William Waack, da TV Globo
Por
J. Carlos de Assis
A OPINIÃO ECONÔMICA PARTICULAR
VENDIDA COMO DE “INTERESSE GERAL”
“O jornalismo econômico brasileiro, a exemplo do
norte-americano, está dominado pela opinião de economistas de bancos e de
grandes corporações. Eventualmente, aparece um professor ou um especialista
independente para fazer algum comentário, mas em tempo ou espaço
suficientemente curtos para não permitir mais do que legitimar a presença
dominante dos primeiros nos noticiários de jornal e televisão. Com isso, a
sociedade acaba com uma visão distorcida da economia política, mascarada que
fica pelo viés dos negócios de curto prazo.
Galbraith, com sua fina ironia, costumava dizer que, em matéria econômica, não se devia levar muito a sério a opinião de quem tem interesse próprio em jogo.
Galbraith, com sua fina ironia, costumava dizer que, em matéria econômica, não se devia levar muito a sério a opinião de quem tem interesse próprio em jogo.
Ainda há pouco assisti no “Jornal da Globo” a uma
“especialista” culpando o intervencionismo do Governo pela queda das ações das
empresas do setor elétrico: ela estava
visivelmente indignada com a decisão governamental de reduzir as tarifas
elétricas, afetando a rentabilidade das empresas do setor, e não fez qualquer
menção ao que isso representava de positivo para a sociedade e a economia.
Claro, ela ou sua empresa certamente tem ações das elétricas!
Sou de um tempo em que, no jornalismo econômico, se separava claramente negócios de economia política. Fui subeditor de economia do “Jornal do Brasil” na segunda metade dos anos 70, e, depois, repórter de economia da “Folha” na primeira metade dos anos 80: não me lembro de uma única vez, nesses dois jornais, em que, por iniciativa própria ou por instrução da direção, tenha entrevistado um economista de banco. É verdade que, na cobertura de bolsa, havia repórteres que se referiam a “fontes” não identificadas para empurrar ações para cima ou para baixo. Mas isso não era economia política. Era corrupção mesmo.
Em 1978, meu editor no JB era Paulo Henrique Amorim. Ele tirou as greves do ABC das páginas de Polícia e as trouxe para a Economia. Fui encarregado de editá-las. Foram 40 dias e 40 noites de greve, o tempo das chuvas de Noé, em plena ditadura. A gente sentia que era algo importante, mas não podíamos adivinhar que ali estava o início do fim do autoritarismo. Quais eram os nossos entrevistados na época? Empresários com liderança no setor, líderes trabalhistas, economistas independentes, professores, ex-ministros, autoridades etc etc. Não se ouvia economista de banco que viesse a defender como se fosse de interesse geral assunto de seu interesse.
Na imprensa norte-americana, quando alguém que tem interesses específicos trata de assuntos econômicos de interesse geral, é costume identificá-lo como interessado imediato. Há um certo escrúpulo em misturar as duas coisas. Claro, ninguém põe em dúvida que um jornal de direita, como “Wall Street Journal”, ou liberal, como “The New York Times”, defendam no essencial os interesses capitalistas. Mas isso é feito abertamente, nas páginas editoriais, e não de forma camuflada numa entrevista ou num artigo vendido como de interesse geral. Nesse último caso, prevalece a opinião dos ideólogos, não dos economistas de mercado.
Há uma diferença sutil entre as duas formas de jornalismo: uma coisa é deduzir o interesse específico do interesse geral, e outra, bem diferente, é inferir o interesse geral a partir do interesse específico. No primeiro caso, há uma justificação ideológica de princípio do interesse particular no contexto mais amplo do capitalismo. É a forma padrão americana. Noutro, há uma racionalização do interesse geral a partir do particular. Trata-se de um jornalismo econômico mais primitivo que se traduz por uma manipulação ideológica disfarçada, já que evita apresentar-se como defesa pura e simples do sistema capitalista.
Há um nível de manipulação ideológica menos disfarçado, sobretudo em televisão, quando âncoras de noticiário assumem, eles próprios, a “interpretação” das notícias, dando-lhes maior ou menor ênfase de acordo com seu juízo subjetivo. Sabemos que aquilo é um teatro, pois tudo foi preparado e escrito previamente, mas da forma como aparece na tela o teatro sugere o mundo real.
Aqui, de novo, é o “Jornal da Globo” (tardio, portanto mais dedicado às "elites") que me vem à mente: ao noticiar a inflação do ano passado, William Waack, que pessoalmente não parece entender nada de economia (sei disso porque trabalhamos um curto espaço de tempo juntos, no passado), fez um editorial agressivo contra o Governo, como se tivesse havido total descontrole dos preços. No entanto, como se sabe, a inflação esteve perfeitamente dentro da normalidade em função das margens da meta. A diatribe não passou de agressividade gratuita em relação a uma política econômica que, se não está totalmente correta, pode ser consertada numa direção que, por certo, não é a direção que William Waack quer.”
FONTE: escrito por J. Carlos de Assis, economista, professor de Economia Internacional da UEPB, autor, entre outros livros, de “A Razão de Deus”, editado pela Civilização Brasileira. Artigo publicado no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21491&alterarHomeAtual=1) [Imagem do google e título adicionados por este blog ‘democracia&política’].
Sou de um tempo em que, no jornalismo econômico, se separava claramente negócios de economia política. Fui subeditor de economia do “Jornal do Brasil” na segunda metade dos anos 70, e, depois, repórter de economia da “Folha” na primeira metade dos anos 80: não me lembro de uma única vez, nesses dois jornais, em que, por iniciativa própria ou por instrução da direção, tenha entrevistado um economista de banco. É verdade que, na cobertura de bolsa, havia repórteres que se referiam a “fontes” não identificadas para empurrar ações para cima ou para baixo. Mas isso não era economia política. Era corrupção mesmo.
Em 1978, meu editor no JB era Paulo Henrique Amorim. Ele tirou as greves do ABC das páginas de Polícia e as trouxe para a Economia. Fui encarregado de editá-las. Foram 40 dias e 40 noites de greve, o tempo das chuvas de Noé, em plena ditadura. A gente sentia que era algo importante, mas não podíamos adivinhar que ali estava o início do fim do autoritarismo. Quais eram os nossos entrevistados na época? Empresários com liderança no setor, líderes trabalhistas, economistas independentes, professores, ex-ministros, autoridades etc etc. Não se ouvia economista de banco que viesse a defender como se fosse de interesse geral assunto de seu interesse.
Na imprensa norte-americana, quando alguém que tem interesses específicos trata de assuntos econômicos de interesse geral, é costume identificá-lo como interessado imediato. Há um certo escrúpulo em misturar as duas coisas. Claro, ninguém põe em dúvida que um jornal de direita, como “Wall Street Journal”, ou liberal, como “The New York Times”, defendam no essencial os interesses capitalistas. Mas isso é feito abertamente, nas páginas editoriais, e não de forma camuflada numa entrevista ou num artigo vendido como de interesse geral. Nesse último caso, prevalece a opinião dos ideólogos, não dos economistas de mercado.
Há uma diferença sutil entre as duas formas de jornalismo: uma coisa é deduzir o interesse específico do interesse geral, e outra, bem diferente, é inferir o interesse geral a partir do interesse específico. No primeiro caso, há uma justificação ideológica de princípio do interesse particular no contexto mais amplo do capitalismo. É a forma padrão americana. Noutro, há uma racionalização do interesse geral a partir do particular. Trata-se de um jornalismo econômico mais primitivo que se traduz por uma manipulação ideológica disfarçada, já que evita apresentar-se como defesa pura e simples do sistema capitalista.
Há um nível de manipulação ideológica menos disfarçado, sobretudo em televisão, quando âncoras de noticiário assumem, eles próprios, a “interpretação” das notícias, dando-lhes maior ou menor ênfase de acordo com seu juízo subjetivo. Sabemos que aquilo é um teatro, pois tudo foi preparado e escrito previamente, mas da forma como aparece na tela o teatro sugere o mundo real.
Aqui, de novo, é o “Jornal da Globo” (tardio, portanto mais dedicado às "elites") que me vem à mente: ao noticiar a inflação do ano passado, William Waack, que pessoalmente não parece entender nada de economia (sei disso porque trabalhamos um curto espaço de tempo juntos, no passado), fez um editorial agressivo contra o Governo, como se tivesse havido total descontrole dos preços. No entanto, como se sabe, a inflação esteve perfeitamente dentro da normalidade em função das margens da meta. A diatribe não passou de agressividade gratuita em relação a uma política econômica que, se não está totalmente correta, pode ser consertada numa direção que, por certo, não é a direção que William Waack quer.”
FONTE: escrito por J. Carlos de Assis, economista, professor de Economia Internacional da UEPB, autor, entre outros livros, de “A Razão de Deus”, editado pela Civilização Brasileira. Artigo publicado no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21491&alterarHomeAtual=1) [Imagem do google e título adicionados por este blog ‘democracia&política’].
Maria Tereza, Este artigo expressa bem a diferença como as situações são conduzidas nos EUA e no Brasil, no sistema capitalista. Contudo, isto não quer dizer que os EUA não venham a tomar atitudes que o levem, paulatinamente, à decadência.
ResponderExcluirFluxo,
ResponderExcluirCreio que, conceitualmente, não há diferenças. O título resume, e se aplica integralmente ao Brasil.
Maria Tereza