sábado, 28 de maio de 2011

JOBIM CONVOCA EMPRESARIADO A INVESTIR NA INDÚSTRIA NACIONAL DE DEFESA

Maquete do avião cargueiro militar KC-390 da Embraer, única empresa brasileira a figurar na ranking das 100 indústrias do setor de defesa. Foto: Ministério da Defesa

O Ministro da Defesa, Nelson Jobim, fez chamamento ao empresariado brasileiro para que invista na revitalização e no desenvolvimento da indústria nacional de defesa.

Segundo o ministro, ao contrário de décadas anteriores, o país se encontra atualmente num momento propício para dar “um salto qualitativo” nesse setor, sobretudo em razão das mudanças ocorridas nos últimos anos no panorama político-econômico nacional.

Para Jobim, os esforços empreendidos pelo governo na área de defesa têm elevado a sensibilidade das elites políticas brasileiras para a necessidade de o país se preparar para resguardar suas riquezas, tais como seus aquíferos e sua capacidade de geração de energia renovável e não-renovável (com o petróleo do pré-sal).

Esse fator, aliado a outros aspectos como a estabilidade monetária, o aumento da presença internacional do Brasil, o incremento dos investimentos estatais na área militar e a existência de grupos empresariais capitalizados que começam a investir no setor, formam, na avaliação do ministro, a base necessária para sustentar a revitalização da indústria de defesa nacional.

O convite ao empresariado ocorreu durante palestra proferida por ele terça-feira aos integrantes do Conselho de Administração da Odebrecht, em São Paulo. Conhecida por sua atuação no segmento de infraestrutura, a empresa promoveu reorientação de parte de seus investimentos para o setor de defesa. Recentemente, o grupo adquiriu uma empresa especializada na fabricação de mísseis e criou um braço organizacional para a área de defesa e tecnologia.

ÍNTEGRA DA EXPOSIÇÃO DO MINISTRO NELSON JOBIM:

"O FUTURO DA DEFESA NO BRASIL"

APRESENTAÇÃO PARA O CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA ODEBRECHT


São Paulo, 24/05/2011

“A possibilidade de ocorrência de conflitos é a justificativa central para a existência de Ministérios da Defesa.

Colin Gray, da academia anglo-saxã, trata de tema recorrente: o caráter da guerra no futuro, a partir do Paradigma de Clausewitz.

Ele aborda os principais problemas com os quais estão os estados nacionais enfrentando e enfrentarão, de forma aguda, nas próximas décadas.

O autor argumenta que as características das guerras no futuro não podem ser previstas.

No entanto, os traços fundamentais da guerra, em sentido lato, deverão permanecer idênticos aos observados no passado (inglês: “Another Bloody Century: Future Warfare”).

A guerra continuará a ser um choque violento de vontades entre coletividades, que duelam pautadas por objetivos políticos decorrentes do trinômio “medo, honra e interesse” (Tucídides) ou “medo, cultura e interesse” (Gray).

Nesse sentido, a possibilidade de descortinar o futuro dependeria das lições oriundas da análise histórica.

Embora o porvir dependa das ações dos homens no presente, a essência da guerra permaneceria inalterada, o que faria com que o passado constituísse o único guia para a compreensão do futuro.

Afirma gray: “(...) sabemos bastante sobre a natureza da guerra no futuro, uma vez que ela permanecerá imutável em relação à guerra no passado e no presente.”

Tal citação não significa que eu aceite a idéia de que o fenômeno bélico possui uma essência transhistórica.

No que se refere especificamente à defesa no Brasil, valho-me mais uma vez dos ensinamentos de Colin Gray: “o melhor que pode fazer um planejador de defesa é errar pouco”.

Se admitirmos que aquilo que se encontra à frente de nós no tempo é por definição incerto, o chamamento à humildade reveste-se de grande sabedoria.

Além dessa humildade, devemos incluir em nossos cálculos a interação entre os planos doméstico e internacional.

A defesa não pode ser pensada de forma estanque. Tanto os desenvolvimentos domésticos quanto os internacionais incidem, de modo complexo e não linear, sobre a política de defesa.

Por isso, traço três cenários bastante simplificados sobre a importância da política de defesa em relação à política externa brasileira.

O pano de fundo é transição do mundo para um sistema multipolar, caracterizado pela incerteza e por extrema fluidez.

O emprego da força nesse contexto não é indiscriminado. Importa em ações ditas assimétricas. Aquelas ações em que os atores em conflito possuem diferencial de poder.

É o que se observa nos choques entre estados e grupos subnacionais (terroristas, guerrilheiros, senhores da guerra, grupos fundamentalistas etc.).

Contudo, a escassez de alimentos, de água potável e de energia, aliada à degradação ambiental, pode suscitar o retorno do padrão de conflitos entre estados que associamos à Europa da segunda metade do século XIX.

Assim, parto das seguintes premissas:

1) em relação à política externa, em 2011, temos:

(1) o eixo central é a busca de insumos para o desenvolvimento;

(2) a ênfase está no processo de integração regional e na rodada de negociações comerciais no âmbito da OMC;

(3) a busca de ampliação de relações comerciais com mercados não-tradicionais;

(4) a prioridade atribuída às parcerias com grandes estados emergentes (BRICS, IBAS etc.);

(5) o apoio à participação brasileira em operações de paz;

(6) a cobrança dos compromissos das grandes potências em relação aos regimes internacionais de não-proliferação (e.g. TNP), mas sem ruptura com esses regimes;

2) em relação política de defesa, em 2011, temos:

(1) a implantação progressiva da estratégia nacional de defesa;

(2) o exercício, pelo MD, da coordenação das forças singulares, seus orçamentos e equipamentos;

(3) enfrentamento:

a) da limitada disponibilidade financeira do MD;

b) do avançado grau de obsolescência material das FFAA;

c) da baixa disponibilidade das plataformas de combate;

d) do nível geral de adestramento abaixo do ideal;

Posso, então, extrapolar a plausibilidade de cada um dos três cenários em que o Brasil se encontraria em 2030.

A articulação mais provável entre as políticas externa e de defesa seria a seguinte:

1) para um cenário positivo em 2030:

(1) existência de mecanismos formais e informais de diálogo entre as burocracias envolvidas nas duas políticas;

(2) diálogo institucional bastante congruente com as diretivas emanadas da constituição federal e da Presidência da República;

(3) implementação das políticas relativamente congruentes entre si;

(4) constrói-se capacidade dissuasória com credibilidade suficiente;

(5) consolidação da indústria nacional de defesa;

2) para um cenário intermediário em 2030:

(1) existência dos mecanismos formais e informais de diálogo entre as burocracias envolvidas nas duas políticas;

(2) diálogo institucional relativamente congruente com as diretivas emanadas da Constituição Federal e da Presidência da República;

(3) implementação das políticas é relativamente congruente entre si;

(4) constrói-se capacidade dissuasória limitada;

(5) indústria nacional de defesa ganha musculatura, mas não plenamente consolidada;

3) cenário adverso em 2030:

(1) dificuldades diálogo entre as burocracias envolvidas nas duas políticas;

(2) diálogo institucional relativamente congruente com as diretivas emanadas da constituição federal e da presidência da república;

(3) implementação das políticas não necessariamente congruentes entre si;

(4)
constrói-se capacidade dissuasória insuficiente;

(5) indústria nacional de defesa se fortalece em nichos isolados, mas ainda é vulnerável;

Neste ponto, os senhores poderão me perguntar o que isso tem a ver objetivamente com os interesses da indústria brasileira de material de defesa. Isso tem tudo, absolutamente tudo a ver com a indústria.

Para transitar do cenário intermediário para o positivo, temos um difícil caminho pela frente.

Muitos dos aperfeiçoamentos institucionais dependem de iniciativas que só podem ser levadas a cabo pelo estado – e muitas delas estão em curso.

Faço menção a eles de maneira taquigráfica:

(1) plano de articulação e equipamento de defesa;

(2) política industrial de defesa;

(3) mecanismo legal que assegure a regularidade e fluência de recursos financeiros (p.ex.: Lei de Programação Militar Plurianual – tema ainda em discussão);

(4) modificação referente às regras licitatórias e às regras de tributação sobre a indústria de defesa;

(5) política de ciência, tecnologia e inovação;

(6) modificações na legislação referente à viabilização de procedimentos de garantias para contratos de exportação de produto de defesa de grande vulto.

No entanto, precisamos distinguir analiticamente dois tipos de aperfeiçoamento institucional. O primeiro é o que se refere ao robustecimento do papel dos civis na direção superior dos assuntos de defesa.

O segundo diz respeito a mudanças no arcabouço legal que permitam conferir sustentabilidade orçamentária aos programas.

Esses aperfeiçoamentos podem ser tratados separadamente, mas um possui implicações sobre o outro.

Se os civis não exercem, ou exercem precariamente, seu papel de direção superior da política de defesa, a lógica dos interesses setoriais de Marinha, Exército e Aeronáutica torna difícil, senão impossível, a necessária integração e racionalização de iniciativas.

Por outro lado, se inexistem mecanismos legais que garantam estabilidade e previsibilidade orçamentária, a pretendida integração e racionalização de iniciativas estará ipso facto prejudicada.

Em qualquer hipótese, perde o país. O esforço necessário para modificar o status quo não depende, e não pode depender, apenas do Ministro da Defesa.

Todos os agentes envolvidos nesse processo precisam contribuir para a construção da nova realidade almejada.

Ao contrário dos anos 1980, encontramo-nos em circunstância bastante mais propícia para darmos o salto qualitativo no plano da defesa – em particular no que tange à indústria.

Cito alguns dos fatores que nos colocam em condição mais favorável:

(1) aumento da sensibilidade das elites políticas brasileiras a respeito da necessidade de resguardar as riquezas do país (Amazônia, pré-sal etc.);

(2) adensamento da presença internacional do Brasil;

(3) estabilidade monetária;

(4) existência de grandes grupos empresariais nacionais capitalizados e eficientes que começam a investir no setor;

(5) melhora relativa, ainda que insuficiente, da capacidade de investimento do estado;

(6) aumento relativo da capacidade instalada do país na área de ciência e tecnologia;

(7) melhora relativa, ainda que insuficiente, da coordenação sobre os programas de sistemas de armas e científico-tecnológicos das três forças. Os fatores acima elencados são bastante significativos. Quem poderia apostar, em meados da década de 90, que um contrato militar da magnitude do PROSUB pudesse ser assinado pelo Brasil?

Vislumbro a superação dos óbices em duas circunstâncias radicalmente opostas:

(1) uma humilhação militar que externalize toda a precariedade de nosso aparato de defesa (o que, oxalá, não venha ocorrer);

(2) a conscientização de nossas elites sobre a relevância da defesa para o desenvolvimento e a inserção soberana do Brasil no mundo (o que, oxalá, consigamos construir).

Para que a segunda circunstância ocorra, não basta a vontade política de atores isolados. É necessário que haja, em paralelo, intenso trabalho de convencimento junto aos partidos políticos e aos principais formadores de opinião, em especial os empresários.

Temos trabalhado nessa linha.

O governo e setor privado precisam promover uma verdadeira revolução em termos de informação sobre temas de defesa. Em particular, sobre o problema orçamentário.

Lembro-me de cientista político brasileiro. Ele mencionava o fato de que as políticas sociais praticadas no país, em especial desde os anos 1990, foram significativamente influenciadas pelo trabalho de alguns núcleos de pesquisa que inundaram os meios de comunicação com informações sobre essas políticas. É evidente que somente a existência de informações não garante resultados concretos em termos de políticas públicas.

No entanto, quando impera um tal nível de desconhecimento sobre defesa como o existente no Brasil, e refiro-me mesmo a círculos de nossa elite política e intelectual, temos um problema evidente que precisa ser atacado.

A iniciativa privada brasileira pode contribuir decisivamente para essa revolução desencadeada pelo conhecimento.

Não quero fazer propaganda de instituições estrangeiras.

No entanto, cito a necessidade imperiosa de criarmos versões nacionais, mesmo que mais modestas, de uma ‘Rand Corporation’ ou de uma ‘Stratfor’.

Precisamos, também, de maior agressividade empresarial no que se refere à exportação de produtos e serviços.

Segundo dados da ABIMDE, apenas 132 empresas estão filiadas àquela associação. Destas, apenas 35 são exportadoras e respondem por um montante de aproximadamente R$ 1(um) bilhão. Note-se que este tipo de mercado, em escala mundial, chega à casa de 1 (um) trilhão de reais.

Este fato contrasta com a capacidade produtiva nacional.

Segundo aquela associação, cerca de 60% das empresas filiadas são de pequeno porte.

Se, por um lado, este aspecto ressalta o alcance social da nossa base industrial de defesa e seu potencial de expansão, por outro lado, sugere a dificuldade de estas se estabelecerem em um mercado tão competitivo e inovador como é o mercado de defesa.

Agravando o quadro acima mencionado, verifica-se que, nos países centrais, as empresas tendem a se agrupar como forma de garantir escalas compensadoras de produção e de monopolizarem o cobiçado mercado de defesa.

Das cem (100) maiores empresas ranqueadas neste setor, apenas a Embraer é citada, ocupando a 95ª posição.

Destaca-se que entre as dez (10) primeiras, sete (7) são americanas e três (3) são “agrupamentos” de empresas europeias (BAE Systems, EADS e Finnmecannica).

Esse fato sugere que os players nacionais devam ter estatura e musculatura compatíveis com o grau de agressividade requerido nessa faixa de mercado. Corrobora essa assertiva o fato de que, cada vez mais, os sistemas de defesa constituem-se de produtos de alto valor agregado.

Esses sistemas estão focados em capacitações operacionais crescentemente complexas e demandam elevados índices de integração e de interoperabilidade, não somente entre as forças, mas também com os sistemas civis, nacionais e internacionais.

Observe-se que somente uma empresa exporta regularmente produtos para a ONU. Lembro que a ONU compra de tudo necessário para suas atividades. Recentemente este ministério se fez representar em reuniões de interesse da Secretaria de Produtos de Defesa na Organização das Nações Unidas (ONU). Entre os temas debatidos, esteve a oportunidade de empresas brasileiras participarem ativamente no atendimento das demandas daquele organismo. De um mercado de aproximadamente US$ 6 (seis) bilhões, as empresas brasileiras -apenas 14 (quatorze) credenciadas- participam com menos de US$ 1 (um) milhão.

Nesta oportunidade, pode-se constatar a importância da existência de empresas líderes, que possam aproveitar as oportunidades suscitadas pela tendência à terceirização da ONU por meio de “main contractors”.

A ONU exige destes, por exemplo, a montagem e a operacionalização de acampamentos de tropa. As empresas brasileiras precisam aproveitar essa excelente janela de oportunidade internacional.

Ainda no plano internacional, ressalto a importância da UNASUL para o setor de defesa.

Trata-se de organismo democrático, onde todos os países se apresentam como membros em iguais condições.

Nesse fórum, busca-se a complementaridade e o intercâmbio.

Prevalece, portanto, relacionamento do tipo “ganha-ganha”.

As iniciativas de integração que podem surgir com base no adensamento dos trabalhos do Conselho de Defesa Sul-Americano descortinam a possibilidade de garantir escalas mínimas de demanda para a viabilização, implantação e manutenção de capacitações produtivas no subcontinente.

Senhores empresários, o Ministério da Defesa, neste momento de inflexão histórica, convoca a todos para, em esforço supra-empresarial, conquistarmos o mais caro e precioso produto de defesa, o bem estar de nossa gente, razão maior de nossa existência.

Incentivando as parcerias, fomentando as pequenas empresas de capacitação dual, preservando-as e protegendo-as de concorrentes predadores e facilitando sua inserção no mercado internacional. Em última análise, criando empregos e gerando riqueza.

Srs.

Se nossos problemas são enormes, nossas potencialidades também o são.

Vislumbro a defesa do Brasil no futuro significativamente distinta do que ela é no presente: mais eficiente, mais robusta, melhor aparelhada.

Porém, só alcançaremos isso se soubermos trabalhar em conjunto, governo e setor privado.

É esse o desafio que proponho aos senhores.

Muito obrigado.”

FONTE: Blog do Planalto (http://blog.planalto.gov.br/jobim-convoca-empresariado-a-investir-na-industria-nacional-de-defesa/).

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