segunda-feira, 30 de abril de 2012

NOCAUTE TÉCNICO DOS EUA NO AFEGANISTÃO

Ataque de gurrilheiros afegãos em Cabul

“Recentemente, depois que os guerrilheiros lançaram ataques sincronizados sofisticados no Afeganistão – dúzias de combatentes metidos em coletes explosivos, foguetes lança-granadas e armamento leve, além dos carros-bombas –, o Pentágono correu a chamar a atenção de todos para o que não acontecera.

Por Nick Turse, no “TomDispatch

Não estou minimizando a gravidade disso, mas nada tem a ver com a Ofensiva do Tet” – disse George Little, principal porta-voz do Pentágono. “O que vemos são homens-bomba, foguetes lança-granadas, fogo de morteiro etc. Não há qualquer ofensiva em larga escala em Cabul e outras partes do país”.

O secretário da Defesa Leon Panetta disse praticamente o mesmo. “Não houve ganhos táticos” – insistiu. “Não passam de ataques isolados, para finalidades simbólicas. E não reconquistaram território”. Os mesmos sentimentos ecoaram também em muitos jornais, que repetiram que “os ataques pouco obtiveram” ou que foram “mal-sucedidos”.

Por mais que os ataques tenham de ser noticiados como fracassos, a reação oficial dos EUA aos ataques coordenados dos guerrilheiros em Kabul, capital do Afeganistão; na base aérea de Jalalabad; e nas províncias Paktika e Logar mostra incompreensão básica do que seja uma guerra de guerrilhas e, especialmente, do tipo de guerrilha que a rede Haqqani (grupo criminoso que a guerra converteu em grupo guerrilheiro insurgente) está fazendo.

Todos os jornais dos EUA deveriam ter publicado a seguinte chamada: “Mais de 40 anos depois da Ofensiva do Tet, na Guerra do Vietnã; com mais de uma década de guerra no Afeganistão; depois, até, de terem ressuscitado a doutrina da Contraguerrilha (e mesmo que, em seguida, a tal doutrina COIN [orig. Counterinsurgency] já tenha sido reduzida a cacos), os militares dos EUA simplesmente ainda não entenderam a guerra de guerrilhas”.

Analisem esse fenômeno como um inegável recorde mundial de “fracasso de entendimento” que se estende dos anos 1960s a 2012, e que avançará adiante, sem dúvida alguma.

AS LIÇÕES DO TET

Ofensiva do Tet

Quando as forças revolucionárias do Vietnã lançaram a Ofensiva do Tet em 1968, atacando Saigon, capital do Vietnã do Sul, além de quatro outras grandes cidades, 35 das 44 capitais de províncias, 64 sedes de distrito e 50 outros pontos estrategicamente importantes em todo o país, tinham a esperança de despertar um levante de toda a população. Conseguiram, em vez disso, mostrar ao mundo que meses de discursos otimistas dos comandantes dos EUA, sobre incríveis conquistas estratégicas e a vitória já próxima, nunca haviam passado de farsa, extrema e vastíssima farsa.

A Ofensiva do Tet lançou infâmia imorredoura sobre o comandante das forças dos EUA, general William Westmoreland, porque dissera, poucos meses antes, que a vitória dos EUA nunca estivera tão próxima. E quando apareceu frente às câmeras de TV, no pátio da Embaixada dos EUA, em Saigon, já praticamente em ruínas – depois que um pequeno grupo de sapadores vietcongs abriu uma entrada num dos muros e apanhou desprevenido o exército dos EUA –, para dizer que a Ofensiva do Tet dera em nada, foi afinal visto, pelos norte-americanos que assistiam àquilo como ou desligado da realidade, ou doido delirante.

Carro de combate das forças revolucionárias do Vietnã entra na Embaixada dos EUA ("a Ofensiva do Tet não dera em nada"...)
Desde aquele momento, deveria ter ficado claro que, na guerra de guerrilhas, o sucesso tático, e até o sucesso em sentido corriqueiro, nunca é tudo ou nada. Guerrilheiros em todo o mundo entenderam o que houve no Vietnã. Recolheram as lições no fundo da alma e as levaram um passo adiante. Entenderam, por exemplo, que não é preciso perder 58 mil combatentes, como os vietnamitas perderam no Tet, para obter importantes vitórias psicológicas. Basta que a guerrilha chame atenção para as fragilidades do inimigo, para a incapacidade do inimigo que não tenha conseguido conter a guerrilha.

A rede Haqqani com certeza aprendeu a lição; e, há apenas uma semana, alcançou exatamente esse resultado, com 57.961 guerrilheiros mortos a menos. Ao assestar um golpe psicológico contra o inimigo poderosíssimo, ao custo da vida de apenas 39 guerrilheiros, a rede Haqqani mostra que luta pelo modelo da guerrilha global do século 21. E o Pentágono – os principais comandantes civis e militares dos EUA saibam disso ou não – ainda está paralisado em Saigon-1968.

Panetta, no caso em tela, só soube tentar desqualificar a vitória da rede Haqqani, por não terem reconquistado “território”. Pela falta de sentido e foco, é comentário claramente westmorelandesco.

E que território, afinal de contas, uma força armada relativamente fraca como os militantes Haqqani teriam interesse em “reconquistar” atacando o quarteirão diplomático, exatamente a área mais fortemente defendida, de Kabul? E no ataque à Embaixada Alemã? E caso “reconquistassem” algum território, teriam feito o quê? Tentariam “reconquistar” o território da OTAN? Da Embaixada dos EUA? E Panetta, embora tenha visto que os ataques visavam a obter efeito simbólico, mesmo assim se manteve estranhamente obcecado com seu significado “tático”.

Como aconteceu no Vietnã, os militares norte-americanos no Afeganistão sempre tentam demonstrar que estão vencendo pela lógica dos números (número de inimigos capturados, de cadáveres produzidos nos “raids noturnos”). Também com expressiva frequência, os porta-vozes inventam regras e modos de contar inimigos, sempre tentando demonstrar que o inimigo estaria sendo vencido.

Esse modo de pensar à Westmoreland ficou bem claro semana passada, nas declarações segundo as quais os Haqqanis nada teriam conseguido “porque” não conquistaram território, ou que não teriam conseguido organizar ataque “suficientemente grande” – como se o Pentágono fosse o juiz da guerra (além de guerreador) -- e o conflito pudesse ser vencido por pontos, como luta de boxe.

Nos anos do Vietnã, Westmoreland e outros altos oficiais dos EUA viviam à procura de um sempre fugidio “ponto de virada” – o momento em que o inimigo vietnamita passaria a sofrer mais baixas do que teria soldados para substituir os mortos e, como todos pareciam convencidos de que aconteceria, seria obrigado a render-se. Esse “ponto de virada” foi o El Dorado do Pentágono e, para alcançá-lo, os militares dos EUA fizeram guerra de atrito, exatamente o que faz hoje o Pentágono, que tenta achar o caminho para a vitória no Afeganistão com ataques noturnos e ataques convencionais.

Mais de uma década depois de suas forças terem varrido Kabul, porém, o que começou como bando de guerrilheiros esfarrapados cresceu e fortaleceu-se, e continua a pressionar o exército mais armado, mais tecnologicamente avançado, mais rico do planeta. Mas nem todos os “ganhos táticos” dos EUA e os territórios conquistados, sobretudo no coração da área dos Talibãs, na província de Helmand no sul do Afeganistão, estão levando a coisa alguma que seja remotamente semelhante a vitória. E uma depois da outra, todas as ofensivas norte-americanas divulgadas como se fossem ‘a luz no fim do túnel’ – como a também muito divulgada Campanha Marjah-2010 – desapareceram na poeira da estrada e foram esquecidas.

AS “ZONAS VERDES” AFEGÃ E NORTE-AMERICANA

Como os Haqqanis planejavam demonstrar e demonstraram com os ataques coordenados, as forças militares dos EUA – um trilhão de dólares e centenas de milhares de soldados das forças locais de segurança – não são ainda capazes de garantir a segurança, sequer, de pequenas “zonas verdes” no coração da capital afegã. E, isso, para nem falar do resto do país.

O conflito no Afeganistão começou com a declaração do principal comandante norte-americano, segundo o qual “Não contamos cadáveres”. Mas rápido exame de recentes press-releases distribuídos pelos militares, onde muito se fala de “altos números de inimigos de alto valor mortos” e de número imenso de guerrilheiros mortos, mostra exatamente o contrário.

Como no Vietnã, os EUA lutam outra vez guerra de atrito, mas os afegãos impõem aos EUA a estratégia deles, muito diferente da estratégia de atrito dos EUA. Em vez de se arriscarem em ofensivas tateantes, muitas vezes suicidas, a rede Haqqani, desta vez, planejou campanha conservadora, para preservar a vida dos combatentes e não desperdiçar recursos do grupo. Com aquela ação econômica, enviam mensagem clara à população afegã e, simultaneamente, expuseram ao público norte-americano a futilidade do conflito.

O desgaste do apoio norte-americano à guerra é hoje bem visível. No final de 2009, segundo pesquisa de ABC News/Washington Post, 56% dos norte-americanos acreditavam que ainda valia a pena combater no Afeganistão. Poucos dias antes dos ataques coordenados pela rede Haqqani, a porcentagem já desabara para 35%. No mesmo período, o número de norte-americanos convencidos de que não vale a pena combater no Afeganistão saltou de 41% para 60%.

Diga o Pentágono o que disser, a mais recente ofensiva dos Haqqani só estimulará essas tendências, e não bastam os press-releases do Pentágono, sobre mortes e mais mortes de inimigos, para revertê-las.

Na era do “exército-empresa” e seus mercenários, abrir uma brecha na “zona verde” da opinião pública norte-americana importa menos do que nos anos da guerra do Vietnã, mas ainda faz muita diferença. Os Haqqanis e seus aliados Talibã talvez não estejam ‘reconquistando’ território, mas nessa guerra de guerrilhas o território que realmente conta, dos dois lados das linhas de combate, é o território dos corações e mentes das pessoas. E aí, nesse território, o Pentágono está perdendo a guerra.

Dia 12 de abril, no mesmo dia em que foi divulgada a pesquisa ABC News/Washington Post, o tenente-coronel James Routt da Força Aérea dos EUA voou sua última missão de combate no Afeganistão. Foi um voo importante. Routt começou sua carreira pilotando bombardeiros B-52 no final da Guerra do Vietnã, e também participou de apoio à Operation Linebacker II, o infame “bombardeio de Natal” ordenado por Richard Nixon contra o Vietnã do Norte.

Poucos anos depois daqueles ataques, Nixon já era ex-presidente caído em desgraça; e os vietnamitas inimigos dos EUA haviam vencido aquela guerra. Décadas depois, os EUA continuam à beira de mais uma e ainda mais devastadora derrota, desta vez frente a inimigos ainda menos numerosos, de fato nada além de um grupo guerrilheiro minoritário, com aliados fracos (e sem apoio de nenhuma “grande potência”). É inimigo que lutou muito menos batalhas e perdeu muito menos combatentes, apesar de enfrentar a máquina de guerra dos EUA, muito mais sofisticada.

Enquanto Routt pendura o uniforme de bombardeador e afasta-se de mais uma derrota dos EUA na Ásia, o Pentágono insiste nos esforços para alcançar, se não a vitória, pelo menos alguma coisa que não seja absoluto e completo fracasso, de uma mistura de dinheiro, cadáveres e róseos relatos para os press-releases. A rede Haqqani e seus aliados, por sua vez, que souberam aprender as lições da Guerra do Vietnã, sem dúvida manterão sob total controle a sua guerra de atrito. E Washington só conhece a variante perdedora à qual continua agarrada há anos.

O Pentágono deveria ter superado a Síndrome do Vietnã, mas não: no Afeganistão, aplica ainda o mesmo antigo manual. Parece estar decidido a comprovar que a via Westmoreland ainda é o meio mais eficaz que há para ser derrotado em guerras na Eurásia.”

FONTE: escrito por Por Nick Turse, publicado no “TomDispatch” e transcrito no blog “Redecastorphoto” e no portal “Vermelho”, traduzido pelo “pessoal da Vila Vudu”  (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=181784&id_secao=9) [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’]

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