Por Weden
“O país assiste a um processo de inclusão significativa de massas no mercado de consumo. E analistas da grande mídia insistem na tecla do “populismo como único responsável pela aprovação do atual governo”. Como se não bastasse, para alguns jornalistas aficionados, estas massas não cheiram bem.
Mais do que isso: parajornalistas e blogs que cultuam a violência verbal xingam os supostos “idiotas e cegos que apoiam a situação”. Sem perceberem que estão ofendendo 78% da população brasileira e mais uns trocados (1).
Acreditam-se, tais jornalistas, analistas e afins, Übermenschen (acima das massas e além da moral), e desejam mostrar que essas massas se dirigem ao abismo, enquanto lá do alto da montanha eles alertam. Sem perceberem que as tempestades chegam, primeiro, nas montanhas. E as avalanches também.
Agarrada a bandeiras da Guerra Fria, a temores íntimos (sim senhores, os muros nos defendem das ruas, mas também materializam nossos medos, que, ademais, podem ser apenas efeitos subjetivos!), a grande mídia perdeu, em oito anos, mais tempo com Hugo Chavez que com uma discussão séria sobre novos modelos de governança global. E eis que Lula aparece, de uma hora para outra, como “o cara”.
Essa imprensa não viu os perigos do neoliberalismo (quem daria importância a queixume de esquerdistas?). Mas quando o neoliberalismo mostrou suas mazelas, imaginem só: muitos jornalistas torceram contra a economia do país, sem perceberem que essa atitude insana iria ser debitada na facção política que lhes rendia préstimos (2).
Sucedem-se barrigas locais e barrigas globais (3).
A rede, como fenômeno mundial, revelou novos atores nas atividades públicas de informação, opinião e análise. Recentemente, Clóvis Rossi referiu-se a ela como um clube fechado, de partidários, sem nenhuma pluralidade. E ele disse isso dentro da...Folha de São Paulo.
A rede desestabilizou e reestruturou – para o bem e para o mal – a imagem pública das instituições políticas, jurídicas, científicas, expondo-as ao comentário e à apreciação contínua. O caso da adesão às loucuras de Gilmar Mendes (e sua rejeição aos homens da esquina) foi um dos muitos exemplos de como uma escolha impensada pode ser fatal para a credibilidade do jornalismo.
Falsas investigações, denúncias seletivas, reportagens ficcionais, fontes viciadas, manchetes subreptícias, ilações perigosas, acusações sem provas, edições insidiosas, ocultações acumpliciadoras, parcerias pouco recomendadas...
Tudo isso, além do fenômeno de rede, acabou acelerando a perda da “aura” do jornalismo brasileiro mainstream e suas fontes “autorizadas”.
Se a perda da aura da obra de arte e do artista foi fenômeno atribuído às novas condições de produção (a reprodutibilidade técnica) acentuadas na passagem do século XIX para o XX; em contexto mais local, a aura de nossa imprensa foi ao lixo devido à rede e um bocado de irresponsabilidade.
Em alguns espasmos de autoconsciência, alguns jornalistas perceberam isso (Josias de Souza: “Formadores de opinião de si mesmos”), mas com a mesma facilidade que respiram na superfície, submergem em suas crenças.
Foram tantas apostas erradas e erráticas, que só podemos estar diante de uma síndrome: a Síndrome de Carolina. No vocabulário médico, síndrome é um conjunto de sintomas que apontam para um quadro clínico, geralmente complexo, multifatorial.
No vocabulário buarqueano, a personagem, com os olhos fundos de um apresentador de último telejornal, guarda tanta dor que não existe (a Guerra Fria), tanto amor que não existe (a aposta apaixonada em personagens ultrapassados) e não percebe, apesar de todos os alertas, que o mundo passou na janela: a incorporação das massas ao mercado de consumo, o advento da rede, os deslocamentos de centros de poder no país e fora dele.
Numa entrevista recente, Carlos Augusto Montenegro, do Ibope, percebeu, um pouco tardiamente, que o discurso da oposição está envelhecido. Faltou dizer que o discurso da grande imprensa também está. Embora aqui e ali comece a despertar para o tempo que passou na janela.
A retórica contraditória de Serra não é um sintoma de Serra, mas de todo um pensamento midiático que sucumbe ante as transformações violentas (pare eles) da sociedade brasileira e mundial, tal o grau de simbiose entre uma certa facção política e a grande imprensa no Brasil (4).
Um pensamento que, em meio a espasmos, vacila entre chegar à janela e compreender o que está acontecendo e voltar para o quarto de dormir, para viver os sonhos de antes da aurora.
Vai entender.
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(1) Por questão de sobrevivência, teriam que compreender que boa parte deste apoio não é à pessoa de Lula; mas a um momento nacional que ele acabou por simbolizar. Mas que, logicamente, tem muito da mão do governo.
(2) Prefiro “certa facção política”. Afinal, embora esta atitude se confunda hoje com a oposição em sua totalidade, não é isso que ocorre. O anacronismo não é uma virtude de bandeira, diga-se de passagem. O problema é que foi justamente o anacronismo daquelas facções da oposição o mais vocalizado pela grande mídia. Mas de certo os coronéis e os grupos corporativos que aderiram ao atual governo não podem ser vistos como bons exemplos de sensibilidade às mudanças do mundo. Antes muito pelo contrário.
(3) No jargão jornalístico, barriga é a informação equivocada, geralmente causada por negligência profissional.
(4) Há que se separar o joio do trigo. Este texto tão crítico não deixa de bem considerar os jornalistas que não se contentaram em ser bonecos de ventríloquo das direções e, independentemente, de suas posições políticas, não somente chegaram à janela, mas também se permitiram ir às ruas.”
FONTE: escrito por Weden, colaborador do blog de Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-sindrome-de-carolina#more).
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