalizada pelo sistema de Bretton Woods (1944), e também por restrições ao livre movimento de capitais. Gestada pela desregulamentação e liberalização dos sistemas financeiros nacionais, a partir da crise capitalista dos anos 70 passados, forjou-se, a partir dos EUA, um padrão de acumulação baseado num supermonopólio e hiper-especulação das finanças.

O que significou, para François Chesnais 6, o “predomínio financeiro puro” do ressurgimento das formas do “capital-dinheiro concentrado”, a manejar as alavancas de controle do sistema capitalista mundial, o que também “acentuou o processo de financeirização crescente dos grupos industriais”. Conforme Peter Gowan, a estratégia original do grande capital financeiro norte-americano e britânico, impunha a inflação baixa para manter a função da moeda “como um padrão fixo de valor de acordo com os interesses do capital-dinheiro”, tendo sido esta a “verdadeira base para a inauguração do neoliberalismo do Atlântico”.

Vê-se que a globalização financeira adveio da liberalização do movimento de capitais e transposição de fronteiras econômicas. Cada vez mais intensa, a instabilidade do sistema tende a ser permanente, obstando a taxa de investimento, o que pode reduzir o ritmo da acumulação e do crescimento econômico no centro capitalista e em parte da periferia do sistema. Simultaneamente, um padrão sistêmico esse neoliberal que determinou as últimas décadas “como as mais tumultuosas da história monetária internacional, em termos de número, escopo e gravidade das crises financeiras” – enfatizam Kindlerberger e Aliber.

Assim, as crises financeiras desse estágio do capitalismo monopolista - e fortemente oligopolizado do ponto de vista do poder financeiro -, mantêm a mesma lógica - numa vertente fortemente influenciada pelo caráter fictício da acumulação financeira - da crise de superprodução de capitais, refletindo o excesso de valorização do capital em relação à determinada taxa de juros; mas exacerbam-se a rapidez da propagação e recorrência. O que significa, por sua vez, ser decorrente da quantidade das transações com ativos financeiros, cada vez mais abrangentes, se propagando mais rapidamente pelos mercados nacionais e alcançando facilmente regiões inteiras ou mesmo o mundo.

TENDÊNCIAS DEPRESSIVAS9: IMPOSSÍVEL MANTER TAL PADRÃO

Na crise financeira que eclodiu em agosto de 2007, nos EUA, a orgia especulativa foi ampliada pelo crédito abundante - insuflando maior liquidez e euforia -, à baixíssima taxa de juros, e imensa alavancagem derivativa por sobre as hipotecas ''subprime''. [Note-se então que, o capital, neste preciso caso, encontra-se nas hipotecas (títulos), como capital portador de juros – e não em outro lugar]. Ademais, tudo isso passou abrigado pela burla do descontrole regulatório do sistema bancário internacional e pela absoluta falência das agências de “risco”. Chegou-se à anarquia completa de não se ter a mínima idéia da precificação de ativos “podres” e generalizadamente contaminadores.

O resultado? “Lamento dizê-lo, mas apostaria que haverá depressão e que durará alguns anos. Estamos entrando em depressão”, sentenciou Eric Hobsbawm, o historiador que destrinchou as duas grandes e depressões (1873-96 e 1929-33).

É evidente que esse padrão “financeirizado” de acumulação do capital não sobreviverá mais. Questão bem distinta do “fim do capitalismo”.”

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