União Europeia
“O que vem pela frente são tempos obscuros, de medidas malvadas que já se fazem sentir. Conquistas sociais asseguradas durante décadas estão ruindo feito castelos de pó. Tecnocratas de coração de gelo e alma vendida assumiram a gestão de países como a Grécia e a Itália. Portugal tomou de vez o caminho do brejal e a economia britânica vive sua terceira recessão em dois anos. Talvez o retrato mais nítido desse processo de desmoronamento vivido pela Europa esteja na Espanha.
Por Eric Nepomuceno, de Buenos Aires
Uma das grandes marcas do ano que termina veloz, voraz e sombrio, é a de uma Europa que naufraga aos sabores do apetite incansável do mercado financeiro. A prepotência imperial de uma Alemanha implacável somou-se aos ares napoleônicos de um francês insosso e furtivo para pôr ordem na casa, ao preço que for.
O que vem pela frente são tempos obscuros, de medidas malvadas que já se fazem sentir. Conquistas sociais asseguradas durante décadas estão ruindo feito castelos de pó. Tecnocratas de coração de gelo e alma vendida assumiram a gestão de países como a Grécia e a Itália. Portugal tomou de vez o caminho do brejal, e se a city de Londres, coração da especulação financeira do mundo, vai de vento em popa, a economia britânica vive sua terceira recessão em dois anos. Aliás, entre as fanfarras que celebraram, na reta final de 2011, o fato de o Brasil ter se tornado a sexta economia do mundo, superando a Grã Bretanha, restou lembrar que isso se deve mais a deméritos britânicos que a méritos nossos.
[Simbolismo das medidas impostas pelos megabancos mundiais aos trabalhadores espanhóis]
Talvez o retrato mais nítido desse processo de desmoronamento vivido pela Europa esteja na Espanha. Lá, um senhorito catolicão e galego assumiu o poder, depois de uma vitória eleitoral tão insólita quanto previsível, e estreou escancarando a porta de conquistas sociais que o país já não pode pagar, porque se pagar, não paga os bancos. Não deixa de ser simbólico que no dia 20 de novembro – quando se registrava o 36º aniversário da morte de outro galego chamado Francisco Franco, o ditador mesquinho e perverso que sufocou o país em atraso e brutalidade ao longo de mais de três décadas – tenha sido eleito Mariano Rajoy. Uma figura esquiva, que concentrou o poder num círculo tão fechado que nem mesmo se sabe quem dentro dele faz o quê, e não mostra o que pensa ou o rumo que dará a um país que se desmilingue.
De saída, Rajoy anunciou que irá reformar as legislações que asseguravam direitos à mulher e às minorias. A questão do aborto, que ele tratou de maneira melíflua durante a campanha eleitoral, agora foi escancarada: a chamada ‘Ley de Salud Sexual y Reproductiva’, aprovada durante a gestão do socialista José Luis Rodríguez Zapatero, será profundamente reformulada. Deixará, assim, de ser uma das mais avançadas da Europa, e voltará a ser o que era há décadas, num retrocesso espetacular.
Outra lei, que assegurava aos homossexuais o matrimônio civil (com todos os direitos de adoção de filhos, de pensão e aposentadoria, de divisão de patrimônio), e que também colocou a Espanha na vanguarda européia, irá pelos ares.
O pêndulo da história oscilou para a direita, e com força. Reformas conquistadas ao longo dos anos deixam espaço para os ditames do catolicismo mais recalcitrante. Pesquisas de opinião pública realizadas periodicamente, e que reiteram a aprovação da maioria dos espanhóis, e principalmente das espanholas, a essas conquistas, foram ignoradas. Venceram as forças mais obscuras do conservadorismo.
Mariano Rajoy também começou urgentes negociações com as grandes centrais sindicais, para reformar a legislação trabalhista. Considerada uma das mais protetoras da Europa, será ‘flexibilizada’. Os trabalhadores conhecem bem essa palavra. Portanto, nenhuma surpresa: salários congelados, investimentos públicos cortados. Pela primeira vez desde que foi criado, em 1980, o salário mínimo não será reajustado pela inflação. Embora sejam poucos os trabalhadores espanhóis que recebam o salário mínimo (cerca de 135 mil), ele serve como referência para fixar os ajustes de todas as categorias. Daí a perda que afetará a todos.
A política que está sendo discutida entre centrais sindicais, patronais e o novo governo não deixa espaço para otimismo algum. O estímulo que vem do ministério do Trabalho está dirigido à criação de vagas temporárias, ou de tempo parcial, e também à transformação dos atuais contratos de trabalho com prazo fixo para outros, de prazo indefinido, que permitiriam a demissão sumária a qualquer momento.
O novo premiê espanhol deu a seus ministros um prazo restrito – exatos cinco dias – para dizer onde cortariam, em seus respectivos orçamentos, 16 bilhões e 500 milhões de euros. É o que o Estado deixará de gastar em 2012.
De qualquer ângulo que se observe a Espanha, é evidente que haverá acúmulo de medidas drásticas que imporão, em seu conjunto, pesado, pesadíssimo, sacrifício para a população. Já se anunciou que 2012 será ano de recessão, e que não serão criados novos postos de trabalho. Ao contrário: o desemprego, que é o mais alto da Europa e já afeta a cinco milhões de espanhóis, deverá aumentar ainda mais.
Nada, porém, supera o significado da escolha do novo homem forte do governo. Para ocupar o ministério da Economia, Mariano Rajoy escolheu conhecido funcionário do sistema financeiro internacional, Luis de Guindos. Ao ser convidado, ele ouviu de Rajoy uma síntese de qual será sua missão: determinar a política econômica, concretizar a reforma do sistema financeiro, enfrentar os mercados, reconquistar a confiança dos investidores.
Em seu currículo, se destaca uma sequência de empregos vistosos no mercado financeiro – que, claro, o recebeu com sorrisos luminosos e braços escancarados.
Um desses empregos chama a atenção: Luis de Guindos foi o presidente regional, para Espanha e Portugal, do banco “Lehman Brothers”. Sim, aquele mesmo que faliu ruidosamente nos Estados Unidos e contribuiu de maneira determinante para toda essa crise que vem sacudindo o mundo desde 2008.
Quer dizer: de causar desastres, ele deve entender. E entender muito.
Pobre Espanha.”
FONTE: escrito por Eric Nepomuceno, de Buenos Aires, e publicado no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19302) [imagens do Google, suas legendas e trechos entre colchetes adicionadas por este blog ‘democracia&política’].
01/01/2012: Para onde caminha a América Latina?
ResponderExcluirEspecialistas fazem um balanço dos acontecimentos na América Latina e debatem os próximos passos da região, em texto publicado pela Adital. Entre outras bandeiras, a luta por terra e trabalho deverão estar em relevo nos diversos países latino-americanos, inclusive no Brasil, onde as fontes reconhecem que houve avanços. Mas é preciso avançar mais. O Vermelho reproduz a íntegra da matéria.
Um barril de pólvora prestes a explodir. Por vezes, essa é a definição adotada com relação à América Latina e ao cenário das lutas sociais na região. Conhecida pela pobreza, gritante desigualdade social, ditaduras militares na década de 1970, ingerência de países ricos, com suas políticas neoliberais, também é bastante lembrada por seus povos aguerridos, de resistência heróica.
Nesse início de década, cabe perguntar: para onde caminha a América Latina? Há um mosaico de fatores que torna o quadro bastante complexo. Por um lado, fala-se na ascensão de governos considerados de esquerda na última década; por outro, permanece a questão social, a pobreza, acima de tudo, acompanhada por megaprojetos de infraestrutura, "guerra” ao narcotráfico - que já vitimou mais de 40 mil mexicanos(as) desde 2006 - e a constante luta pela terra.
Para o professor do departamento de Economia da Universidade Federal de Santa Catarina, Nildo Ouriques, o grande desafio que se apresenta à região é "aprofundar grandes transformações feitas pelos programas do nacionalismo revolucionário”, entre os quais ele situa Venezuela, Bolívia e Equador. "Se não fizerem isso, a direita vai reascender; tem que aproveitar essa correlação de forças favorável, com a crise estrutural do capitalismo, agora é hora de avançar”, alerta.
Por sua vez, o coordenador do Grito dos Excluídos Continental, Luiz Bassegio, considera que houve avanços nos processos de participação popular e nas condições de vida dos povos, porém, ressalva, não foram realizadas mudanças estruturais profundas. "É preciso continuar avançando e os movimentos sociais apoiarem mais os governos que caminham nesta direção, ainda que sem perder uma visão crítica, sem cooptações e tendo no horizonte um objetivo estratégico que é o de construir uma sociedade justa, fraterna”, aposta.
No mesmo sentido, o professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina, Eliel Machado, pondera que as questões fundamentais das camadas oprimidas – sociais e econômicas – não foram plenamente resolvidas, contudo, as lutas anteriores servem de exemplo. "Com os eventuais erros e as conquistas pontuais, estes movimentos podem avançar mais ainda em direção a transformações mais substanciais”, explica.
Sobre os governos considerados de esquerda, aos quais se atribui boa parte das mudanças e sobre os quais também pesam conflitos com os movimentos sociais e acusações de restrição a liberdade de expressão, Eliel pede cautela. Ele defende que não se deve aplicar o mesmo adjetivo aos governos Lula, Chávez, Morales e Correa.
"Têm diferenças entre si, não só pela composição político-eleitoral de cada um em seus respectivos países, como também de cunho ideológico”, ressalta. O pesquisador cita, por exemplo, que o governo Lula não avançou na reforma agrária no Brasil, diferenciando-se da gestão anterior de Fernando Henrique Cardoso apenas por investir um pouco mais de recursos nos assentamentos já existentes.
Já Nildo Ouriques considera que estas gestões puseram o socialismo novamente em pauta. "Agora precisam avançar rumo a um socialismo comunal, abolindo o Estado burguês, o que vai depender da luta de classes, dos impactos da crise estrutural por aqui e da radicalização dos movimentos sociais, conjunto de fatores variantes de um país para outro”, assinala.
ResponderExcluirQuestão social
Lançado em 1971, o livro As Veias Abertas da América Latina, do uruguaio Eduardo Galeano, configura-se ainda de uma dolorosa atualidade. Em um prefácio escrito na década de 1990, Galeano expõe: 120 milhões de crianças "no centro da tormenta”, 50 milhões de desempregados ou subempregados, 100 milhões de analfabetos, a metade da população apinhada em moradias insalubres e uma produção de alimentos menor do que antes da última guerra mundial.
Essa realidade persiste. Segundo Nildo, 62% da população da América Latina é pobre e é esta condição a causadora de problemas sociais na região. "A violência está posta historicamente, não vem do tráfico; a questão da migração sempre existiu, a pobreza é que está na raiz desses problemas, que são apenas decorrentes dela”, sustenta.
De mesma opinião, Eliel considera que a luta por terra e trabalho deverão estar em relevo nos diversos países latino-americanos. "As desigualdades sociais continuam gritantes na região, inclusive no Brasil, não obstante toda a propaganda oficial em sentido contrário. O capital financeiro permanece hegemônico e ditando as políticas estatais”, aponta.
Já Bassegio realça os megaprojetos, que no caso do Brasil se somam aos megaeventos (Copa do Mundo de Futebol em 2014 e Olimpíadas em 2016). Como consequências, desalojamentos em massa e agressões ambientais, afetando milhares de pessoas, provocando mudanças climáticas e o aquecimento global.
Outro ponto importante, na visão do militante, são as migrações, "que obrigam a milhões de pessoas a estarem continuamente em movimento segundo os interesses do capital, submetendo-as à exploração no trabalho, sendo muitas vezes traficadas e sem acesso aos direitos”.
Diante de tudo isso, no entanto, os povos latino-americanos persistem. Movimentos comunitários, de mulheres e trabalhadores representam um alento e esperança. Entre estes, os indígenas parecem assumir um papel de destaque a cada ano, trazendo para a pauta a questão ambiental, o respeito à Pachamama, colocando-se contra petroleiras, hidrelétricas, mineradoras etc.
"Questionar ideia de que desenvolvimento vai dar um lugar ao sol para eles e mostrar que é possível uma outra relação”, opina Nildo, sobre o papel indígena. Para Bassegio, a maior contribuição está no questionamento da ordem capitalista.
"Buscam não uma sociedade de consumo desenfreado, mas um modo de viver onde todos tenham o necessário para viver dignamente em harmonia com a natureza”, frisa.
Crise econômica
ResponderExcluirA crise estrutural do capitalismo, iniciada em 2008 nos Estados Unidos, atinge duramente este país e a Europa. No velho mundo, a sociedade desperta, mobilizando-se de uma maneira há muito não vista. Para a América Latina, resta uma certeza: a crise já chegou a alguns países e em breve baterá à porta dos que ainda se consideram a salvo. Esta deverá ser, na opinião de pesquisadores e militantes, uma conjuntura definidora, em que governos mostrarão, de fato, a quem servem.
Para o professor Nildo, a crise "acabará com o período ingênuo de otimismo e eliminará as ambiguidades”. Os projetos alinhados com as elites tentarão cortar conquistas sociais.
"Na visão da classe dominante ela (a crise) será superada mediante o ataque, o corte de direitos sociais. Este é um grande desafio para os movimentos sociais diante da crise: garantir os direitos já conquistados, ampliar o acesso aos mesmos, conquistar novos direitos e universalizá-los”, reflete Bassegio.
Na outra ponta, a resistência ficará por conta das camadas oprimidas. "Tudo isso vai depender, por outro lado, da capacidade de resistência dos setores populares, o que envolve formação política, organização social e combatividade ideológica em tempos difíceis”, avisa.
Fonte: Adital
http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=171774&id_secao=7
Probus,
ResponderExcluirMuito bom artigo. Vou postá-lo.
Obrigada
Maria Tereza