Por Vinicius Torres Freire, na 'Folha de São Paulo':
“Setor público respondeu somente por 12% da alta da dívida externa desde 2006. No entanto, a dívida externa privada mais que dobrou [especialmente por causa de empréstimos assumidos no exterior pelo empresariado privado brasileiro, multinacionais no Brasil inclusive].
Desde que "acabou a dívida externa" do Brasil, lá pelo final de 2007, ficou fora de moda até comentar o risco de o país passar por apuros devido à falta de moeda forte. Nunca antes o país teve tanta capacidade de pagamento externo, e por tanto tempo -ao menos na história de estatísticas confiáveis.
Mas está tudo tão bem assim? E a dívida externa das empresas? [O governo deve fiscalizá-las, controlá-las, coibí-las?]
Os mais pessimistas a respeito do setor externo apontavam o dedo para o aumento do déficit externo (em transações correntes, a diferença entre o que o país recebe e paga por conta do comércio de bens e serviços com o exterior). O déficit foi de zero em 2007 a 2,3% do PIB em 2010. Acreditava-se que estávamos no caminho dos 4% do PIB, nível no qual o país quebrava e/ou a moeda sofria desvalorizações selvagens.
Mas o assunto meio que morreu com a alta do preço das exportações. Em janeiro, ainda se chutava que o déficit iria a 3% ao final de 2011. Não deve passar de 2,5%.
Os indicadores de "solvência externa" vão muitíssimo bem, no conjunto. Nos anos de 1983 a 1986, em que estávamos terrivelmente quebrados, o pagamento de juros da dívida externa equivalia a 44% das exportações de bens. Nos anos FHC/PSDB, [também quebrados] de 20% a 30%. Agora, tal relação anda na casa de 6%.
No final de 1986, no colapso do cruzado, as reservas internacionais (dinheiro em moeda forte no Banco Central) eram apenas 6% do PIB. Ao final de 1999 (de grande desvalorização do real), a relação reservas/dívida era de 16%[contando com empréstimo do FMI]. Em outra crise, ao final de 2002 [FHC], era de 18%.
Agora, [com o governo Lula/PT], as reservas são 116% do dívida externa! Isto é, há mais reservas, entre outros haveres, do que dívida -por isso se diz que a "dívida externa acabou". Enfim, a qualidade do "passivo externo" cresceu: do capital externo que aportou aqui, há menos dívida, mais investimento.
O total da dívida externa bruta (sem descontar os haveres) é de 13% do PIB. Chegou a 42% no final de FHC (até porque o PIB em dólares ficou miúdo, dada a desvalorização do real). E aqui chegamos ao ponto: o risco de desvalorização cambial e a dívida externa privada.
Em 2006, a dívida privada era uns 48% da dívida externa bruta total; em abril de 2011, 64%. Em termos de PIB, cresceu pouco: de 7,7% do PIB para 8,3% do PIB. Em dólares nominais, cresceu quase US$ 100 bilhões (de US$ 83 bilhões para US$ 180 bilhões). No período, 88% do crescimento se deveu ao endividamento privado.
Mas esse nosso PIB em dólares está inflado, dado o real forte. O real a US$ 1,60 veio para ficar? O que acontecerá com a dívida de bancos e empresas em caso de desvalorização forte? Passou o tempo dessas desvalorizações, dado que o Brasil tem uma economia menos esquisita e reservas de US$ 335 bilhões?
Pode-se perguntar, de modo equivalente, se o déficit externo pode voltar a crescer de modo explosivo, por crescimento econômico excessivo (consumo e importação demasiados) e/ou piora dos preços relativos das exportações brasileiras. Ou se crises financeiras internacionais agudas podem causar desvalorizações perigosas (podem, como se viu em 2008). Ou se a dívida das empresas está bem calçada ("hedgeada"). Em 2008, viu-se que ótimas empresas, em termos operacionais, faziam demências com derivativos cambiais e por isso quebraram.”
FONTE: escrito por Vinicius Torres Freire na Folha de São Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me1906201104.htm) [trechos entre colchetes adicionados por este blog].
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