O GOLPE NO PARAGUAI E A GEOPOLÍTICA LATINO-AMERICANA
“O golpe contra o governo Lugo,
não obstante a história política paraguaia de fragilidade democrática,
ultrapassa as fronteiras do país e coloca em confronto forças distintas no
tabuleiro geopolítico regional.
Por Carlos Eduardo Martins, especial para o “Portal Vermelho”
“Se de um lado, UNASUL e MERCOSUL
aplicaram com moderação a sua cláusula democrática, evitando sanções
econômicas, de outro, Alemanha, Canadá, Espanha e Vaticano reconheceram de
imediato a legalidade do ‘impeachment’. Os Estados Unidos adotaram posição mais
suave: não o consideraram ruptura da ordem democrática, abrindo-se à eventual
revisão, a partir de informe de missão da OEA — integrada pelo próprio Estados
Unidos, por países de governos a ele alinhados (Canadá, Honduras, México) e por outro ocupado (Haiti) que terminou por respaldá-lo.
Ignoraram, assim, tanto as evidências públicas da precariedade legal da
destituição [sem direito real de defesa], por apoiar-se em rito processual
relâmpago e em peça de acusação que reivindicou dispensa do ônus da prova,
quanto de sua ilegitimidade, por colidir com o apoio popular ao presidente
deposto, o que se confirmou nos protestos nas ruas e no efetivo empregado de 10
mil agentes de segurança, e em pesquisas publicadas pelo jornal conservador “ABC
Color” onde 63% dos paraguaios rejeitam a deposição de Lugo. Da mesma forma,
forças políticas conservadoras do Brasil (PSDB), Argentina (PRO) e Uruguai
(Partido Blanco) se colocaram contra o apoio às sanções políticas por seus
governos no MERCOSUL e UNASUL e a entrada da Venezuela naquele, iniciativa que
terminou por prosperar com a consequente suspensão dos direitos políticos do
Parlamento paraguaio, que lhe faz obstrução, no bloco. Seus argumentos
basearam-se na suposta “violação da
soberania paraguaia” e na velha cantilena do “expansionismo chavista”.
O golpe se realizou no elo mais fraco da cadeia de governos populares na região
e se insere na estratégia de contra-insurgência que une as oligarquias locais e
o imperialismo estadunidense. Busca-se manter o processo democrático nos
limites confiáveis para o grande capital estrangeiro e nacional por meio da
dissuasão ou, interrompê-lo, se necessário.
Desde 1999, com a crise do
neoliberalismo na América Latina e a ascensão de movimentos sociais ou governos
à esquerda, os Estados Unidos retomaram sua ofensiva para penetrar no espaço
territorial latino-americano e exercer influência sobre os aparatos de Estado
locais, em particular na sua fração repressiva.
O “Plano Colômbia” seguiu-se imediatamente à eleição de Hugo Chávez e à entrega
da administração do Canal do Panamá pelos norte-americanos, prevista no “Tratado
Torrijos-Carter”. A “Iniciativa Mérida”, no México, em 2006, igualmente a
pretexto de combate ao narcotráfico, seguiu-se à estranha derrota eleitoral de
Lopez Obrador por 0,3% de diferença e a insurreição de Oaxaca no mesmo ano.
Duplicou-se o índice de homicídios, eliminaram-se 60 mil pessoas, 97% delas sem
imputação judicial e estendeu-se ao norte da América Latina o posicionamento
estratégico estabelecido no centro da região, na Colômbia. Da mesma forma, a
rearticulação da 4ª Frota em 2008 e a retomada de acordo de cooperação militar
Brasil-Estados Unidos em 2010 — extinto no Governo Geisel —, na gestão de
Nelson Jobim no Ministério da Defesa, sinalizam preocupação com o governo
brasileiro e a expansão ao sul.
Apesar dessas tentativas, o país ideal para situar o eixo continental da
contra-insurgência no sul é o Paraguai, em razão da debilidade de seu Estado,
que, controlado por oligarquias, tem reduzida autonomia frente à potência
estrangeira; da precariedade da organização dos movimentos sociais, legado da
história política repressiva; ou de sua localização particular, no aquífero
Guarani, estratégica para o fornecimento de energia ao Brasil e à Argentina — ou a outros países do Cone Sul, no futuro—,
e próxima às reservas de gás bolivianas.
O golpe se articula a esse projeto que se tentou avançar mediante diversas
pressões ainda no governo Lugo. Cumpre o papel de entregar o Estado às forças
políticas mais tradicionais da corrompida política paraguaia para impedir
eleições livres e democráticas onde a “Frente Guazú” possa ter representação
política no Parlamento similar à popularidade do Presidente deposto que apoia,
lançando decisivamente o país no campo nacional, democrático e popular.”
FONTE: escrito por Carlos Eduardo
Martins, especialmente para o “Portal
Vermelho”. O autor é chefe do Departamento de Ciencia Política (UFRJ),
doutor em Sociologia (USP) e autor de “Globalização,
dependência e neoliberalismo na América Latina” (Boitempo, 2011) e um
dos coordenadores da “Latino-americana:
Enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe” (Prêmio Jabuti
de Livro do Ano de Não Ficção em 2007).(http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=188252&id_secao=7) [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
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