"RIO+20", A IDADE DA RAZÃO
“A ‘Cúpula da Terra’, a 'Rio+20', acontece num divisor histórico que
cobra, ao mesmo tempo legitima a busca de novos caminhos para a continuidade da
aventura humana no planeta. A singularidade desta reunião, o seu maior trunfo,
não pode ser abstraído ou amesquinhado pelas organizações, lideranças e chefes
de Estado reunidos a partir de 4ª feira no Rio de Janeiro: a “Rio+20” reverbera
o colapso da ordem neoliberal.
Por Saul Leblon, na “Carta Maior”
Não é um acaso, nem deve ser tratado assim. Se a “Rio+20” não associar
organicamente a agenda do meio ambiente a um elenco de medidas destinadas a
enfrentar a derrocada em curso, suas propostas serão contaminadas pelo bafejo
da irrelevância. O movimento ambientalista, cuja pertinência está sedimentada
em estudos e indicadores científicos que evidenciam o assalto aos recursos que
formam as bases da vida na Terra, enfrenta aqui a idade da razão.
Sua responsabilidade é dar consequência política à bandeira do Estado anfitrião
desse encontro, ou seja, o futuro sustentável não será conquistado apenas na
esfera ambiental.
Novas formas de viver e de produzir, intrinsecamente convergentes na
distribuição de direitos e riquezas, formam os nervos e a musculatura do passo
seguinte da história ambiental.
Neomalthusianos tingidos de verde, alguns até bem-intencionados, podem
constatar, ao contrário, que a bandeira da 'estagnação benigna' já se encontra
em vigor em sociedades da periferia do euro, com os desdobramentos sabidos.
Hoje, 1/3 da humanidade ainda depende da queima de lenha ou carvão (leia-se,
derrubada de florestas) para preparar uma simples refeição. Um bilhão de seres
humanos vive no calabouço da fome crônica. Um bilhão no campo, sem acesso pleno
a recursos e conquistas da civilização. Nem a estagnação, nem a devastação
resolvem o desafio gêmeo do nosso tempo. Qualquer dissociação entre crescimento
justo e equilíbrio ambiental ordena o futuro na rota do desastre -- da
humanidade e da natureza.
A “Rio+20” não pode ser apenas uma versão atualizada do balanço do fim do
mundo. Para ser mais que isso, precisa ouvir as circunstâncias da história. Nas
últimas décadas, a desregulação imposta a todos os níveis da atividade humana
agravou os contornos da crise social e ambiental. Se os chamados 'fundos alfa'
--altamente agressivos e especulativos-- conseguem dobrar o rendimento dos
detentores de riqueza em um par de meses, todos os demais setores da economia
capitalista terão que perseguir idêntica voragem. Do contrário, acionistas
insaciáveis fritarão o fígado de gestores empedernidos numa grande queima de
ações em Bolsas. A dominância financeira impôs quase 40 anos de aceleração turbinada
e predatória em todas as latitudes, do macro ao micro.
Acelerar significa, por exemplo, desregular. O quê? Tudo: do mercado de
trabalho à exploração das riquezas naturais. Privatizando e liberalizando o
mercado da água, por exemplo. Ou permitindo o plantio e o desmatamento
ensandecido nas beiras de rios, como querem os exportadores brasileiros de
commodities.
A engrenagem que esfarelou seres humanos e territórios com intensidade inaudita
nas últimas décadas está agônica. Mas seus operadores e o poder político que os
respalda continuam a dar as cartas da vida e da morte do planeta. O epicentro
do jogo neste momento consiste na brutal determinação desses interesses em
validar títulos que lhes dão direitos de saque sobre a riqueza disponível, mas
cujo montante reúne um valor de face da ordem de US$ 600 trilhões: 10 vezes a
soma do PIB planetário. Fazer valer essa riqueza papeleira que começa a se
evaporar, requer de seus detentores disposição bélica para romper qualquer
regra de bom senso, solidariedade e equilíbrio. Exemplos como o escalpo imposto
à Grécia demonstram que eles não são amadores no ramo.Mas a Grécia é só a
cabeça do alfinete de uma dança das cadeiras cuja regra é 'mate nove se quer
resgatar tudo o que nunca poderia ter sido seu'.
Os encontros da ‘Rio+20’ estão emparedados nessa matemática de saque contra
direitos sociais, espaços e bens públicos,ademais de qualquer resquício da
natureza capaz de emprestar valor efetivo ao papelório financeiro que se
esfuma.
Assim como é apavorante que o G-7 e o G-20 não incluam o risco ambiental na
agenda de urgências impostas pela crise financeira, beira à insensatez discutir
o 'futuro que queremos', sem assumir que a supremacia financeiro atual não cabe
nele. Ou melhor, representa a principal ameaça a esse futuro. Como tal, não
pode sair ileso e intocado da ‘Cúpula da Terra’, na ‘Rio+20’.”
FONTE: “Carta Maior” e "Blog do Miro" Borges. Transcrito no
portal “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=186400&id_secao=10)
[Imagem do
Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
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