sábado, 29 de junho de 2013

VIOLÊNCIA DOS PROTESTOS SURPREENDE ABIN

Por Maíra Magro, do jornal “Valor Econômico”

“O diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), Wilson Roberto Trezza, diz que a agência produziu mais de 110 relatórios sobre a Copa das Confederações e já havia detectado a possibilidade de manifestações no país meses antes dos jogos. Para cuidar dos grandes eventos, a ABIN criou Centros de Inteligência Regional em cada cidade sede, comandados por um Centro de Inteligência Nacional em Brasília. Segundo Trezza, todos os relatórios foram repassados aos governos estaduais e ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República.

O tamanho dos protestos, porém, não foi dimensionado com antecedência, nem o grau de violência. "Inteligência não é adivinhação, nem exercício de futurologia", justifica o chefe da ABIN. Ele diz não saber se a presidente foi pessoalmente prevenida dos protestos, pois a agência só se reporta diretamente GSI, por meio de seu ministro-chefe, o general José Elito Siqueira. "Não despacho com a presidenta."

Valor: A ABIN antecipou que haveria manifestações?

Wilson Roberto Trezza: Por ocasião das avaliações de risco, já havíamos detectado, há meses, a possibilidade de manifestações. Tempos atrás, nós alertávamos que haveria a possibilidade de manifestações desse grupo "Copa pra Quem?". Em todos os lugares do mundo onde se realizou um grande evento, aconteceram manifestações, não é privilégio do Brasil.

Valor: Outros grupos já tinham sido identificados?

Trezza: Que poderiam participar de manifestações, sim. Mas essa grande manifestação surgiu, principalmente, de um crescimento absolutamente inexplicável e inesperado do “Movimento Passe Livre”. Se você me perguntasse, no primeiro dia, em que 200 pessoas se reuniram, se eu seria capaz de dizer que, uma semana depois, teríamos 300 mil pessoas na Candelária [no Centro do Rio de Janeiro], ninguém seria capaz de dizer. Inteligência não é adivinhação, nem exercício de futurologia, é uma atividade técnica. Você trabalha com base em dados disponíveis.

Valor: O risco de manifestações nessa proporção e com atos de violência e vandalismo chegou a ser comunicado ao governo federal?

Trezza: Não chegou a ser comunicado ou estimado com meses ou anos de antecedência, mas à medida que começou a acontecer o primeiro evento, a inteligência começou a perceber o potencial de crescimento.

Valor: Alguma informação foi passada à Presidência da República?

Trezza: Nós temos inteligência para uso tático e operacional, e temos a inteligência estratégica, de Estado. Esta interessa ao grande processo decisório. No nível estratégico, elaboramos relatórios de inteligência. Os dados são encaminhados ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, a quem somos subordinados.

Valor: Como o GSI trata esses dados?

Trezza: O GSI difunde os dados para as áreas que têm responsabilidade sobre esses assuntos. Determinado assunto pode ser de interesse de um ou outro ministério, da Casa Civil, da Presidência da República... Vai depender da avaliação do GSI.

Valor: Como essas manifestações representam um risco político, não seriam objeto de interesse da Presidência?

Trezza: Eu posso encaminhar o relatório de inteligência para o ministro-chefe do GSI e ele entender que não precisa, necessariamente, entregar o relatório, ou ele pode reportar o fato à presidenta da República. Agora, se me perguntar quais dos cento e poucos relatórios que produzimos foram encaminhados, ou se sentaram pra conversar, não sei dizer.

Valor: O senhor não sabe se a presidente estava a par dessa situação de dimensões inesperadas?

Trezza: Ainda que a presidenta não recebesse nosso relatório, se quatro ou cinco ministros envolvidos na questão receberem, isso será objeto de deliberação. Essas informações foram trocadas com todas as estruturas envolvidas com os grandes eventos.

Valor: Como é essa estrutura?

Trezza: Hoje, temos três grandes estruturas envolvidas com os grandes eventos: a Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos, do Ministério da Justiça, que cuida de todos os aspectos voltados para a segurança pública, além das áreas estaduais e federais de segurança. Eles criaram Centros Integrais de Comando e Controle, um nacional e centros regionais para cada cidade sede. A Defesa criou Centros de Comando de Defesa de Área, nas cidades sede, em que participam Exército, Marinha e Aeronáutica. Nós criamos um modelo semelhante, um Centro de Inteligência Nacional, na ABIN, em Brasília, em que estão todos os representantes do Sistema Brasileiro de Inteligência, composto por 35 órgãos representantes de 15 ministérios, e também temos a presença de órgãos da segurança e da defesa. E criamos, em cada cidade sede, um Centro de Inteligência Regional, para o qual convidamos, inclusive, o município, como a área de trânsito, a guarda municipal...

Valor: A Copa das Confederações transformou-se em vitrine para os protestos. O que a ABIN já produziu em relação à Copa das Confederações?

Trezza: Já produzimos mais de 110 documentos. A inteligência é sempre a primeira que começa a funcionar. Instalamos nossos centros no dia 15 de maio deste ano. A partir de 10 de junho, começamos a trabalhar 24 horas por dia. Durante o evento, fazemos avaliação de risco "a quente".

Valor: Como foram usados esses relatórios?

Trezza: A ABIN difundiu todos os relatórios para todas as áreas de segurança e defesa. Uma das competências em relação à Copa das Confederações é elaborarmos uma avaliação de risco. De 2011 para cá, fizemos uma média de oito para cada cidade-sede. As avaliações de risco que fizemos um ano atrás, seis meses atrás, foram encaminhadas, e em alguns casos eu estive pessoalmente com o ministro-chefe do GSI, e entregamos nas mãos dos governadores de Estado. A ABIN tem uma superintendência em cada Estado e os órgãos dos Estados foram convidados a trabalhar conosco.

Valor: Que tipo de risco foi identificado?

Trezza: Temos dificuldade, por exemplo, com vias de acesso, em eventual necessidade de evacuação do estádio. De maneira geral, os estádios no Brasil não foram concebidos para os grandes eventos, alguns ficam no centro da cidade. O que fazemos é prever todas as situações que poderiam configurar risco ou dificuldade, e sugerimos soluções para mitigar ou eliminar o risco. Levantamos potenciais vulnerabilidades das infraestruturas estratégicas, na rede hoteleira, nos trajetos percorridos pelas delegações, nos centros de treinamento, nos estádios.

Valor: Havia alguma previsão da possibilidade de vaia à presidente Dilma na abertura da Copa das Confederações, em Brasília?

Trezza: Havia. Isso aconteceu no Panamericano, já virou praxe. Mas eu acho que as pessoas estão dando uma importância muito grande para a vaia. Eu estava no estádio; o público vaiou até a seleção brasileira. Qualquer pessoa que estivesse responsável pela abertura do evento, possivelmente, seria vaiada.

Valor: Essa previsão foi comunicada diretamente à presidente?

Trezza: Eu não despacho com a presidente da República.

Valor: O senhor comunicou ao GSI?

Trezza: Sim, nós conversamos sobre esses assuntos durante reuniões, todo dia temos reuniões. Certamente, deve ter chegado.

Valor: Há relatos de que a presidente estaria descontente com os órgãos de inteligência e de segurança.

Trezza: Eu li isso nos jornais e, logicamente, tentei me inteirar. Nunca me reportaram isso e ninguém nunca confirmou.

Valor: Não há desgaste?

Trezza: Quero acreditar que não. Nunca fui comunicado de qualquer tipo de desgaste.

Valor: O fato de o GSI não ter sido chamado para discutir respostas do governo às manifestações foi interpretado como sinal de descrédito, de que a inteligência do governo não funcionou.

Trezza: O que eu percebo é que a presidenta não quer envolver o gabinete pessoal nessas questões. O GSI faz a segurança pessoal, não se envolve na segurança das manifestações ao redor dos estádios. Independentemente dessa decisão tomada em nível político, o GSI é um gabinete técnico, ele não deveria, necessariamente, estar lá. É uma decisão da presidenta, só ela poderia dizer, mas interpreto dessa maneira.

Valor: Como a ABIN monitora as manifestações?

Trezza: Temos profissionais colhendo dados por uma série de formas. Saindo à rua, através do que acontece nas redes sociais, pelo sistema [de inteligência], ou informantes. Também, recebemos denúncias, até anônimas.

Valor: A ABIN criou um grupo para monitorar as redes sociais por causa das manifestações?

Trezza: Que nós tivemos que montar às pressas um grupo para monitorar redes sociais? Não tem nada disso.

Valor: Tem um grupo de monitoramento permanente?

Trezza: Não temos uma área específica na ABIN que passa o dia inteiro na frente do computador fazendo isso. Em cada área de inteligência, se o profissional tiver a necessidade de consultar informações nas redes sociais, ele vai lá e faz essa observação, volta e continua seu trabalho.

Valor: E-mails e comunicações privadas são monitoradas?

Trezza: A rede social se tornou hoje um espaço público de divulgação. Se olhar o que está sendo veiculado na rede é monitoramento, digo que nós fazemos. É diferente de entrar no seu e-mail, Facebook; isso nós não fazemos.

Valor: As manifestações continuarão ocorrendo?

Trezza: Pelos dados que temos hoje, continuarão. Mas amanhã, dependendo das medidas adotadas pelo Congresso e pelo Executivo, isso pode não ser mais verdadeiro. Temos previsões de grandes paralisações do início de julho até o dia 10 a 13.

Valor: O pacto anunciado pela presidente ajuda?

Trezza: Quando a presidente recebeu, em tese, os representantes dos movimentos, você percebeu que, já no dia seguinte, as manifestações não foram tão intensas. Mas o que não cai de intensidade, porque não depende de atender ou não os anseios da sociedade, é aquele grupo que comparece para fazer vandalismo, cometer atos de ilegalidade.

Valor: Há infiltração de grupos criminosos organizados nesses protestos?

Trezza: Existem alguns informes, nos quais o grau de certeza não é absoluto, de que facções também querem se aproveitar desses movimentos para desenvolver suas ações... No Rio, a própria área de segurança e defesa percebe que a criminalidade organizada e milícias se aproveitaram desses movimentos para desenvolver algumas atividades, atos de vandalismo, saques... Em São Paulo, também. Mas, se me perguntar se isso se confirmou, não posso garantir. Nosso papel é alertar sobre a possibilidade.

Valor: Qual a estrutura e o orçamento da ABIN hoje?

Trezza: O efetivo é uma informação estratégica. O orçamento beira R$ 600 milhões por ano, está publicado no "Diário Oficial da União". Retirando despesas com pessoal, sobram pouco mais de R$ 50 milhões. Se você dividir por 12 meses, 26 superintendências e mais as pessoas no exterior, vê a mágica que temos que fazer.

Valor: A estrutura é insuficiente?

Trezza: Precisaríamos de estrutura melhor. Já trabalhei em várias áreas de governo e na iniciativa privada, e todo mundo luta para ter mais efetivo. Agora, o Brasil é o único país no mundo onde o recrutamento para a inteligência é feito por concurso público.

Valor: É um problema?

Trezza: Acho que realizamos o sonho de qualquer serviço de inteligência, o de infiltrar alguém no serviço do outro, mesmo os amigos. Como aqui trabalhamos com concurso público, basta você recrutar alguém aí fora com boa formação acadêmica e pedir que faça o concurso da ABIN.

Valor: Então há agentes estrangeiros infiltrados na ABIN?

Trezza: Não estou dizendo isso. Temos uma área de contraespionagem. Toda vez que fazemos um concurso público, temos que fazer um acompanhamento, e no nosso edital está prevista uma investigação social antes de a pessoa entrar. Já tivemos indícios de tentativa de aproximação de serviços de inteligência de outros países a candidatos ao concurso da ABIN, mas identificamos com antecedência e não se concretizou.

Valor: A nomeação de outros funcionários do governo federal passa pela ABIN?

Trezza: As nomeações para cargos públicos, a partir do DAS-4, passam por aqui. A Casa Civil submete os nomes e fazemos [a checagem]. Mas ela não é obrigada a mandar.

Valor: Que tipo de investigação é feita, exatamente?

Trezza: Levantamos dados disponíveis sobre a pessoa, como a existência de processos administrativos ou judiciais, além de informações do Sistema Brasileiro de Inteligência.

Valor: Nos Estados Unidos, fazem um "background check" em que entrevistam até vizinhos...

Trezza: Se necessário, podemos fazer entrevistas. Mas a ABIN não barra nenhuma nomeação, somente coleta os dados.

Valor: A ABIN tem quantas subunidades no país?

Trezza: Já chegamos a ter 12 e hoje estamos com cinco, em municípios considerados estratégicos: Tabatinga (AM), na Amazônia; Foz do Iguaçu (PR), por causa da tríplice fronteira; Campinas (SP), porque é um polo de desenvolvimento de indústria, tecnologia. Temos ainda uma em São Gabriel da Cachoeira (AM), uma região de fronteira; e outra em Marabá (PA), criada na época de grandes problemas com o garimpo. Há preocupações com o tráfico de entorpecentes, de armamentos, a entrada de estrangeiros, desmatamento, garimpo em terra indígena ou em outras áreas, contrabando de pedras...

Valor: E a hidrelétrica de Belo Monte?

Trezza: Todas as obras do PAC são de interesse do Estado brasileiro, e se pudermos contribuir com informações sobre algo que ameace a concretização dessas obras, produzimos relatórios de inteligência.

Valor: Os que protestam contra essas obras são monitorados, como os índios?

Trezza: Nós não fazemos monitoramento de pessoas, a não ser que esteja fazendo algo ilegal. Se eu tiver que dizer que você participou ou está promovendo uma manifestação contra a construção da hidrelétrica de Tapajós, eu vou dizer. Agora, para isso, não preciso acompanhar sua vida, monitorar seu telefone, sua internet, fazer alguém se passar por outra pessoa para se aproximar de você. Às vezes, a informação é importante até para saber com quem se comunicar, quem chamar para um diálogo.

Valor: A ABIN tem equipamentos para grampos telefônicos, como o Guardião?

Trezza: Não. Por lei, somos proibidos de fazer interceptação de comunicações e escuta ambiental. Tenho equipamento de varredura, inclusive para a própria defesa.

Valor: Como foi a operação da ABIN no porto de Suape, em Pernambuco, que teria identificado que um movimento sindical ligado ao governador Eduardo Campos (PSB) poderia fazer uma greve geral?

Trezza: É uma coisa absolutamente fantasiosa. Quem está te falando é o diretor-geral da ABIN e isso não aconteceu.

Valor: Quatro agentes da ABIN foram presos?

Trezza: Os quatro agentes nem estiveram no porto no dia 11 de abril. Tanto o GSI quanto a ABIN emitiram notas públicas a respeito do fato. Nós temos uma postura e um valor. A atividade de inteligência, por definição, tem que ser apolítica e apartidária. Nós não temos a inteligência do PT, como não tínhamos a do PSDB; nós temos a inteligência de Estado, que está à disposição dos sucessivos governos. Fazemos questão absoluta de não ter envolvimento político.

Valor: Mas esses agentes foram ao porto de Suape alguma vez?

Trezza: Sim, já foram. Mas eles nunca estiveram no porto os quatro de uma só vez.

Valor: O que eles foram fazer?

Trezza: Infraestrutura estratégica é um dos motivos de acompanhamento estratégico da inteligência.”


FONTE: reportagem de Maíra Magro, do jornal “Valor”. Transcrita no portal da FAB  (http://www.fab.mil.br/portal/capa/index.php?page=notimp) . [Imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].

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