Terra Magazine
"O diplomata brasileiro Lineu de Paula, representante brasileiro na embaixada em Tegucigalpa (Honduras), conta a Terra Magazine como está a situação dentro do local: os abrigados ainda têm comida, água e internet; Zelaya está cansado, e o Exército pressiona. "Isso é típico de lugares sitiados: pressão, pressão, pressão. E acredito que com o passar do tempo isto pode funcionar", admite.
- Sair daqui derrotado será humilhante para Zelaya e o País continuará num limbo jurídico e diplomático - diz.
Lineu Pupo de Paula é diplomata há 28 anos. Já foi assessor do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e hoje responde diretamente a ele. Sua tarefa é manter a ordem na embaixada e garantir que não sejam feitas reuniões políticas.
- Zelaya andou se excedendo na hora de falar e soltar alguns comunicados. O ministro Celso Amorim me ligou, pediu para que eu falasse com Zelaya. O fiz ainda ontem. Zelaya já está mais comedido. É difícil ser comedido, mas ele entendeu o recado, sabe que está aqui como convidado.
O governo Michelletti emitiu um decreto no qual suspende por 45 dias as garantias constitucionais; a emissora local Rádio Globo foi invadida e fechada por militares. "Acredito que isso foi uma endurecida bastante significativa", diz Lineu.
Nesta segunda, 28, o golpe faz três meses. Segundo o diplomata, isso deixou o Exército hondurenho particularmente mais preocupado. No dia 28 de junho passado, o presidente Manuel Zelaya foi deposto por uma junta militar. De pijamas, foi deportado para a Costa Rica.
O presidente do Congresso de Honduras, Roberto Micheletti, assumiu a Presidência, dizendo não se tratar de um golpe de Estado. Zelaya, então, foi proibido de retornar ao país.
Após sucessivas ameaças de atravessar as fronteiras, Zelaya finalmente o fez em 21 de setembro. Ele se encontra refugiado na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa.
Leia abaixo a íntegra da entrevista:
Terra Magazine - O senhor acredita que será possível manter a ordem na embaixada? Existe alguma mobilização atípica das tropas?
Lineu de Paula - Hoje, umas cinco da manhã, os helicópteros não pararam. Aqui conseguimos ver mais Exército. Mas eles não vão invadir. Não há nenhuma possibilidade. Isto é, na verdade, uma pressão psicológica sobre as pessoas que estão aqui há mais de uma semana e que estão ficando cansadas. Isso é típico de lugares sitiados: pressão, pressão, pressão. E acredito que com o passar do tempo isto pode funcionar.
Como Zelaya vem reagindo a essa pressão?
Ele aparenta estar muito cansado. Eu olho para ele e vejo uma pessoa cansada.
O senhor acredita que isso facilite um entendimento com Micheletti?
Ele está disposto a encontrar um acordo. Quem está inflexível é o Micheletti. Zelaya está aguardando. Sair daqui derrotado será humilhante para Zelaya e o país continuará num limbo jurídico e diplomático.
O governo de fato de Honduras emitiu um decreto no qual suspende por 45 dias as garantias constitucionais; a rádio Globo também foi fechada. O senhor acredita que isso enfraqueça a resistência ao golpe?
Acredito que isso foi uma endurecida bastante significativa. A preocupação do governo de fato é que hoje faz três meses da realização do golpe. Eles estavam muito preocupados com o que poderia acontecer hoje e estão particularmente mais preocupados.
Uma comissão de parlamentares brasileiros quer ir até Honduras. O que o senhor acha da iniciativa?
Imagino que tenham combinado com o Congresso hondurenho, porque sem ter combinado previamente é difícil até de entrar no país. Acredito que a ajuda do Congresso brasileiro é importante.
Como o senhor avalia que esta crise em Honduras possa ter contribuído para o Brasil se afirmar como uma liderança pacificadora do continente?
Boa pergunta. Por que ele escolheu o Brasil? Não sei. Acredito que tenha escolhido o Brasil porque sempre tivemos uma diplomacia confiável. Nós não sabíamos que ele viria e, se soubéssemos, isto aqui estaria muito mais organizado, com telefones, camas e água quente.
Só tem água gelada?
Nem me fale (risos).
Qual é, no geral, a situação dentro da embaixada?
Aqui dentro estamos fechados, cercados. Não acontece muita coisa. O caos está na cidade. Zelaya acorda tarde. Ainda não o vi hoje. A tensão é muito grande, precisamos descansar. Aqui é muito grande, o andar de cima é bem organizado e limpo. Temos o mínimo de conforto.
E privacidade?
Eu tenho um quarto, que era a sala do ministro conselheiro. Durmo em um colchão de ar. Mas a minha privacidade está mais do que respeitada. Na sala ao lado, que é maior, fica Zelaya com sua esposa, filho, namorada do filho e mais dois assessores.
Os alimentos estão chegando?
Sim, temos muito alimento, recebemos muitas doações. Não falta nada em matéria de comida. O problema de estar aqui é o fato de estarmos presos, sem poder sair e com tensão constante. É isso o que mais cansa. Eu, como diplomata encarregado de controlar a ocupação do espaço aqui dentro, cuido para que eles não ocupem todo o espaço, não estraguem nada e nem façam política daqui de dentro. Essa é a principal: não permitir que se faça política.
O senhor acredita que é possível controlar isso?
Zelaya andou se excedendo na hora de falar e soltar alguns comunicados. O ministro Celso Amorim me ligou, pediu para que eu falasse com Zelaya. O fiz ainda ontem. Zelaya já está mais comedido. É difícil ser comedido, mas ele entendeu o recado, sabe que está aqui como convidado, eles são muito educados e o lugar está impressionantemente organizado. Hoje, talvez, eu saia e o Francisco Cantunda (NR: encarregado de negócios da embaixada em Honduras) assuma aqui.
A nossa ligação não para de cair. Esta é a terceira vez...
Eu acredito que haja algum bloqueador de celular. As ligações não estão durando.
Há corte de energia?
Olha, eu tenho luz, água, internet.
Wireless?
A cabo. Tenho também telefone fixo.
(Atende outra ligação)
Olha, eu não paro de atender telefone. Tem 20 jornalistas lá fora tentando entrar."
FONTE: reportagem de Marcela Rocha publicada hoje (28/09) no portal Terra Magazine, do jornalista Bob Fernandes.
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