“O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Benjamin Steinbruch, considera o aumento real de cerca de 5% nos salários dos brasileiros "um exagero se comparado ao resto do mundo. Acho que essa questão salarial será uma bomba de efeito retardado. Se nós não cuidarmos, teremos grandes problemas no curtíssimo prazo".
Tais afirmações foram feitas durante seminário para discutir o papel da indústria no crescimento do Brasil, realizado segunda-feira (27) na sede da FIESP em São Paulo. Steinbruch mostrou-se preocupado com a destinação da renda do brasileiro. "Se essa massa salarial fosse destinada a prestigiar o aumento da produção brasileira, ainda poderia se permitir por algum tempo essa distorção. Mas aumentar os salários no ritmo que está sendo feito para consumo de produtos importados não faz sentido nenhum", argumentou.
IDEOLOGIA DO CAPITAL
O líder empresarial repete um velho e surrado argumento do patronato brasileiro, que possui notória ojeriza a aumentos salariais e se orienta invariavelmente pela reacionária concepção neoliberal de que é preciso reduzir o valor da força de trabalho e ampliar o desemprego para que a economia funcione a contento (ou seja, a favor dos seus próprios interesses).
A reação descabida se explica pelo fato de que geralmente o aumento real de salário é subtraído do lucro potencial das empresas, o que não deixa de estar subtendido no argumento do presidente da FIESP de que a elevação da renda do trabalhador não é “destinada a prestigiar o aumento da produção”, mas supostamente desperdiçado no consumo.
A ideologia patronal não tem muito a ver com a realidade da economia nacional. Steinbruch exagera deliberadamente ao afirmar que a modesta valorização dos salários (que os capitalistas abominam) se dá “para consumo de produtos importados”.
MERCADO INTERNO
Foi precisamente a valorização dos salários e a redução do desemprego que promoveram a recuperação do mercado interno, impediram um tombo maior da indústria no momento mais agudo da crise mundial do capitalismo e possibilitou a forte recuperação iniciada no segundo semestre de 2009, que ainda está em curso.
É conveniente lembrar a este propósito que as vendas internas despencaram mais de 20% no ano passado enquanto o consumo doméstico continuou avançando. Não fosse isto e certamente ainda estaríamos atolados na crise. A siderurgia, ramo explorado pelo atual presidente da FIESP, que substitui o candidato a governador Paulo Skaf, sentiu pouco tais efeitos porque produz basicamente para a exportação. Se dependesse um pouco mais do mercado interno, o presidente da CSN provavelmente não estaria vociferando contra os salários.
PRODUÇÃO E CONSUMO
O equilíbrio econômico pressupõe correspondência e unidade entre produção e consumo, pois é na esfera da distribuição que o capital se realiza, conforme notou Karl Marx. As crises do capitalismo (associadas à superprodução) geralmente refletem a ruptura dessa unidade devido à insuficiência da demanda (baixo consumo), que no mais das vezes é determinada pelo fato de que os salários no capitalismo não crescem no mesmo ritmo da produção e da produtividade. Isso exacerba a divergência entre produção e consumo e conduz à dissociação do ato de compra e venda, que conduz à crise, de acordo com o filósofo alemão.
O longo período de estagnação da renda per capita em nosso país (entre 1980 e 2004) foi certamente influenciado pelo arrocho dos salários e o aumento do nível de desemprego, que triplicou no período. A redução relativa das dimensões do mercado interno brasileiro restringiu as possibilidades de crescimento da indústria nacional.
VALORIZAÇÃO MODESTA
Não há “exagero” na conquista de aumentos reais pelas categorias ou na revalorização do salário mínimo (este determinado institucionalmente). Ao contrário, os reajustes devem ser considerados modestos. A última PNAD divulgada recentemente pelo IBGE revela que, apesar dos aumentos reais acumulados no governo Lula, o rendimento médio do trabalhador brasileiro em 2009 ainda era 6% inferior ao de 1996.
Além disto, o operário da indústria brasileira ganha uma merreca em comparação com muitos outros países, o que explica a emigração de muitos jovens trabalhadores para os EUA, Japão e Europa. O custo horário da mão de obra manufatureira na Alemanha em 2007 era 6,3 vezes superior ao do Brasil, nos Estados Unidos, 4,1 vezes maior e mesmo a emergente Coreia do Sul paga 2,7 vezes mais a seus operários (veja tabela abaixo).
CUSTO HORÁRIO DA MÃO DE OBRA MANUFATUREIRA EM 2007
Países selecionados Valor
Países US$
Alemanha 37,66
Reino Unido 29,73
França 28,57
Estados Unidos 24,59
Espanha 20,98
Japão 19,75
Coréia 16,02
Singapura 8,35
Taiwan 6,58
Brasil 5,96
México 2,92
Fonte: U.S Department of Labor, Bureau of Labor Statistics, 2009. Elaboração: DIEESE
A concepção de que salário decente (e no Brasil ainda estamos longe disso) compromete o desenvolvimento econômico reflete uma ideologia reacionária que felizmente está em crise em todo o globo. Seus porta-vozes asseguram estar defendendo os interesses maiores da sociedade, mas na prática estão presos ao objetivo mesquinho que move o capital e o capitalismo: a maximização dos lucros à expensa da classe trabalhadora.
São argumentos que traduzem interesses de classes hostis ao trabalho. Com muito mais razão e fundamento nos fatos, as centrais sindicais estão unidas na luta por um novo projeto nacional de desenvolvimento com soberania e valorização do trabalho, vista aqui, em contraposição ao conservadorismo patronal, como uma alavanca para o mercado interno e, por consequência, uma fonte de crescimento. O pronunciamento do presidente da FIESP indica a incompatibilidade de interesses (e agenda) entre capital e trabalho e sugere que é difícil senão impossível avançar mais na direção pretendida pelo sindicalismo sem confrontar e atropelar a ideologia e os interesses reacionários da burguesia monopolista nacional.”
FONTE: escrito por Umberto Martins e publicado no portal “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=138018&id_secao=2).
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