“Ooops... deu cupim na "cumiera"?
É o que parece.
Por Marco Antonio Rocha
"E quem apontou o cupim foi a “Standard & Poor"s (S&P), uma das "três grandes" do mercado financeiro mundial empenhadas no duro ofício de avaliar a dose de risco apresentada por países -os chamados "riscos soberanos", que na maioria dos casos envolvem países que não têm soberania nenhuma.
Mas agora a coisa parece séria, porque o que ocorreu na semana passada foi que a agência, em nota oficial, colocou sob "perspectiva negativa" os títulos emitidos pelo governo americano, os mais seguros do mundo. Equivaleria a dizer que barras de ouro são de latão...
E o que é que coloca sob perspectiva negativa um título desses? É a possibilidade de que seu emissor (no caso o governo americano) possa vir a não honrá-lo num futuro qualquer, em virtude de o crescimento exponencial da sua dívida torná-la impagável. Em outras palavras, a economia americana estaria perdendo condições de gerar os recursos necessários ao financiamento da dívida do país, e o governo ianque acabaria tendo de se declarar em default e dizer algo como: devo, sim, mas só pago a metade, ou um terço, ou seja lá o que for, mas não tudo. Como já fez o governo da Argentina tempos atrás.
Só que a dívida da Argentina não era de abalar o mundo.
Uso a imagem cabocla do cupim na cumeeira porque os títulos do governo americano são as telhas do telhado que cobre o imenso circo em que se transformou o mercado financeiro internacional. E todo mundo sabe que cupim pode fazer desabar todo o telhado. De modo que, quando uma firma de engenharia financeira, como a S&P, acha que tem cupim nesse principal telhado, todo mundo olha para cima para ver se ele já está desabando ou olha para os lados para saber como sair debaixo.
E a ironia do caso é que ninguém tem como sair debaixo. As bolsas despencaram no dia da nota da S&P, mas depois se estabilizaram. Sim, porque todo mundo sabe que não há o que fazer: se ficar o bicho come, se correr o bicho pega. Não há como se livrar dos títulos do governo americano. Para fazer o quê? Trocar por títulos do governo inglês, do governo francês, do governo italiano, irlandês, português, grego? Mas, se o governo americano entra em default, os desses países também vão para o brejo.
A China seria de longe a maior vítima de um calote dos EUA, pois tem mais de US$ 3 trilhões de reservas, dos quais a maior parte deve ser em “treasuries bonds”. Em tempos antigos corriam no Brasil histórias de incautos que caíam no conto do bonde -do caipira paulista que vinha conhecer a capital, ficava maravilhado com os bondes da Light e logo um vigarista lhe propunha que comprasse um. Não sei se alguém já caiu nesse conto, mas o mundo moderno caiu no conto dos bonds americanos. Não por ingenuidade ou falta de cautela, mas por não ter onde mais aplicar o dinheiro. O problema é que o mundo, hoje, produz mais liquidez financeira do que bons negócios para absorvê-la. Isso começou na primeira grande alta dos preços do petróleo, no final de 1973, viabilizada por pelo menos dois fatos: o abandono do padrão-ouro pelo governo americano (*); e os EUA terem deixado de ser autossuficientes em petróleo e passado a importadores.
Essa primeira onda de liquidez errática, dos "petrodólares", fascinou vários governos de países pobres, inclusive o do Brasil. Aquela dinheirama não encontrava projetos, empresas e empreendimentos sérios onde fosse aplicada com segurança. Começou, então, a ser "vendida", sob forma de crédito barato, para governos perdulários, que queriam dinheiro para gastar a rodo (como sempre querem). O nosso vivia, então, sua fase de "pra frente Brasil", com o que engambelava o povão da época, e os bancos internacionais apostaram num governo estável (pois, claro, era militar), que pagaria suas dívidas. Enchemos os bolsos... de dívidas -que mais tarde nos encheriam de vergonha.
Mas as ondas de liquidez se sucederam, a partir de então, por razões que só economistas podem tentar explicar. O fato é que o mundo navega numa delas atualmente.
Dinheiro em excesso produz as pressões inflacionárias, sempre ameaçadoras, que os governos tentam enquadrar, a cada ano, com maior ou menor sucesso; e uma outra "inflação", a de empresários de papel -essas figuras que amealham fortunas imensas, a partir de "ativos" que nada mais são do que o computador, a caneta e o papel timbrado.
A grande arte do "financista" moderno não é "empinar papagaios", como o roleiro de antigamente com as notas promissórias. O de hoje empina IPOs. Mas os governos empinam papagaios e IPOs, e o dos EUA é o mais audacioso do planeta nesse mister: mais de US$ 14 trilhões de papelório empinado é para qualquer larápio das arábias morrer de inveja...
Toda essa desordem está em busca de uma nova ordem. Deve ser isso que George Soros pensava quando, há dias, reuniu um grupo de luminares da economia e finanças em Bretton Woods, o mesmo lugar onde nasceu o FMI.
(*) Em 1971 o governo americano rompeu o compromisso de entregar sempre uma onça-troy de ouro por US$ 35 (hoje ela vale US$ 1.500).”
FONTE: escrito por Marco Antonio Rocha, publicado no “O Estado de São Paulo” e transcrito no portal da FAB (http://www.fab.mil.br/portal/capa/index.php?datan=25/04/2011&page=mostra_notimpol) [imagem do Google adicionada por este blog].
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